Capítulo 142

Noite de segunda.

 

A chuva que assolou no domingo não se estendeu até esse dia, deixando o céu na mistura de tempo bom e fim de tempestade.

 

As estrelas, quando o centro urbano é bem iluminado, ofuscam todo glamour, todavia, não havia uma corrente gelada e sim, estava quente pra caralho.

 

Como algo que vai e passa, Smith retornou ao seu turno original e agora vigiava a noite. A sensação gostosa de dormir numa cama quente e lençóis que abraçam foi arrancada.

 

“A equipe voltará à formação original.”

 

Notificou Takano, após o pronunciamento do presidente, uma coisa que não era obedecida desde que pousaram os pés no Rio.

 

Bem, falta pouco para retornar a Dubai, no entanto, seu amor não irá junto devido a terminar o serviço.

 

Logo, deve aproveitar o máximo antes de se afastarem novamente.

 

“Ei! O líder pediu para irmos buscar seu marido.”

 

Informou Joe, que também é desse turno. Smith apenas observou e imaginou o rosto de Park Hyung, o anel dourado posto no dia do casamento foi o mesmo que encheu de sangue diversas vezes.

 

Quase dez anos juntos…

 

Refletiu, o interior bombava saudade, porém, não queria vê-lo, mas ordem é ordem, agora é entrar no carro e buscar os três visitantes icônicos.

 

No meio do caminho, houve muita reflexão e a reação ao encontrá-lo, entende que assim que olhar para aquele rosto audacioso, seu coração acelerará a tal ponto que não impedirá de correr até lá.

 

O que esse crocodilo ardiloso tramou? Será que sente a mesma saudade que sinto?

 

Esse questionamento bobo, que pertence apenas a namorados em início de relacionamento, invadia-o por inteiro e custava a sair, então, durante a viagem, manteve-se em silêncio.

 

Mas quando chegaram ao aeroporto, era fim de linha, depois que encontrassem tudo será momentâneo assim que…

 

“Ursão…”

 

Rapidamente, estava ali, perto o suficiente para escutar sua voz, mas longe para abraçar, e, seus pés ganharam vida e caminharam sem perceber até que, seus braços fortes abraçaram com força.

 

“Cariño.”

 

Parece que foi ontem, quando seu espírito rebelde era dominado pelo ódio aos homossexuais. Não sabe como conseguiu se apaixonar por outro homem e se transformar em bissexual.

 

No entanto, quando notou e passou a primeira noite quente com seu atual parceiro aos 17 anos, todo caminho trilhado e o nojo foram jogados pela janela, virando assim, cativo do amor de Park Hyung.

 

Os três tripulantes viram a cena e tiveram a reação de comer açúcar em excesso, meloso demais, nem o presidente consegue ser tão doce quanto eles.

 

Dizem que três centímetros não fazem diferença, não quando se trata desses dois, mesmo com essa diferença em que esse top é um tanto maior que seu parceiro, o poder de envolver deixou esse advogado perigoso derreter igual manteiga.

 

“Como foi a semana?”

 

“Normal.”

 

“Haha… é, tudo bem. Joe, vamos, porque estou ansioso para encontrar essa mulher que laçou o coração do presidente.”

 

“Bem, tarde demais, o presidente levou para casa no momento em que saímos para buscá-lo.”

 

“Poxa.. Tá, só me leve para meus aposentos, preciso de uma dose alta de descanso.”

 

Essa ‘dose alta de descanso’, era uma gíria de seu vocabulário para sexo, pois toda vez que faz sexo com ele, relaxa a ponto de desmaiar.

 

Algo que somente ele entende, por isso, soube que é pra fazer o trabalho bem feito.

 

“Tudo bem.”

 

Dessa forma, pela primeira vez, cinco passageiros foram em um único carro.

 

A estagiária, que sabe do relacionamento de seu chefe, via de vez em quando seu parceiro, e seu coração parou de bater depois de compreender que esse de olhos esmeraldas pertencia a outra pessoa.

 

O calor do Rio difere do de Dubai.

 

Enquanto um é desagradável, fazendo mal à pele e ao organismo como um todo, esse é grudento, oferecendo desespero para aqueles que não têm como aliviar nem com ventilador.

 

Não ventava, apenas sufocava, e o ar ligado relaxou até chegarem no flat.

 

E, diferente do filhote, o clima se manteve na volta, silencioso, e ninguém se incomodou em falar um único vocabulário, embalados pela noite sombria de um local considerado paraíso.

 

***

 

“Sr. Park, seja bem-vindo.”

 

Cumprimentou o secretário que vestia seu uniforme padrão, esperava a chegada desse e precisava pelo menos oferecer o básico, e falar sobre outras coisas.

 

Park Hyung gosta muito do secretário e entende que é perigoso, pois seu sensor é sensível demais, consegue ler a atmosfera e pesquisar a fundo qualquer um que tenha contato.

 

Portanto, nunca tentou fazer nada, diferente de seu esposo que imagina o oposto.

 

“Secretário, podemos conversar um pouco? Pode pedir um chá gelado?”

 

“Sim, senhor.”

 

Cortez, foram ao restaurante oferecido apenas aos hóspedes, para saber o questionamento que perturba muito.

 

Smith se manteve por igual, deixando resolverem o que deve ser feito.

 

Ali é calmo, sereno e não calorento, funciona como restaurante principal atendendo à demanda com todos os tipos de pedidos diferenciados.

 

Claro, estava incluso na diária exorbitante, logo não é difícil ver alguém comendo lagosta com saboroso vinho importado.

 

Quando o chá-preto bem gelado foi servido num belo copo de vidro com canudo biodegradável, Park Hyung iniciou seu questionamento.

 

“Secretário, quem é essa mulher?”

 

Instantaneamente, compreendeu que a visita de dois artesãos não tinha acusado seu radar, mas quando os papéis de vários imóveis e ações seriam repassados para ela, causou o verdadeiro espanto.

 

“A futura esposa do presidente, a oficial.”

 

A décima quinta matriarca finalmente chegou.

 

Mohammad, considerado um mesquinho hardcore, estava cedendo muitas coisas por amor.

 

“Investigaram?”

 

“Com certeza, assim que o presidente pôs os olhos, fez o procedimento padrão, mas, não do jeito esperado, e sim, para chantageá-la.”

 

“Então é verdade, está amando.”

 

“Sim.”

 

Não era para demonstrar, normalmente o empregado é complicado de ler, devido à característica treinada por anos, no entanto, o advogado conseguiu desvendar o que expressa no interior desse robô.

 

“Desista.”

 

Decretou, aconselhando como um colega que entende as reações humanas.

 

“O que?”

 

“Não faça isso, não pode tê-la, por favor, desista enquanto é cedo.”

 

“…“

 

O que fazer contra algo que veio pequeno e está crescendo aos poucos? Se fosse normal, poderia desfrutar de uma vida como todos e ter um companheiro como Park Hyung, mas é um escravo, feito para seguir ordens.

 

Não podia, na realidade, não devia se apaixonar, ainda mais pela mulher de seu dono.

 

O peito doía, o conselho é doloroso e necessário.

 

“Obrigada, Sr. Park.”

 

“Tudo bem.”

 

Ao tomar toda bebida e ter todas as questões respondidas, queria apenas entrar em seu aposento e descansar depois de uma viagem longa no conforto da classe especial.

 

O amor nem sempre é um conto mágico, é um campo de batalha em que um time sempre sairá perdendo.

 

E o derrotado voltará a suas terras sem seu merecido prêmio, enquanto o vencedor brinda sob a dor dos não beneficiados.

 

Em toda a vida, o amor passou longe e, quando sentiu que seria merecedor, a vida lhe deu uma rasteira e privilegiou o oposto, mostrando que não nasceu para isso.

 

O rosto dela continua gravado em sua mente e seu calor não saiu. O abraço foi suficiente para ver que gosta além do que não é autorizado.

 

Entretanto, a queria, mas não sabe como desistir.

 

Talvez, seja silencioso e sem ser notado, guardando tudo, onde ali pode manter segredo.

 

Tudo bem amar sozinho? É certo manter esse amor platônico?

 

“[…]Eu tenho inveja do Sol que pode te aquecer. Eu tenho inveja do vento que te toca. Tenho ciúme de quem pode amar você. Quem pode ter você pra sempre[…]”

 

Às vezes a vida não é justa, e deve se manter dessa forma para manter o equilíbrio, nem que esse mate e roube o que há de melhor nos viventes.

 

Assim, essa canção famosa da dupla Sandy & Jr. é o retrato fiel de um amor forte que está impedido de pôr pra fora.

 

Sendo o favorito da mulher que mais ama.

 

***

 

Quando todas as compras foram postas, Bruna finalmente encontrou o alívio de chegar em casa, não precisou carregar nada, todos aqueles homens fizeram o serviço.

 

Agora, é o momento de ser hospitaleira, ajudando, devendo dar pelo menos algo para acalmar esse ardor.

 

“Meninos, esperem, vou servir coca.”

 

Comprou duas garrafas de refrigerante para servir e aproveitaram para trazer copos descartáveis. Quando pegou tudo, aqueles que estavam dentro dessa casa observaram cada canto.

 

Bem simples, não muito chamativa, limpa, dois cachorros latindo.

 

O retrato fiel da classe simples, a base da pirâmide.

 

“A casa é pequena.”

 

Comentou Alex.

 

Como Dmitri não é de falar, deixou no vazio enquanto o líder se sentou no sofá forrado com uma capa de cor estranha. As casas brasileiras são o inverso de sua terra natal, feitas de tijolo, cortina e muita luz solar.

 

Charlie, que deveria permanecer no seu turno, foi escalado a ficar de manhã até tudo se concluir e retornar para Dubai.

 

Dominique permanece em silêncio, assim como Dmitri, mas observa que essa sala é menor que seu quarto.

 

Quando a viram com os itens, acharam engraçado e fofo. Não está acostumado à gentileza, pelo meio onde trabalha.

 

Na graça e reino dos poderosos, a maioria é esnobe e não oferece um copo d’água.

 

Entretanto, estão numa área pobre e recebendo todo cuidado como se fossem visitantes.

 

“Vou ajudá-la, senhorita.”

 

Se propõe, Alex, falando num perfeito português.

 

“Também fala meu idioma?”

 

“Sim, senhorita.”

 

Sorrindo como resposta, os copos foram distribuídos e o refrigerante está bem gelado, perfeito para matar a sede.

 

Quando viram, toda a garrafa terminou.

 

“Vão almoçar aqui?”

 

“…”

 

Não sabiam como responder, o presidente sumiu, restando apenas ela, e ficaram em dúvida se aceitavam ou não.

 

O trabalho se limita apenas a ajudar a trazer as coisas e aceitar essa cortesia, mas não há garantia de comer o que fizesse.

 

E, pela dúvida, recusaram a oferta.

 

Mohammad estava em uma luta severa dentro de si, um gritava para colocar a roupa e sair desse micro banheiro, o outro implorava para não ligar e tomar banho.

 

Para os normais, tem um bom tamanho, todavia, para quem ama espaço, é pequeno, cabendo perfeitamente numa kitnet. Um estúdio, quem sabe?

 

Com uma toalha limpa, o banheiro está limpo e sente o cheiro único de cloro, sem desinfetante. Apreciou o cuidado em fazer algo para recebê-lo.

 

Por isso, de chinelo, abriu o chuveiro sem uma chave de fenda. A água, que deveria cair gelada, infelizmente veio morna.

 

Bruna, que recepcionou os guardas até a saída, retornou para saber como estava. Com certeza, ele não deve ter movido um único músculo pela fobia, assim, queria ajudar a quebrar um pouco essa barreira.

 

Desse modo, escutou-se o chuveiro aberto e, pela surpresa, sim, em sua totalidade.

 

“Está tudo bem aí?”

 

“Sim, só está um tanto quente.”

 

“Ahh, as caixas estão quentes, aí não saiu gelada.”

 

“Entendo.”

 

Se abrisse, o veria, pela altura monstruosa, o chuveiro não conseguia banhar completamente, nisso, é preciso se agachar para a água atingir completamente.

 

Como qualquer item, o chuveiro está emaranhado em vários fios perigosos para oferecer banho quente. Caso tocasse sem querer, a carga elétrica imobilizaria ou, pior, mataria.

 

Cada canto desse lugar é um tanto perigoso, depois desse vem a tomada que não existe, são fios soltos enrolados para garantir que a lâmpada fique acesa o tempo todo.

 

A sorte é que existia o sensor nesse objeto, permanecendo ligado conforme a movimentação da pessoa, e depois desligando quando não há ninguém.

 

A pia é modelo antigo e pequena, mas a água cai forte depois de mudar os canos e desentupir.

 

O ralo… bem, nem precisa dizer, são antigos, deve-se repor por novos.

 

Na realidade, tudo aqui deveria ser mudado.

 

Quando terminou de se lavar, de cabelo molhado e usando as coisas dela, o cheiro impregnou em sua pele.

 

Ao sair, sem camisa, sentiu mais frescor e leveza, como se todo suor fosse desgarrado, contudo, a casa pegava fogo igual a um miniforno em temperatura alta.

 

Não demorando, todo esforço será em vão, acumulando uma nova camada de suor.

 

Ao ver que estava guardando todas as compras, do modo que sabe e aprendeu, só faltando a parte de limpeza, foi complicado ficar num ambiente onde não é acostumado enquanto seguia a lista rigorosamente, e bem limitada.

 

O dinheiro suado do mês limita-se a muita coisa, existem tantas que não poderiam trazer e, para mostrar a realidade, foi impedido de ajudar e apenas auxiliar na conta para obter o resultado e ver se encaixava no orçamento.

 

Teve muitas coisas que foram devolvidas, ficando somente com o bruto necessário. Nunca imaginou que a vida dessa família fosse tão difícil.

 

Mas garante que nunca passaram fome, somente apertos necessários, mas foram superados.

 

Até as histórias consideradas engraçadas pelas irmãs, quando pequenas, eram tristes.

 

Igual a um período de aperto forte, em época de carnaval, seu pai fazia bico para ganhar 50 reais para empurrar os carros alegóricos ou quando ambas ajudavam a mãe a catar latinhas.

 

Aos olhos delas, entenderam a dificuldade, mas eram bem divertidos, pois a mulher tornava tudo engraçado.

 

É nessas coisas que não compreende o motivo de ter demorado, se não fosse pelo destino e sim por ele, com certeza, não sofreriam tanto.