Capítulo 93
Mohammad nunca amou, na verdade, nunca desejou amar ninguém.
E seu modo de pensar em usar e depois jogar fora foi implantado em sua mente, e tinha a mentalidade de que todos eram utensílios descartáveis para saciar seu prazer.
Logo, não teve o gosto de experimentar o que era o amor, a sensação gerada de pertencer a uma única criatura.
Essa coisa de compartilhar a mesma cama, ver suas camisas no corpo de outra e ouvir de sua boca o mais sincero ‘eu te amo’ era um pecado diante de sua perfeição.
Nisso, recorda-se de um quadro, desconhecido e sem nome.
Era apenas uma matéria na grade escolar.
Após uma febre louca, e a conexão com seus ideais torpes, esqueceu de prender a alma.
Odiava sujeira, o contato com qualquer coisa considerada nojenta não era tolerado.
E esse tipo de trabalho, onde o professor sabia das limitações, permitiu os pincéis.
Mesmo que o programado exigisse uma conexão igual aos antepassados.
Ainda assim, essa criança que estava numa turma avançada demais para a idade natural, fazia todos se ajoelharem e obedecer à sua lei.
No entanto, a alma não aprisionada o tomou a ponto de sujar as pontas de seus dedos e formar um retrato doloroso.
A fisionomia dessa tela era um borrão negro, impedindo a identificação do sujeito.
Porém:
“Tão lindo.”
Baixo, como se conversasse sozinho, flertou com o material frio que expressava um calor jamais experimentado.
Até esse momento.
Se tivesse a oportunidade de conhecer com seus 20 anos, com certeza, o conceito que carregou por tanto tempo não seria utilizado.
Pela primeira vez, como agora, diria ‘eu te amo’ e seria único em sua vida, e vice-versa.
Seria ele, a escutar a confissão apaixonada, e não Márcio.
Perdendo a chance de conhecer essa mulher maravilhosa.
Mas não faria o mesmo, tão pouco tentaria achar outra com a característica dela.
Não nesta vida, os dois têm que ficar juntos, para todo sempre.
“Vai demorar um pouco, mas ouvirei desses lábios uma declaração apaixonante. Falará ‘eu te amo’ pra mim.”
“Hahaha! Meu deus, não acredito que estou vivendo Sekaiichi.”
Apesar de levar esse relato com leviandade, não achando mais que uma piada, Mohammad estava bem sério, e mesmo não querendo, estava quase vivendo outra história da mesma autora.
O casal favorito, para ser exato.
Que são nada mais do que Hiroki e Nowaki de Junjou Romantica.
E, por não perceber, se comporta como se os sentimentos de Mohammad não fossem firmes, afirmando que nunca amará como seu primeiro amor.
Todavia, assim como Nowaki, que comeu pelas beiradas nesse romance egoísta, fará o mesmo, só que intenso e privilegiadamente rico.
Quando saem da estrada e entram oficialmente no bairro, Bruna sente uma tristeza, a velocidade a deixou desanimada muito mais do que na sexta-feira.
Mesmo não nutrindo nada, soube que ficar ao seu lado é bom, brotando as primeiras raízes.
Talvez o solo que julgou ser desértico era, na verdade, igual ao da Caatinga.
Devastado por longos períodos, que aparentemente não teria chance de florescer o mais resistente.
A chuva fina na zona oeste estava garoando levemente, dando para caminhar de boa sem um guarda-chuva.
“Coloque o casaco.”
“O quê?”
O tom firme usado errado não surte efeito nessa paciente medicada. Por isso…
“Por favor, coloque o casaco.”
É, o amor tende a reestruturar o lado normal de qualquer criatura.
“Sem problema, tem como ir para casa assim.”
“Bruna, não estou brincando. Coloque o casaco.”
O jeito materno era o prelúdio que a geração Z não degustou.
Principalmente, quando vinha com cinto de couro para penalizar os atos errados cometidos por ela.
“Velhos tempos…”
Essa repreensão só alimentava sua rebeldia, que tentou sair do carro, mas a porta estava trancada.
“Sério?”
“Sim, estou falando sério.”
Pegando o casaco, vestiu contragosto, depois que chegar em casa seria amontoado na gaveta do armário.
Mohammad sorriu como se fosse a coisa mais bonita do mundo.
E todas as compras foram entregues, as caixas não eram pesadas, e as bolsas eram bem firmes e podiam ser levadas tranquilamente enquanto se sobe a rua.
“Não se esqueça, amanhã, no mesmo horário.”
“Tá bom, obrigada por hoje, me diverti pra caramba.”
“Fico feliz por isso.”
“Tchau.”
“Pera.”
Olhou de volta.
“O quê?”
“Isso.”
Lhe beijou suavemente, o que deixou o rosto ardendo como se acendesse um estopim que a queimou internamente, mas, graças à sua cor, não foi mostrada.
“Tchau.”
“Seu…”
“Cuidado.”
“Abusado.”
Visando seus passos, não queria deixar sair e estava implorando para insistir em sua teimosia, todavia, foi o oposto, saiu como se não fosse seu ninho e subiu sem olhar para trás.
Pensar no dia em que esse pássaro sair de sua morada e viver com ele é longínquo, prevendo a tortura quando retornar para seu país.
Não sustentará esse peso que assola estando perto, talvez, não sabe, venha visitar em tempos esporádicos só para matar a saudade de sua feição e seu humor ácido.
Quando desceu, uma mensagem foi enviada.
Ao usar a outra mão, notou um ato idiota em uma das suas propriedades.
Logo, o que tem um apego especial: o laboratório Health, localizado na Suíça, onde é a sede.
Lendo todas as informações que o secretário enviou, viu que a tentativa de roubá-lo foi revelada pela câmera de segurança.
Focando no suspeito que trajava o uniforme dos funcionários, tendo acesso a onde o modelo estava guardado.
A falha ocorreu pelo sistema que protege o material, impossibilitando usurpar o produto.
Seria estressante se tivesse posse dos antigos rascunhos das pesquisas, sendo perigoso, porque daria brecha para a concorrente adquirir e se basear, fabricando um novo protótipo.
Porém, o invasor — ou melhor, os invasores, sugerindo a existência de uma equipe por trás da ação — desconhecem a avançada estrutura de segurança que é dividida em múltiplas fases.
Quando a primeira fase, uma autenticação biométrica rigorosa, era desativada, enganava os cúmplices a acreditarem ter burlado o sistema.
Na realidade, nesse instante, o verdadeiro mecanismo — conhecido como ‘coração’ do sistema — era ativado.
Alimentado por uma consciência artificial, monitorava o intruso, permitindo não apenas sua identificação, mas a localização, enquanto o protocolo D.E.A.T.H é acionado.
O significado dessa sigla inofensiva e bem clichê é: ‘Data Erasure and Termination Handler‘.
Que eliminava dados sensíveis, evitando que informações valiosas sejam roubadas.
Para, no final, superaquecer o pendrive, perdendo sua utilidade.
Mohammad tem uma ótima memória fotográfica para gravar cada fisionomia dos contatos e prestadores de serviços.
É dessa qualidade que identificou quem era o rato contratado por outra instituição.
Esse é nada mais que o sujeito que prestou serviços no passado, quando buscava informações privilegiadas de outra companhia que tinha os modelos perfeitos para a conclusão da sua maior conquista.
Por conhecer esse mercenário, já sabia como capturá-lo e eliminá-lo do plano carnal.
“Quando acho que as coisas estão melhorando, surge uma notícia maravilhosa.”
Com gosto em seus lábios, revela a audácia desse animal em tentar executar um roubo no território dessa besta demoníaca e tirar o que não lhe pertence.
Fazendo esse coração inflamar.
Desse atrevimento, daria o melhor tratamento possível: uma morte indolor.
Pois não só tentou prejudicar financeiramente, espalhando o seu árduo trabalho de anos e investimentos, como também queria cometer o assassinato de seu pássaro.
E caso qualquer um tentasse acabar com sua vida de forma direta ou indiretamente, tem que perecer, e não só o mercenário, mas todos os envolvidos por essa tentativa.
“Um bom dia… um ótimo dia…”
“Vai ser divertido, será fudidamente divertido destruir castelos de areia e ganhar muita grana.”
O carro, em rumo à sua morada temporária, é semelhante aos cavaleiros do apocalipse.
Principalmente o amarelo, que traz consigo o símbolo da morte, e destrói através do fio da espada, fome, peste e com as feras da terra.
Esse é o verdadeiro significado de sua terrível personalidade.
Desse modo, só vem o rosto dela em sua mente, que tenta se apagar caso não faça nada.
***
“[…]Ando por aí querendo te encontrar. Em cada esquina, para em cada olhar. Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar. Que o nosso amor pra sempre viva. Minha dádiva[…]”
Bruna, lavava a louça depois de um dia fora, colocou para tocar algumas músicas de que gosta e cantou junto ao som de ‘Palavras ao Vento’ de Cássia Eller.
Apesar de não estar apaixonada, sempre amou canções com significados bem melosos, e não sofrendo desse mal, continua a ouvir o que um dia sonhou para si.
É quinta, dia 25.
Antigamente, por exemplo, janeiro parecia eterno e até virava meme, por ser considerado o mês mais ‘longo’ do calendário gregoriano.
No entanto, essa extensão quase infinita era pelo fato de ser o recomeço de tudo.
Que costumava ser estressante para muitos que precisam ajustar as contas e pagar muitas coisas para a Receita Federal, como IPVA, IPTU, imposto de renda…
Por isso, o clima sufocante — como o inferno com inundações provocadas pela alta umidade — é a verdadeira razão dessa peculiaridade para os brasileiros.
E para a moça não é diferente, é chato, assim como setembro, só que dessa vez estava estranho.
Com a chegada de uma nova pessoa, ao seu redor tornou-se uma coloração divergente.
Não tendo definição, uma junção do vermelho caótico com o azul tranquilo, formando um roxo que nem é claro nem escuro demais.
Na medida certa, na realidade, conversar com quem demonstra ser de base diferente e que a entenda de certa forma, deixou-a anestesiada.
Ainda que seja explícita a sua intenção, Mohammad nunca desrespeitou ou fez algo que a desagradasse.
É um baita de um sem-vergonha que não tem decência ao expressar o que sente no interior.
“Vai, cordeirinho, me chame de lobo mau. Diz que sou lobo mau….”
Essa frase, repetida após encontro e mais encontro, circula de um jeito doce, nunca recebeu um apelido carinhoso além de ‘amor’ ou ‘mô’.
No entanto, esse que não tem um laço afetivo, a chama com tanto carinho e cuidado, causando confusão na humilde vida preta e branca.
E os beijos são tão suaves, cálidos e melosos, deixando gradualmente viciada.
Mesmo sendo positivo, sua presença por si só já era perturbadora.
E lentamente, vai percebendo que, caso saia do Rio e volte para sua casa, demorará a esquecer.
Esse é seu medo, assim como tantos outros, nada dura para sempre e, no final, só serão ela e aqueles que escolheu para compartilhar os momentos de suas quedas e vitórias.
E quando for, só será mais um amontoado de lembranças boas.
“Amanhã, não se esqueça. Apareça meia hora antes do combinado, estarei no mesmo local de sempre.”
“Tá bom, mas às 17h tenho que estar de volta, ok?”
“Tudo bem, amanhã vamos ver Hilda Furacão.”
“Tá bom.”
“[…]Ainda me pergunto o porquê. Eu não baixo minha guarda. Para ninguém a não ser você. E nós fazemos isso o tempo todo. Acabando com minha mente.[…]”
A última estrofe de ‘Like Star’ encerrava-se e dizia exatamente o que estava sentindo, não sabe como ou o porquê, consegue desarmar facilmente, como se montasse e desmontasse um brinquedo.
Em quase duas semanas de contato, esse cara atingiu seu território e, com intenção explícita, lançou inúmeras lanças que não ferem o seu solo, mas fertilizam a área para crescer mais vida.
E é bizarro, pois nesse círculo tentou atrair as borboletas e, sem sucesso, reconheceu que a dona era ela, e o jardim era sua responsabilidade.
Contudo, essa entidade disfarçada de carne ajudava a engrandecer, ampliando a beleza que outrora era o ideal.
Desencadeando uma palavra turva que acha que seja, porém, não tem plena certeza.
Essa maldita borboleta quebra seu sistema conquistado, deixando-o suscetível ao seu charme fatal.
“Preciso recusar esse pólen.”
Incrivelmente, essa Perséfone, que adquiriu sabedoria no cuidado desse jardim, estava sendo guiada por Hades, que mal entende o assunto, fazendo florescer novas espécies que não estão em seu catálogo.
Amaldiçoando essa introdução desse espaço geográfico.
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Capítulo 93
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Dizem que o amor é a chave para o sucesso, capaz de unir mãos e garantir um felizes para sempre.
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