Capítulo 92

Essa pergunta nunca foi mais comentada, não depois de tantos anos.

 

Ninguém quis saber o que de fato ocorreu com essa pessoa que tinha fama de ‘cara legal’, e até o momento atual, não sabe o certo.

 

Sua mãe morreu amargurada pela decisão do fim do relacionamento com o primeiro genro favorito.

 

Durante esse tempo, nunca comentou o motivo do término e carregou a culpa nos ombros, sendo rotulada como fria e cruel.

 

Sabendo que nessa batalha, quem saiu machucada foi ela.

 

Uma coisa tem certeza, o amou com grande intensidade, algo que jamais provará e nunca se repetirá, mas agora, faz parte do passado.

 

E não é responsável pelos atos do seu antigo amor, e provou de fato que não possuía culpa, na realidade, namorou uma adolescente cheia de esperança e amor, e não foi adulto o suficiente para impedir o ato.

 

Ninguém conta o quanto é torturante servir de tapume na vida de alguém.

 

Como pensa, não dói e só intensifica o estereótipo de que nem todos nasceram com esse dom.

 

Mesmo enfrentando as consequências atuais, já não importa se martirizar, como antigamente.

 

Não hoje.

 

“Conheci três anos antes de iniciarmos um namoro…”

 

Bruna contou como de fato aconteceu.

 

Na época, tinha 13 anos e teve que se matricular na academia da rua Grajaú pelo seu sobrepeso, que beirava os 66kg.

 

O que era um risco à saúde e apresentava o quadro de pré-diabetes, que era desconhecido, devido à marca escura no pescoço que envolvia como um cordão grosso.

 

E tanto a mãe quanto ela não sabiam a razão, acharam que era sujeira, onde não houvesse limpeza nessa parte.

 

Tanto que sentia ardor, toda vez que esfregava o pescoço e as costas com um pano molhado besuntado com muito sabão de corpo, na tentativa de remover a ‘craca’.

 

Entretanto, nunca conseguiu e deixou de lado.

 

Nunca havia feito exercício na vida e era considerada até então uma sedentária raiz.

 

Naquele espaço, de uma pequena academia de dois andares, descobriu o sabor dessa prática.

 

E fez amizade com a professora responsável pelo quadro das aulas aeróbicas, principalmente o spinning que estava em alta.

 

Foi aí que o viu pela primeira vez.

 

Rápido, igual ao vento que vem e depois vai embora.

 

Na época, Márcio malhava na mesma academia e acompanhava uma amiga da mesma vizinhança, por quem nutria um amor platônico.

 

A única lembrança era o seu jeito leve e brincalhão, nunca foi bonito, na realidade é bem fora da estética e padrão até para os mais ‘bonitinhos’ da atualidade.

 

Fora sua altura, que mal chegou a 1,70m.

 

Sendo extremamente magro, claramente um ectomorfo, explicitando a dificuldade para ganhar musculatura, mantendo esse exoesqueleto até hoje.

 

E, devido a todas essas ‘qualidades’, as pessoas eram cativas pela personalidade, fazendo todos rirem e aliviando o fardo pesado de qualquer um que queira bater um papo.

 

Basicamente um palhaço, fora sua lealdade acentuada com quem adotava como amigo, era por isso que odiava ouvir falar mal de alguém de quem gostasse muito.

 

E foi desse jeito que ficou encantada.

 

Bruna sempre foi o tipo que nunca ligava para estética, bastava ter interesse e um desenvolvimento afetivo pronto.

 

Não é à toa que não havia tantos caras bonitos que tenham se apaixonado, sempre eram de beleza questionável e feios mesmo.

 

Entretanto, havia um biótipo corporal ideal.

 

Sendo magro, não musculoso, do gênero ectomorfo mesmo.

 

Sempre desprezou aquele estético padronizado, principalmente os marombas.

 

E por Márcio ter esses atributos, não foi difícil cair de amores.

 

A história deles só cruzou mediante uma vizinha de porta.

 

Essa, com sua irmã caçula, frequentava o mesmo local esportivo de capoeira que naquele tempo era comandado pelo primeiro dono da padaria.

 

Casado com sua ex-esposa, tinha uma filha que não fazia o esporte, mas ficava na roda dos alunos.

 

E esse era o melhor amigo de Márcio, parceiro de ir a vários lugares e fazer confissões e tudo, uma amizade fortalecida.

 

Essa vizinha e seu ex-namorado tiveram um breve lance.

 

E, por causa desse pequeno lance, o indicou e falou todas as qualidades possíveis, basicamente um anjo na terra.

 

Bruna, que estava na fase da adolescência, não tinha experiência com homens, só rolou algumas coisas rápidas, porém, nada concreto como sua vizinha que já praticava o ato sexual.

 

E dessa indicação, e pelo fato de querer iniciar uma vida amorosa e experimentar tudo que sempre sonhou, resolveu aceitar em sua vida.

 

Só de lembrar que disse sim e que permitiu entrar, rola um grande arrependimento do quanto foi idiota, já que ficou com outra pessoa, inclusive a amava.

 

O primeiro encontro foi no dia 25 de novembro, aniversário de seu irmão, que organizou uma comemoração em casa, sem a presença dos adultos.

 

Semelhante a alguns filmes teens estadunidenses.

 

Tendo que lidar com vários convidados que não eram conhecidos.

 

No final, como grande irresponsável que é, não teve o pudor de organizar nada, deixando tudo no colo dela até para fazer o bolo de última hora.

 

Recorda que Márcio veio diretamente do seu antigo emprego para conhecê-la.

 

E, com a roupa do corpo e muito cansado, foi até lá para saber como era e ver se realmente dava para investir.

 

À noite, depois que todos os convidados foram embora, deixando a casa uma zona e o piso branco negro de lama.

 

Os dois se encontraram pela primeira vez e foram para uma laje que não era murada e nem coberta, existindo o falecido abacateiro.

 

Na mesma hora, a timidez existente intensificou-se na presença do jovem adulto.

 

Era ‘normalizado’ uma adolescente namorar ou ter um breve flerte com caras mais velhos.

 

E é até considerado um ‘status’ na rodinha das futilidades femininas.

 

Desse modo, se apaixonou de vez. Foi rápido e não teve controle, erro de ambos.

 

Não deveria ter se apaixonado à primeira vista, e ele não deveria aceitar o pedido de namoro espontâneo, principalmente não no momento em que seu coração era dedicado a outra pessoa.

 

Poupando o constrangimento e o sofrimento para eles.

 

Enquanto contava todo o relato e detalhes sórdidos do conturbado relacionamento ‘aparente’, filtrou o erro do ex-parceiro.

 

Principalmente por ser verdadeiro mentalmente, mas tentava mentir nas ações e gestos.

 

Isso é uma das qualidades dadas por Deus, a sinceridade masculina estava ligada diretamente ao seu órgão genital, e devido a isso, aceitar outro alguém, mas amando outra, sempre trará dificuldades para o novo relacionamento.

 

Diferente de Mohammad, que sempre especificou a linha e foi verdadeiro até demais, e caso essa ficasse criando um sentimento inexistente, era facilmente descartada.

 

Como aconteceu com tantas outras.

 

Já no caso do Márcio, não foi sincero com sua ex-parceira e alimentou o sonho dela em acreditar que poderia ter um relacionamento dos sonhos.

 

Logo, com uma iludida sobre a realidade.

 

No entanto, ocorreu o plot, durante a maior parte do relacionamento, amava outra.

 

O fato de ouvir que nem ficava duro, pelas inúmeras tentativas em tentar algo mais profundo e até querer entregar sua virgindade, fez um misto de riso e também de fúria.

 

Principalmente o nojo ao tocá-la, como foi relatado.

 

Saber que teve a graça de receber todo amor e o rejeitou deixou-o extremamente chateado. A ponto de suas mãos no volante fazerem uma pressão forte, na tentativa de pôr para fora sua raiva.

 

Porque foi esse o motivo de ter fechado seu coração e não ter capacidade de amar facilmente.

 

É por causa dele que estava lutando constantemente para conquistá-la.

 

“Por que não me esperou? Por que demorei para chegar? Por que agora?”

 

Questionou se tivesse a oportunidade de a conhecer quando tinha apenas 16 anos, o destino seria outro e muito melhor do que é atualmente.

 

Seria amada, abraçada e não faltaria nada em sua vida.

 

Seriam felizes, e toda tristeza que suportaram até o momento seria retirada, e carregariam o fardo juntos, sendo amigos, companheiros e amantes.

 

Mas não, não foi dada essa oportunidade e acabou se apaixonando por uma ilusão, e hoje tem que colher as consequências.

 

“Por que não me esperou?”

 

Indignados, estavam atravessando a pista esquerda da estrada Grajaú/Jacarepaguá.

 

Pega sem colete, encurralando o fato de ter se entregado para quem lhe fez mal, sabendo que no futuro ambos se encontrariam.

 

“Por que disso?”

 

“Pelo fato de não ter me esperado, se tivesse feito isso, não teria sofrido o que sofreu com esse cara.”

 

“Fala sério? Impossível, o efeito seria menos danoso com o Márcio do que com você.”

 

Ria dessa incredulidade, chegava a ser pior que todas as desgraças sofridas por Josias.

 

Apesar de seu romance com o Márcio ser doloroso, com certeza seria três vezes menos que com esse bonitão, que trocava de mulher como se trocasse de camisinha.

 

“Por que acha isso? É sobre o meu passado de Casanova?”

 

“Com certeza.”

 

“Mas…”

 

“Vamos colocar o pingo nos ‘i’. Era inocente e iludida além da estratosfera, ainda assim, tinha um pouco de noção. Jamais me arriscaria com alguém igual a tu.”

 

“Por que tem tanta certeza? Acredita que não seria diferente?”

 

“Kkkkkk… Não, para! Que papo é esse?”

 

“Não é bem assim…”

 

“Mohammad, seja realista. Tudo em mim não condizia com sua cartilha, principalmente naquela época. Eu só seria mais uma nas suas mãos, e por me autopreservar, preferia me envolver com o Márcio mesmo.”

 

“Quer dizer que agora não acredita que teremos um futuro?”

 

“Sim. E, pra falar a real, espero que seja dessa forma. Não tenho pique ou paciência pra aturar o seu mundo. Quero paz, cansei de ter razão.”

 

Tentou desarmar, ainda assim, o tiro foi na testa.

 

A capacidade de quem deitou e rolou com muitas, citando um poema de pura mentira, não tem o poder de convencer que seu amor é real.

 

Mohammad se acostumou a que todo o esquema feito em sua arrogância, o destino lhe daria de bandeja como sempre.

 

E não era bem assim, a escolhida não aceita mais um livreto que causou sua maior desgraça.

 

Pela primeira vez, o cavaleiro, um jovem mestre que detinha o mundo nas mãos, é visto como um item descartável logo por alguém em que o coração resolveu pulsar.

 

Ainda que as falas sejam um tanto preconceituosas pelo passado do motorista, detalhou o fim antes de sentir o gosto do recomeço.

 

Essa era sua convicção, e um ato falho de julgar um livro pela capa.