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Fragmentos de Nós

Capítulo 10

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🟡 Em breve

Os dias que se seguiram ao confronto silencioso entre Ellin e Eric foram marcados por uma atmosfera de tensão e expectativa. A sensação de perigo latente, que antes pairava nos corredores da escola, pareceu se dissipar como se um ciclo finalmente tivesse se encerrado. As fotografias comprometedoras de um aluno — que haviam circulado como uma sombra impiedosa de escárnio e vergonha — desapareceram sem explicação.

As cópias digitais sumiram das redes sociais e dos arquivos de quem as compartilhava; os rastros se apagaram, como se alguém tivesse meticulosamente eliminado cada vestígio daquela humilhação silenciosa.

Poucos sabiam, de fato, o que havia ocorrido. Os rumores se espalhavam, desordenados, enquanto os olhares inquietos buscavam respostas que não vinham. Eric, normalmente arrogante e presente como um predador à espreita, começou a se ausentar das aulas com mais frequência.

As vozes que antes riam em seu encalço diminuíram, e o círculo de sua influência se desfez em murmúrios de desconfiança. Algo havia mudado, mas ninguém sabia exatamente o quê. Apenas Cas parecia caminhar pelos corredores com uma tranquilidade impenetrável, mantendo o rosto impassível, como se carregasse consigo segredos que os outros jamais alcançariam.

E então veio o momento decisivo.

Cas não havia esquecido a promessa que fizera a Ellin naquela tarde tensa, quando segurara sua mão e dissera que cuidaria de tudo. Durante dias, ele recolheu informações com a mesma precisão metódica de quem trabalha nas sombras, atento aos menores detalhes. Não se tratava apenas de expor Eric — tratava-se de garantir que a justiça fosse feita e que ninguém mais passasse pelo que Ellin suportara em silêncio por tanto tempo.

Quando chegou à escola naquela manhã, Cas carregava consigo não apenas as provas que havia prometido — mensagens, registros de ameaças e evidências que apontavam Eric como o responsável por um padrão contínuo de assédio e intimidação —, mas também a garantia de que aquilo não se repetiria. Antes mesmo de entregar o material à diretoria, ele já havia acionado as autoridades locais. O processo envolveu entrevistas, depoimentos e uma investigação formal que não demorou a desmascarar toda a extensão dos crimes de Eric.

As revelações foram devastadoras. Além do assédio a Ellin e outros colegas, vieram à tona denúncias de chantagem, disseminação de conteúdo íntimo sem consentimento e envolvimento com atividades ilegais fora da escola. Com a ficha criminal agora manchada por crimes comprovados, Eric foi expulso imediatamente e conduzido pela polícia para enfrentar as consequências legais de seus atos.

A notícia se espalhou com a rapidez de um incêndio descontrolado. Os corredores fervilhavam com sussurros, olhares arregalados e expressões de choque mal disfarçado. Ninguém parecia capaz de processar o que havia ocorrido. Eric, o garoto que muitos admiravam ou temiam, havia caído — e, com ele, toda a aura de invencibilidade que sustentara durante tanto tempo.

Para Ellin, o impacto foi indireto, mas profundo. A diretoria, talvez tentando reparar parcialmente a negligência do passado, ofereceu-lhe a opção de se ausentar até o final do ano letivo para que pudesse se recuperar em paz. Ele aceitou sem hesitar. O pensamento de voltar à escola e reviver aquele ambiente pesado era demais para suportar naquele momento. O alívio de saber que Eric não estava mais lá, no entanto, era imensurável.

Durante as semanas que se seguiram, Ellin viveu em uma espécie de bolha protetora, isolado do tumulto que ainda fervilhava na escola. Ele não sabia detalhes do que havia acontecido — apenas que Cas fora fundamental em expor Eric e que agora todos pareciam admirá-lo por sua coragem e determinação.

As mensagens de apoio e agradecimento que Ellin recebia de antigos colegas começaram a aumentar, mas ele ainda evitava responder à maioria delas. Ainda precisava de tempo para si mesmo, para processar tudo o que havia acontecido e entender como seguir em frente.

Cas, por outro lado, manteve-se presente de forma discreta, como sempre fazia. Eles passaram mais tempo juntos, conversando sobre coisas simples ou trocando mensagens pelo celular durante as noites mais silenciosas. As conversas eram leves, mas carregadas de um subtexto reconfortante — um lembrete de que, não importa o que acontecesse, Cas continuaria ali, como uma constante sólida em meio ao caos.

Numa tarde em que o sol de outono lançava uma luz dourada sobre a janela do quarto de Ellin, ele recebeu uma mensagem breve de Cas.

Cas: “Vamos dar uma volta?”

Sem pensar muito, Ellin respondeu.

Ellin: “Sim”

E minutos depois já estava saindo de casa, sentindo o vento fresco acariciar seu rosto. Quando encontrou Cas na esquina, o sorriso que recebeu era familiar e caloroso, e, por um instante, Ellin sentiu que talvez as coisas, enfim, estivessem começando a melhorar.

Cas não mencionou Eric ou a escola. Não precisava. Aquele era o momento deles, um momento de reconstrução silenciosa, passo a passo. E, pela primeira vez em muito tempo, Ellin se permitiu acreditar que o pior havia passado.

—–

Quando Ellin cruzou os portões da escola naquela manhã, havia algo diferente em sua postura. Seus ombros estavam eretos, o passo mais firme e a cabeça levemente erguida, como se ele finalmente tivesse abandonado o peso invisível que carregara por tanto tempo. Não havia mais aquele temor velado em seus olhos, nem o receio constante de esbarrar em Eric nos corredores. Ele estava ali — presente, inteiro —, e o simples fato de existir naquele espaço novamente, sem se sentir pequeno, era uma vitória silenciosa.

Ao seu lado, Cas caminhava com a mesma expressão indiferente e impenetrável de sempre, mas a forma como entrelaçava seus dedos nos de Ellin deixava claro que estava atento a cada detalhe, pronto para agir caso fosse necessário. A presença dele era uma muralha, um lembrete constante de que Ellin não precisava mais enfrentar aquilo sozinho.

Os corredores estavam mais movimentados do que Ellin se lembrava, e os olhares curiosos que os seguiam eram impossíveis de ignorar. Sussurros discretos ecoavam de um lado para o outro, mas Ellin tentou não se deixar afetar. Concentrou-se na sensação cálida da mão de Cas segurando a sua e continuou andando com calma, como se o ambiente não estivesse carregado de murmúrios sobre eles.

— Você vai ficar bem? — Cas perguntou baixinho, inclinando-se levemente na direção dele.

— Vou. Só parece um pouco estranho… voltar depois de tudo. — Ellin respondeu, apertando de leve a mão dele em busca de um conforto que Cas ofereceu sem hesitar.

Eles chegaram ao corredor principal, e, por alguns segundos, ficaram apenas observando o movimento à volta, até que Ellin quebrou o silêncio com um comentário casual, mas que parecia ter rondado seus pensamentos por um tempo.

— Você ouviu que vai ter um baile depois das provas finais?

Cas arqueou uma sobrancelha, relutante.

— E você quer ir?

Ellin escondeu um sorriso.

— Sim. Quero dizer, não é como se eu adorasse festas, mas… não quero pular esse evento. Todo mundo vai.

Cas suspirou, e seu desânimo foi palpável.

— Ellin, vai ser uma chatice. Um monte de gente suada dançando ao som de música ruim e luzes piscando. E, considerando que somos o centro dos boatos agora, aposto que todo mundo vai querer ficar nos observando.

Ellin soltou uma risada suave.

— Eu sei. Mas… é o baile de formatura. Quero pelo menos fingir que gosto disso, só dessa vez.

Cas estreitou os olhos, como se tentasse encontrar algum argumento sólido que o convencesse a desistir. Mas o brilho divertido no olhar de Ellin tornava qualquer tentativa inútil.

— Você é teimoso.

— E você já sabia disso.

Eles continuaram conversando enquanto caminhavam até a sala de Ellin. A troca de provocações era leve, quase brincalhona, e o clima entre eles estava tão confortável que, por um instante, Ellin quase se esqueceu de que aquele era o mesmo lugar que antes o sufocava.

Antes do sinal tocar, Cas entrou na sala com ele, ignorando o fato de que isso não era exatamente permitido, e se recostou contra uma das carteiras vazias, observando Ellin com atenção.

— Você já pensou no que vai usar? — Perguntou Cas, cruzando os braços com uma expressão levemente desconfiada, como se já antecipasse que Ellin fosse sugerir algo extravagante.

— Não sei… Talvez algo mais clássico? Um terno preto, talvez.

Cas inclinou a cabeça.

— Acho que vai ficar bonito. Não que você precise de muito esforço pra isso.

Ellin sentiu as bochechas corarem levemente, mas, antes que pudesse responder, um grupo de garotas se aproximou da porta, hesitante. Elas pareciam nervosas, trocando olhares rápidos entre si antes que uma delas, a mais corajosa, desse um passo à frente e falasse.

— Ellin? Podemos falar com você?

Cas lançou-lhes um olhar avaliador, mas permaneceu em silêncio, permitindo que Ellin decidisse. Ele assentiu, sorrindo de forma gentil.

As garotas entraram na sala com passos cuidadosos, como se temessem invadir um espaço sagrado. A tensão no ar era palpável, mas, ao mesmo tempo, havia uma sinceridade inquieta em seus rostos.

— Queríamos dizer que… sentimos muito pelo que aconteceu — disse a primeira garota, os olhos baixos como se carregasse uma culpa que não sabia exatamente de onde vinha —, ninguém sabia que você estava… passando por aquilo com Eric. Deve ter sido horrível.

Ellin ficou em silêncio por um momento, ponderando as palavras antes de responder.

— Foi difícil — admitiu, mantendo a voz calma e equilibrada —, mas estou me recuperando. Já passou.

As garotas assentiram, aliviadas por ele não ter reagido com ressentimento. Após mais algumas palavras de apoio e despedidas rápidas, elas se afastaram, deixando-os sozinhos novamente.

Cas observou a porta se fechar e soltou um suspiro baixo.

— Vai ser assim até o fim do ano, você sabe disso, né? Se quisermos evitar o “paparazzi”, talvez devêssemos nos esconder numa sala vazia até tudo acalmar.

Ellin riu, balançando a cabeça.

— Acho que não precisamos ir tão longe. Vamos sobreviver.

Cas deu de ombros, mas o brilho protetor em seu olhar deixava claro que, se dependesse dele, Ellin nunca teria que enfrentar aquilo sozinho novamente.

—–

Os dias seguiram, e a rotina na escola parecia ter assumido um ritmo estranho e previsível. Entre as fofocas que continuavam a se espalhar como fogo em palha seca e o nervosismo coletivo com as provas finais, Cas e Ellin encontraram refúgio na biblioteca — um santuário de silêncio que lhes oferecia a tranquilidade de que precisavam. Ali, entre fileiras de livros empoeirados e mesas de madeira que rangiam ao menor toque, eles se escondiam do burburinho incessante que vibrava nos corredores.

Às vezes, eles estudavam em silêncio, concentrados em suas anotações e livros didáticos. Outras vezes, apenas passavam o tempo juntos, trocando conversas leves ou pequenos sorrisos cúmplices que não precisavam de palavras. Cas, com sua expressão inalterada e postura relaxada, parecia alheio à tensão que ainda pairava na escola, mas seus olhos, sempre atentos, revelavam que ele notava tudo — cada olhar curioso, cada sussurro interrompido assim que eles passavam.

Ellin, por sua vez, sentia-se protegido ao lado dele. A presença de Cas era um escudo invisível, uma barreira que afastava o desconforto e trazia uma sensação de segurança quase palpável. Ele não precisava fingir, não precisava se esconder ou sorrir por obrigação. Ali, naquelas horas compartilhadas na biblioteca, ele podia ser apenas Ellin — sem medo, sem máscaras.

Os dias correram rápidos, e logo as provas finais chegaram, trazendo consigo um frenesi que tomou conta da escola. As salas de aula se encheram de murmúrios ansiosos e suspiros cansados, mas, para Cas e Ellin, aquele era apenas mais um obstáculo que precisavam superar juntos.

Quando o último dia de provas chegou ao fim, um alívio coletivo tomou conta dos alunos. O sino ecoou pelos corredores como um grito de liberdade, e, em poucos minutos, a escola explodiu em celebração. Estudantes corriam pelo pátio, jogando suas provas para o alto como se estivessem se libertando do peso dos últimos meses. Riam, gritavam, abraçavam-se — uma massa de alegria desenfreada que vibrava sob o céu azul.

No meio daquela confusão, Cas e Ellin procuraram um pelo outro. Seus olhares se cruzaram à distância, e, sem pensar duas vezes, começaram a caminhar na direção um do outro, desviando dos grupos animados que os cercavam. Quando finalmente se encontraram, Ellin soltou um suspiro aliviado e envolveu Cas em um abraço apertado, sentindo o calor reconfortante do corpo dele contra o seu.

— Acabou. — Ellin murmurou, sem esconder o alívio na voz.

— Acabou. — Cas repetiu, com um leve sorriso nos lábios.

Eles se afastaram lentamente, e foi então que Cas puxou algo do bolso do casaco — um pedaço de papel dobrado, com as bordas cuidadosamente decoradas com pequenos desenhos feitos à mão. Ele o estendeu para Ellin, sem dizer nada a princípio, mas havia um brilho quase divertido em seus olhos.

— Isso é para você. — Disse ele, observando a reação de Ellin com atenção.

Ellin pegou o papel com curiosidade e o desdobrou com cuidado. No centro da página, havia uma mensagem simples, escrita com a caligrafia desleixada e familiar de Cas: Você quer ir ao baile comigo?

Ao redor da mensagem, Cas havia desenhado pequenas estrelas, flores e até mesmo algo que parecia ser uma versão caricata de Ellin com uma gravata borboleta. Era desajeitado, mas absolutamente encantador, e Ellin não conseguiu evitar o sorriso que se abriu em seu rosto.

— Você fez isso? — perguntou, segurando o papel com delicadeza, como se fosse algo precioso.

— Sim — Cas deu de ombros, como se não fosse grande coisa —, achei que seria melhor do que um daqueles cartazes chamativos que todo mundo faz.

Ellin riu, sentindo o coração se aquecer.

— É muito melhor.

Ele levantou os olhos e encontrou o olhar de Cas, tão sério e genuíno que o momento pareceu se estender no tempo, como se o mundo à sua volta tivesse desaparecido.

— Então… você quer ir? — Cas perguntou, a voz baixa e ligeiramente rouca.

— Claro que sim. Eu vou ao baile com você.

Cas soltou a respiração que nem percebera estar prendendo, e um sorriso discreto apareceu em seus lábios.

— Bom. Porque eu já estava pensando em desistir se você dissesse não.

Eles riram juntos e, com o papel cuidadosamente dobrado e guardado no bolso, Ellin pegou a mão de Cas novamente, sem se importar com quem estivesse olhando, e começou a caminhar em direção à saída da escola.

— Pra onde vamos agora? — Perguntou Cas, olhando de soslaio para ele.

— Quero ver algumas lojas. Preciso escolher o que vou usar no baile.

Cas soltou um som que estava entre um suspiro e um resmungo.

— Tem certeza? Não podemos simplesmente pegar qualquer coisa e ir embora?

— Não — Ellin lançou-lhe um olhar decidido —, se vamos ao baile, quero fazer isso direito.

Cas não discutiu, mas o jeito como revirou os olhos deixou claro o que pensava sobre aquilo. Ainda assim, ele manteve o passo ao lado de Ellin, sem reclamar, e, enquanto caminhavam juntos pelas ruas ensolaradas, havia uma sensação tranquila e reconfortante entre eles — como se aquele instante fosse a recompensa por tudo que suportaram.

—–

A noite do baile chegou, trazendo consigo uma atmosfera densa de expectativa que parecia se espalhar pelos cantos da casa. As luzes estavam acesas, lançando um brilho suave sobre os móveis, enquanto os passos abafados ecoavam pelo piso polido.

Na sala, Cas já estava pronto, ajeitando distraidamente a manga do terno que sua mãe havia insistido para que ele usasse. A roupa era mais sofisticado do que ele teria escolhido por conta própria — um terno preto de corte impecável, que realçava seus ombros largos e a rigidez contida de sua postura. A gravata, frouxa, pendia desalinhada sobre o colarinho. Cas não se preocupava. Nunca gostou da sensação de estar preso.

Enquanto esperava, seus pensamentos inevitavelmente voltaram-se para Ellin. Sabia que ele estava no banheiro fazia algum tempo, mas não fazia ideia do que esperar. Ellin sempre tivera um cuidado quase ritualístico com os detalhes, e Cas já se acostumara a vê-lo com aquele ar etéreo, como se pertencesse a um mundo ligeiramente distinto do dele. Uma parte dele estava ansiosa para vê-lo. Outra tentava sufocar o nervosismo que latejava sob a pele.

A porta do banheiro se abriu com um rangido discreto, e Cas ergueu os olhos.

No instante seguinte, parou.

Ellin surgiu na soleira da porta, e por um instante Cas acreditou que estivesse vendo errado. Os cabelos negros, que sempre roçavam a cintura e pareciam fazer parte de quem Ellin era, haviam mudado.

Agora, caíam alguns dedos abaixo dos ombros, visivelmente mais leves, com as pontas recentemente aparadas e bem cuidadas. O que mais chamava atenção, porém, era o penteado: tranças delicadas partiam das laterais da cabeça, puxando parte do cabelo para trás e deixando o restante meio solto, como se o estilo procurasse equilibrar naturalidade e intenção. O rosto de Ellin estava levemente maquiado, os olhos azuis ainda mais vivos sob a iluminação cálida do corredor, e a pele parecia quase luminosa contra o contraste escuro dos fios.

Cas permaneceu imóvel, apenas olhando.

Ele sempre gostara do cabelo longo de Ellin — talvez até demais —, mas naquele instante, percebeu que isso não importava. Havia algo na forma como ele se movia, no cuidado com cada detalhe, no brilho hesitante dos olhos, que fez seu peito apertar e o ar parecer mais denso ao redor.

Ellin notou o olhar fixo e desviou os olhos, passando uma das mãos pelos cabelos num gesto nervoso.

— Eu… fiz uma pequena bagunça no banheiro — disse, num tom contido, quase tímido —, mas já limpei tudo.

Cas piscou, como quem desperta de um transe, e a voz finalmente lhe voltou.

— Você… cortou o cabelo.

Ellin assentiu, mordendo o lábio inferior sem conseguir encará-lo de verdade.

— Só tirei um pouco das pontas… — murmurou, como se quisesse se justificar. — Achei que precisava mudar.

Havia receio nas entrelinhas. Cas percebeu. Cada movimento dele, cada palavra medida, trazia um traço de insegurança. Ellin estava se protegendo. Talvez esperasse algum comentário impiedoso, talvez estivesse preocupado com a reação de Cas mais do que queria admitir.

Cas sabia que o cabelo sempre fora uma extensão silenciosa da identidade de Ellin — não era apenas vaidade, era parte de como ele se mostrava ao mundo. E, por isso mesmo, aquele gesto tinha peso.

Sem pensar muito, Cas se aproximou, parando bem à frente dele.

— Você está lindo — disse, em um tom baixo, sincero. — Se precisava mudar, não haveria nada que eu pudesse dizer pra impedir. E, honestamente… — Seus olhos percorreram devagar o rosto de Ellin antes de voltar a encontrá-lo — ficou perfeito.

Ellin piscou, surpreso. Por um instante, parecia não saber o que fazer com aquelas palavras. Mas então, um sorriso pequeno e genuíno brotou em seus lábios, e o brilho hesitante deu lugar a algo mais quente, mais firme.

— Obrigado. — Foi quase um sussurro.

Ficaram assim por alguns segundos, apenas se olhando. O tempo pareceu suspenso, e o silêncio entre eles não era vazio, mas cheio de tudo que não precisava ser dito.

Cas quis dizer mais. Quis fazer Ellin entender o quanto era importante, o quanto significava vê-lo ali, tão seguro de si e ainda assim vulnerável. Mas nenhuma palavra parecia suficiente.

No fim, deixou que o olhar falasse por ele.

—–

O ginásio da escola estava decorado com luzes pendentes e tecidos que desciam do teto em um padrão ondulado. As mesas estavam cobertas com toalhas brancas e vasos de flores, e a pista de dança reluzia sob as luzes coloridas que piscavam no ritmo da música. O ar estava carregado com o cheiro de salgadinhos aquecidos, perfumes doces e aquela eletricidade leve e ansiosa típica de adolescentes em noites especiais.

Cas e Ellin chegaram juntos, como haviam planejado, e, como esperado, não passaram despercebidos. Desde o momento em que cruzaram a entrada, os olhares começaram a se voltar para eles, e os murmúrios começaram a circular.

— Estão juntos?

— Ellin não estava com o Eric?

— Cas… Ele não foi quem expôs o que Eric fez?

Cas manteve a expressão neutra, como sempre, mas Ellin sentiu a tensão sutil que percorreu seu corpo. Sem dizer nada, ele entrelaçou os dedos nos de Cas e apertou sua mão em um gesto silencioso de apoio. Cas relaxou quase imediatamente, e eles continuaram caminhando juntos, ignorando os olhares curiosos.

Eles passaram algum tempo conversando com colegas, respondendo educadamente às perguntas e aceitando os elogios direcionados a Cas por ter exposto Eric. Apesar do incômodo que sentiam, eles conseguiram se divertir. Comeram, beberam algo e até riram das histórias que outros alunos contavam sobre suas aventuras durante o ano.

Em determinado momento, Cas inclinou-se na direção de Ellin e sussurrou:

— Se você quiser ir embora mais cedo, por mim tudo bem. Não preciso ficar até o fim.

Ellin sorriu e balançou a cabeça.

— Eu também não quero ficar até o fim — disse ele —, só quero dançar com você e tirar a foto do baile.

Cas fez uma careta.

— Nós já temos uma foto. Aquela que meus pais tiraram antes de sairmos de casa.

— Eu sei — respondeu Ellin, com um olhar carinhoso. —, mas quero a foto oficial do baile.

Cas suspirou, mas não discutiu.

— Então é melhor irmos logo. A fila está começando a se formar.

Eles caminharam juntos até o fundo do ginásio, onde a fila para a foto oficial já começava a crescer. Enquanto esperavam, Ellin se apoiou no ombro de Cas e fechou os olhos por um momento, sentindo-se em paz. Ele sabia que, não importava o que acontecesse dali em diante, eles estariam juntos — e, naquele momento, isso era tudo o que importava.

—–

A música que preenchia o ambiente do ginásio mudou para algo mais lento, mais suave. As luzes vibrantes diminuíram de intensidade, deixando a pista de dança banhada por uma iluminação baixa e dourada, que cintilava no reflexo dos trajes e nos rostos dos casais que se aproximavam para dançar. Cas e Ellin estavam em um canto da pista, observando em silêncio enquanto as pessoas assumiam seus pares e se moviam ao ritmo tranquilo da melodia.

Cas sentiu o olhar de Ellin sobre si antes mesmo de virar a cabeça. Quando o fez, encontrou os olhos azuis do outro fixos nos seus, com uma expressão que era ao mesmo tempo expectante e um pouco hesitante. Não foi necessário que Ellin dissesse nada — o pedido estava claro em seu rosto. Cas esboçou um pequeno sorriso, estendeu a mão e, sem cerimônias, perguntou:

— Quer dançar?

Ellin assentiu, os lábios se curvando em um sorriso discreto, e aceitou a mão estendida. Cas o conduziu até a pista, onde outros casais já começavam a girar devagar, em passos ritmados e quase silenciosos. Eles pararam em meio à multidão e, por um instante, apenas se olharam. Não havia necessidade de pressa. Tudo parecia desacelerar ao redor deles, como se aquele instante pertencesse apenas a eles dois.

Cas colocou uma das mãos na cintura de Ellin e segurou sua outra mão com firmeza, mas de forma gentil. Ellin descansou a mão livre no ombro de Cas, e, com uma sincronia natural, começaram a se mover no ritmo lento da música. Não era uma dança elaborada — não havia passos coreografados ou rodopios elegantes. penas um movimento simples, uma leve oscilação de um lado para o outro, como se seus corpos dançassem no ritmo de uma respiração compartilhada.

Cas nunca fora do tipo que gostava de dançar, mas dançar com Ellin era diferente. Não havia aquela pressão social, aquela sensação desconfortável de estar sendo observado. Com Ellin, tudo parecia mais fácil. Mais natural.

— Você está bem? — perguntou Cas, a voz baixa e carregada de um cuidado genuíno.

Ellin ergueu o olhar para ele e sorriu, um sorriso sereno e sincero que fazia seus olhos brilharem sob a luz suave.

— Estou, sim. Na verdade… acho que nunca estive tão bem.

Cas arqueou uma sobrancelha, ligeiramente cético.

— Sério? Mesmo com toda a atenção que recebemos hoje? Achei que você estivesse odiando cada segundo.

Ellin riu baixinho, o som abafado e quase tímido.

— Foi um pouco desconfortável no começo — admitiu ele —, mas não tanto quanto eu pensei que seria. Acho que, porque você está aqui, tudo parece mais… suportável.

Cas sentiu uma onda de calor espalhar-se por seu peito ao ouvir aquilo. Ele não era do tipo que costumava se emocionar facilmente, mas havia algo na forma tranquila e honesta com que Ellin dizia essas coisas que o desarmava completamente. Não sabia exatamente o que responder, então apenas apertou levemente a mão de Ellin e continuou dançando em silêncio, permitindo que a música falasse por eles.

Após alguns instantes, Ellin inclinou-se ligeiramente para mais perto.

— Você trouxe o celular? — perguntou, em um tom quase conspiratório.

Cas franziu o cenho, confuso.

— Trouxe. Por quê?

— Tira uma foto nossa? — Ellin pediu, com um brilho divertido nos olhos. — Quero uma lembrança deste momento.

Cas hesitou por um segundo, surpreso com o pedido. Não era comum que Ellin pedisse fotos espontâneas. Na maioria das vezes, ele evitava câmeras. Mas algo no rosto dele — aquela mistura de alegria genuína e um leve toque de malícia — o fez pegar o celular sem questionar.

— Tudo bem. Mas você vai ter que chegar mais perto, senão a foto vai sair toda tremida — disse Cas, com um meio sorriso.

Ellin riu e se aproximou, quase encostando a testa na dele enquanto Cas ergueu o celular e ajustou o enquadramento. A luz suave, filtrada pelas lâmpadas douradas pendentes, criava um efeito quase mágico na imagem — os cabelos escuros de Ellin brilhavam, e seus olhos azuis pareciam capturar e refletir toda a luminosidade ao redor. Cas tirou algumas fotos rápidas e, depois, guardou o celular de volta no bolso.

— Depois você me mostra? — perguntou Ellin, com um sorriso divertido.

— Claro. Não sou bom nisso, mas acho que não ficou tão ruim — respondeu Cas, dando de ombros.

Por um momento, ficaram parados, apenas se olhando. Havia algo naquele instante que parecia diferente, mais intenso. Talvez fosse o efeito da música, ou da iluminação, ou talvez fosse apenas o fato de que, finalmente, estavam exatamente onde queriam estar — juntos.

Cas não pensou muito antes de se inclinar ligeiramente para frente e roçar os lábios nos de Ellin. O beijo foi breve, suave, mas carregado de significado. Não precisavam de mais do que isso. Apenas aquele toque delicado já era o suficiente para dizer tudo o que não podia ser colocado em palavras.

Quando se afastaram, Ellin parecia levemente corado, mas sorria com uma ternura que aquecia o coração de Cas.

— Acho que já podemos ir agora — disse Ellin, baixinho.

Cas assentiu, ainda sentindo o sabor doce daquele beijo em seus lábios.

— Vamos.

Eles deixaram a pista de dança de mãos dadas e caminharam em direção à saída do ginásio. Não precisavam dizer mais nada.

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Fragmentos de Nós

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Ellington sempre foi uma presença discreta nos corredores da escola - um ômega reservado, de fala suave e olhar sempre atento. Sua vida era marcada por silêncios: o...							

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  • Vol 1
      • Capa OR Edit [PTBR]
        Capítulo 11 O Capítulo Que Escrevemos Juntos
      • Capa OR Edit [PTBR]
        Capítulo 10 Fim de Ciclo, Começo de Nós
      • Capa OR Edit [PTBR]
        Capítulo 9 Ensaios de Coragem
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        Capítulo 8 Onde a Noite Não Termina
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        Capítulo 7 A Calma Que Ele Me Dá
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        Capítulo 1 Eu Não Sou o Mesmo Depois Dele

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