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Fragmentos de Nós

Capítulo 3

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Novel Info

⚠️ Aviso de Conteúdo: Esta obra contém cenas e temas que podem ser sensíveis para alguns leitores, incluindo:

 

Relacionamento abusivo: A história aborda, com seriedade e sensibilidade, um relacionamento tóxico e emocionalmente abusivo entre o personagem secundário Eric e o protagonista ômega, Ellington. As cenas retratam manipulação, controle e ameaças, com clara crítica narrativa e distanciamento emocional.

 

Trauma emocional e psicológico: O impacto duradouro de dinâmicas abusivas, inseguranças internas e episódios de ansiedade são temas recorrentes na perspectiva do protagonista.

 

Estigma social e opressão de classe no ômegaverso: A narrativa explora a desigualdade estrutural, o preconceito e a discriminação — especialmente em relação à biologia ômega e aos papéis de gênero.

 

Referências indiretas à negligência familiar e ao abandono emocional.

⚠️Importante: Nenhum desses tópicos é romantizado ou tratado levianamente. Eles são abordados com cuidado e seriedade, servindo como parte da jornada de cura, crescimento e construção de um vínculo saudável e de apoio dos protagonistas.

 

⚠️As idades dos personagens foram ajustadas:

 

Ellin 18 anos / Cas: 18 anos / Eric: 19 anos no início da história

 

Ellin 19 anos / Cas: 18 anos / Eric 19 anos no final da história

 

—–

 

O som agudo do aço deslizando contra o aço ressoava no ginásio quase vazio. O eco das lâminas reverberava pelas paredes altas, ritmado pelo bater firme dos passos de Cas no chão liso. A máscara de proteção obscurecia parte de seu rosto, mas não escondia a intensidade em seu olhar — algo que sempre o acompanhava, mesmo nas situações mais comuns.

O treino estava chegando ao fim, e Cas sentia a familiar tensão em seus músculos à medida que a concentração o envolvia como uma corrente silenciosa. A esgrima era um esporte de precisão, estratégia e controle — características que ele sempre valorizara. Diferente do caos das interações sociais que evitava, ali havia regras claras. Cada movimento tinha um propósito, e isso lhe trazia uma espécie de alívio.

Após o toque final que anunciava o término do treino, ele retirou a máscara em um movimento rápido, deixando os cabelos negros despenteados caírem sobre a testa. O rosto estava levemente suado, e ele soltou um suspiro baixo enquanto caminhava até o banco próximo para pegar a toalha. Ao redor, os outros membros do clube começavam a guardar seus equipamentos e trocar palavras descontraídas, mas Cas não se juntava às conversas. Como sempre, mantinha-se à margem, em seu espaço silencioso, onde podia observar sem ser observado.

Depois de recolher suas coisas, deixou o ginásio sem pressa, o som abafado dos tênis ecoando pelos corredores vazios. A luz suave do entardecer derramava-se pelas janelas, tingindo o ambiente com tons dourados e rosados. A escola parecia diferente àquela hora — mais tranquila, quase melancólica. A maioria dos alunos já havia partido, e apenas um ou outro ainda vagava pelos corredores, apressados em direção à saída.

Quando Cas empurrou a porta que dava para o pátio externo, o ar fresco da tarde o envolveu. Ele respirou fundo, apreciando o contraste entre o calor que ainda sentia no corpo e a brisa refrescante que soprava suavemente. Ajustou a mochila sobre o ombro e seguiu em direção ao portão, seus pensamentos vagando sem rumo definido.

Foi então que o viu.

Ellin estava parado perto de uma das grades que delimitavam o estacionamento, com a mochila pendendo de um dos ombros e os braços cruzados diante do corpo. Ele parecia estar esperando por algo — ou por alguém. Quando seus olhos se encontraram, Cas notou a ligeira tensão que atravessou o rosto do amigo, seguida por um breve desvio de olhar, como se Ellin estivesse considerando a possibilidade de ir embora antes que a conversa pudesse começar.

Mas ele não foi.

Cas parou a poucos metros de distância, observando-o em silêncio por um instante. A luz dourada do fim de tarde destacava os contornos delicados do rosto de Ellin, e havia algo em sua expressão que o fazia parecer mais vulnerável do que o habitual. Talvez fosse o modo como seus dedos se enroscavam levemente na alça da mochila, ou o jeito hesitante com que mordia o lábio inferior.

— Você está esperando por mim? — perguntou Cas, quebrando o silêncio com um tom neutro, mas atento.

Ellin ergueu o olhar, e algo indecifrável passou por seus olhos azuis antes de ele dar de ombros, como se não quisesse admitir abertamente o que estava fazendo ali.

— Achei que talvez pudéssemos conversar — respondeu ele, a voz baixa, mas firme.

Cas inclinou ligeiramente a cabeça, surpreso com a iniciativa. Durante o dia inteiro, Ellin havia evitado qualquer contato direto, e agora ali estava ele, esperando por uma oportunidade de falar. Havia algo diferente em sua postura — uma determinação discreta, mas presente.

Ellin desviou os olhos, exalando lentamente. Ele parecia saber exatamente sobre o que Cas queria falar, e isso apenas aumentava seu desconforto.

— Cas… sobre ontem…

— Você fugiu — Cas interrompeu. Seu tom não era acusador, mas carregava um peso que fez Ellin se encolher levemente. — Eu não esperava uma explicação, mas…

— Ele parou, escolhendo as palavras com cuidado. — Eu não queria que você se sentisse pressionado.

Ellin apertou os lábios e olhou para o lado.

— Eu sei. — Sua voz era quase um sussurro. — Você não fez nada errado. Eu só… eu fiquei envergonhado. Não queria que você me visse daquele jeito.

Cas franziu levemente as sobrancelhas, o peso na mandíbula suavizando.

— Daquele jeito?

Ellin suspirou, balançando a cabeça. Ele parecia relutante, mas, ao mesmo tempo, sabia que precisava dizer aquilo.

— Exposto. Vulnerável.

Cas ficou em silêncio por um momento. Observava Ellin, o modo como seus ombros estavam ligeiramente curvados, como seus dedos se apertavam ao redor da alça da bolsa, como se aquilo fosse uma âncora.

— Eu entendo — disse Cas, por fim —, mas você deveria expressar melhor o que sente.

Ellin soltou um riso breve, sem humor, e finalmente olhou para ele.

— Eu estou tentando.

Cas ergueu uma sobrancelha, e um leve sorriso apareceu em seu rosto.

Ellin desviou o olhar, mas não parecia mais tão tenso. O silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Eles apenas ficaram ali, parados, enquanto o mundo ao redor continuava se movendo.

— Você quer companhia até em casa? — Cas apenas inclinou levemente a cabeça.

Ellin o encarou por um instante, então assentiu uma vez.

— Eu quero.

Cas não disse nada, apenas deu um passo ao lado, acompanhando-o enquanto seguiam para fora da escola. E, embora nenhuma palavra fosse dita, havia algo diferente entre eles agora.

Ellin mexia na bainha da camisa, com os olhos voltados para o chão, enquanto lutava para encontrar as palavras.

— Cas… há algo que preciso lhe contar. Algo sobre o Eric.

Cas se inclinou para frente, com os ombros largos levemente tensos.

— Conte — disse ele, com a voz firme, mas com uma ponta de proteção —, seja o que for, você pode ME CONTAR.

Ellin respirou fundo, com as mãos trêmulas.

— Quando Eric me ajuda a drenar o leite, não é realmente para me ajudar. Ele só faz isso quando quer, não quando eu preciso. — Sua voz ficou trêmula, e ele desviou o olhar, com as bochechas coradas de vergonha. — É doloroso… Eu passo dias com essa… essa pressão se acumulando, e ele simplesmente me ignorava até decidir que estava com vontade. Mesmo assim, ele…

Ellin se deteve, com a garganta apertada.

A mandíbula de Cas se cerrou, suas mãos se fecharam em punhos.

— Ele o quê, Ellin? O que ele fez?

Ellin engoliu com força, sua voz mal passava de um sussurro.

— Às vezes ele faz isso na escola. Em lugares escondidos; armários, salas de aula vazias. Ele não se importava se isso me assustava. Não se importava se fôssemos pegos. Ele só… ele só queria o que queria.

A expressão de Cas escureceu. Um rosnado baixo ressoou em seu peito.

— Eu não quero passar por isso de novo, Cas. A dor, o medo… eu não posso. Mas não sei o que fazer. Tenho que lidar com isso sempre e não posso fazer isso sozinho.

Cas estendeu a mão, gentil, mas firme, e a pousou no ombro de Ellin.

— Você não está sozinho. Não está mais. Eu o ajudarei. Tudo o que você precisar, eu estarei lá.

Os olhos de Ellin se arregalaram, um lampejo de esperança rompendo sua ansiedade.

— Você… você faria isso? Mesmo que seja… físico? Íntimo?

Cas assentiu com a cabeça sem hesitar.

— É claro, Ellin. Seu conforto vem em primeiro lugar. Sempre. Podemos fazer isso na sua casa, em um lugar seguro, onde você não tenha que se preocupar com nada.

Os lábios de Ellin se entreabriram, mas nenhuma palavra saiu. Em vez disso, ele simplesmente acenou com a cabeça, com os olhos brilhando de gratidão.

—–

Eles caminharam em silêncio, a tensão entre eles era palpável, mas não incômoda. Quando chegaram à casa de Ellin, ele destrancou a porta e conduziu Cas para dentro, com o coração acelerado.

Ele levou Cas para o quarto dele, o cheiro familiar de seu espaço fez pouco para aliviar seus nervos.

— As bombas estão na minha bolsa — disse Ellin, apontando para a mochila.

— Você as leva com você sempre?

— Sim, por precaução — suas mãos tremiam quando ele começou a desabotoar a camisa, suas bochechas corando de vergonha —, eu só vou… vou tirar minha blusa.

Cas procurou na mochila Ellin, pegando as bombas e as garrafas. Ele os colocou sobre a cama e se virou para Ellin, que agora estava sem camisa, com os seios protuberantes exposto.

O olhar de Cas se suavizou quando ele notou o desconforto gravado nas feições de Ellin.

— Se importa seu eu ficar na sua cama? Acho que vai ser mais confortável para nós.

— Não, de jeito nenhum.

— Então… — disse Cas suavemente, se deitando na cama —, venha. Vamos cuidar disso.

Ellin hesitou por um momento antes de subir na cama e se acomodar no colo de Cas, de costas para ele. Cas posicionou as bombas e os frascos com cuidado. Ele começou a apertar os seios de Ellin suavemente, o leite começou a fluir suavemente através dos tubos e para dentro dos fracos.

— Dói? — Cas perguntou, sua voz era um murmúrio baixo.

Ellin assentiu com a cabeça, com a respiração um pouco trêmula.

— Não, não doi. Eric… ele não usa as bombas. Ele apenas… usa a boca e seus dentes me machucam.

As mãos de Cas pararam momentaneamente, seu aperto na bomba antes de se forçar a relaxar.

— Eu não vou fazer isso. Você está no controle aqui, Ellin. Sempre.

Ellin soltou um suspiro trêmulo, seu corpo tremendo sob o toque de Cas.

— Obrigado. — Ele sussurrou, com a voz carregada de emoção.

Enquanto o leite continuava a fluir, a mão livre de Cas desceu, roçando na protuberância da calça de Ellin. A respiração de Ellin ficou presa, seus quadris se arquearam instintivamente contra o toque.

Cas abriu a calça de Ellin com cuidado, liberando sua ereção. Ele começou a acariciá-lo lentamente, ainda por cima da roupa intima, com movimentos deliberados, mas delicados.

Ellin gemeu suavemente e sua mão voltou a agarrar a coxa de Cas.

— Cas… — ele respirou, com a voz trêmula —, eu… preciso lhe dizer uma coisa.

A mão de Cas parou, seus lábios roçando a pele sensível do pescoço de Ellin.

— O que é? — Ele perguntou, sua voz suave, mas curiosa.

As bochechas de Ellin arderam quando ele confessou, suas palavras saíram com pressa.

— Eu pensei sobre isso. Sobre você. Eu… eu me toquei, pensando em você. Não consegui me conter. Eu queria saber se era real. Se o que eu sentia por você era real.

A respiração de Cas se contraiu, sua mão se apertou levemente ao redor do corpo de Ellin.

— Ellin… — ele murmurou, sua voz carregada de emoção.

O corpo de Ellin tremeu quando ele gritou, seu sêmen se derramando sobre roupa intima e sobre a mão de Cas.

“É real, Ellin. Não está apenas em sua cabeça”

Quando a respiração de Ellin se acalmou, Cas retirou cuidadosamente as bombas, colocando os frascos de lado.

— Você se sente melhor? — Perguntou ele, com a voz suave.

Ellin se virou para encará-lo, seus olhos brilhando com gratidão e algo mais profundo – algo que fez o coração de Cas doer.

— Sim — ele sussurrou — Obrigado, Cas.

—–

O silêncio na biblioteca não era absoluto, mas era um silêncio confortável, pontuado apenas pelo virar de páginas, o sussurro ocasional de um aluno e o som distante da chuva contra as janelas empoeiradas. O ambiente era morno, com o aroma amadeirado dos livros antigos se misturando ao perfume discreto que Cas reconhecia como sendo de Ellin. Algo suave, quase imperceptível, mas que sempre o fazia associá-lo a algo delicado e familiar.

Cas estava lendo, os olhos deslizando pelas linhas com calma metódica. No entanto, sua atenção se dividia entre o conteúdo do livro e a presença adormecida à sua frente. Ellin repousava sobre a mesa, a cabeça deitada sobre o antebraço, e seus cabelos longos se espalhavam pela superfície de madeira, formando uma cortina escura e sedosa. A luz difusa da luminária acima desenhava reflexos azulados nos fios, como se a noite estivesse contida ali, derramando-se em ondas silenciosas.

Havia algo na forma como Ellin dormia que lhe transmitia uma sensação de tranquilidade frágil, como se, ao menor movimento brusco, ele pudesse despertar e desaparecer. Cas fechou o livro com discrição, observando-o por um instante antes de ceder a um impulso suave. Estendeu a mão e, com os dedos, afastou delicadamente uma mecha que caíra sobre o rosto do outro. Os fios eram frios ao toque, e Cas sentiu uma leve cócega quando uma mecha rebelde deslizou pela ponta de seus dedos. Sem perceber, continuou o movimento, afagando-o com lentidão, sentindo a textura macia do cabelo entre os dedos.

Ellin murmurou algo ininteligível, mexendo-se minimamente, mas não abriu os olhos. O pequeno sorriso em seus lábios denunciava que estava consciente do toque e não se importava.

— Isso faz cócegas… — murmurou, a voz arrastada pelo sono.

Cas não respondeu, mas a mão permaneceu onde estava, apenas diminuindo a intensidade do movimento. Após alguns instantes, Ellin ergueu a cabeça com preguiça, piscando devagar para afastar o torpor do descanso. Seus olhos, de um azul profundo e cortante, estavam ligeiramente úmidos pelo sono, e sua franja caiu sobre eles antes que ele a afastasse displicentemente.

— O que está lendo? — Perguntou, ainda com a voz baixa, os cotovelos apoiados na mesa enquanto descansava o queixo sobre as mãos.

Cas girou o livro sobre a mesa, para que ele pudesse ver a capa.

— Psicologia cognitiva.

Ellin arqueou uma sobrancelha, pegando o livro e folheando algumas páginas antes de franzir levemente o cenho.

— Você realmente lê isso por diversão? — Questionou, com um sorriso enviesado.

Cas apenas deu de ombros, pegando o livro de volta.

— Me ajuda a entender melhor algumas coisas.

Ellin o observou por um instante, antes de apoiar o queixo na palma da mão e, com a outra, alcançar a mão de Cas sobre a mesa. Ele não pareceu perceber o gesto, apenas começou a brincar distraidamente com os dedos dele, traçando linhas invisíveis sobre a pele, entrelaçando-os por um momento e soltando-os em seguida, como se não houvesse um pensamento consciente por trás da ação.

Cas observou em silêncio, notando a forma delicada com que Ellin segurava sua mão, o modo como seus próprios dedos deslizavam sobre os dele com uma intimidade tão natural que quase passava despercebida. A pressão era leve, sem a intenção de segurar ou prender, apenas um toque confortável, um gesto sem propósito aparente.

— Ellin.

— Sim?

— Você tentou descobrir se gostava de mim enquanto se masturbava?

Ellin parecia ter percebido o peso das próprias palavras só depois de tê-las dito em voz alta, no dia anterior. O rubor que começou em suas orelhas logo se espalhou por seu rosto inteiro, até mesmo pelo pescoço, e Cas, mesmo em meio ao próprio colapso interno, não pôde deixar de notar como aquilo era absurdamente… atraente.

“Caralho. Isso só piora… por que você tem que ser esse idiota tão fofo, Ellin?”

— Eu não falei desse jeito!

— Mas foi o que aconteceu.

— N-não é tão simples assim!

Cas olhou para ele com uma expressão ilegível.

— Parece bem simples pra mim.

Ellin virou o rosto para o lado, cobrindo metade dele com a manga da blusa.

— Eu… eu acho que sinto algo por você há um tempo, mas não queria admitir. Então, aconteceu.

Cas cruzou os braços, estreitando os olhos.

— “Você acha?”

Ellin se encolheu.

— Sim, eu acho.

Cas suspirou, massageando as têmporas. Ele sentia que estava prestes a ter um leve colapso existencial.

Porque agora sua mente começou a refazer toda a cena — não uma cena qualquer, mas a cena na qual Ellin tinha, de fato, feito aquilo. O próprio subconsciente começou a preencher os detalhes por conta própria, e de repente Cas se viu imaginando o jeito como Ellin provavelmente mordeu os lábios para conter um som, o modo como seus dedos deslizaram hesitantes, a forma como sua respiração ficou trêmula, como sua testa deve ter franzido…

Ele imediatamente balançou a cabeça, enfiando os dedos nos cabelos como se pudesse arrancar fisicamente aquelas imagens da mente.

Não era como se ele nunca tivesse olhado para Ellin daquele jeito — na verdade, era muito mais complicado do que isso —, mas uma coisa era desejar em silêncio, e outra completamente diferente era ouvir o próprio Ellin dizer que já havia se tocado pensando nele.

Porque agora, cada vez que o olhasse, isso estaria lá.

Um pensamento incômodo. Persistente. Excitante pra caralho… Cas não queria, ou melhor, não podia pensar nele assim.

Cas respirou fundo, forçando-se a recompor.

— Eu não devia ter dito nada…

— Não devia — Cas concordou num tom meio rouco.

Ellin não parecia arrependido de verdade. Sim, ele estava envergonhado, mas Cas conseguia ver a hesitação nas entrelinhas, o modo como Ellin mordia a parte interna da bochecha, como se estivesse ponderando se deveria continuar a conversa ou não.

— Olha… eu não quero tornar isso vergonhoso para você, Ellin. Relaxe. Continue pegando na minha mão, como você estava fazendo antes.

Ellin piscou devagar, como se absorvesse aquelas palavras com cautela, tentando entender se Cas realmente queria aquilo; se estava sendo sincero ao pedir que continuasse tocando-o. Sua hesitação durou apenas um instante antes de seus dedos voltarem a deslizar sobre a pele de Cas, retomando o gesto com uma delicadeza intencional, ainda mais consciente do que antes.

Cas sentiu um arrepio sutil onde os dedos de Ellin roçavam sua pele, não exatamente pelo toque em si, mas pelo significado que agora se entrelaçava a ele.

O simples ato de entrelaçar os dedos, de traçar padrões invisíveis sobre sua mão, carregava um peso novo, uma intimidade que, até aquele momento, permanecia apenas no limiar do que era permitido entre eles.

O silêncio entre os dois não era incômodo. Pelo contrário, parecia carregado de algo indefinível — algo que os mantinha presos um ao outro sem a necessidade de palavras. Cas observou enquanto Ellin brincava com seus dedos, deslizando-os entre os seus e depois soltando-os, apenas para repetir o gesto com uma paciência quase meticulosa.

— Você está pensando demais. — Murmurou Cas, sem tirar os olhos da forma como suas mãos se tocavam.

— Eu sempre penso demais. — Ellin respondeu num tom baixo, sua voz mais suave do que o normal, como se estivesse se permitindo um momento de vulnerabilidade sem se preocupar com as consequências.

Cas permitiu-se um leve sorriso, embora quase imperceptível.

— Você acha que sou estranho? — Ellin perguntou, e havia um fio de incerteza em sua voz, algo que o fazia parecer menor, menos seguro de si do que normalmente demonstrava.

Cas ergueu os olhos para ele, estudando seu rosto com atenção. Ellin tinha esse hábito — fingir que era indiferente, que não se importava tanto quanto realmente se importava. Mas Cas o conhecia bem demais para se deixar enganar.

— Sério? Você se acha estranho por isso? — Cas perguntou, observando o modo como Ellin desviava o olhar, mordendo a parte interna da bochecha, um resquício de nervosismo ainda evidente. — Você tem uma condição que te faz lactar todos os dias e acha que se masturbar pensando em alguém é estranho?

Ellin permaneceu em silêncio por um instante antes de soltar uma risada curta, baixa, quase como se não pudesse evitar.

— Você está dizendo isso para eu me sentir melhor?

— Estou dizendo que Hiperprolactinemia afeta menos de um por cento da população. Masturbação, por outro lado, afeta pelo menos noventa e oito.

— Você… pesquisou?

— Sim, depois que você me contou. Sobre Hiperprolactinemia, não sobre masturbação.

Ellin riu e o olhou de soslaio, os olhos semicerrados em um misto de ceticismo e algo mais suave, como se tentasse decidir se acreditava completamente em Cas ou se ainda havia espaço para dúvida.

— Então… você não achou ruim? O que eu disse?

Cas não respondeu de imediato. Seu olhar voltou-se para as mãos de Ellin, que ainda brincavam distraidamente com as suas, como se aquele contato fosse a única âncora que o mantinha preso à conversa.

Ele podia mentir. Dizer que não pensou muito naquilo, que não deu importância. Mas a verdade era que as palavras de Ellin queimavam em sua mente desde o momento em que foram ditas. Ele se lembrava com clareza — o modo hesitante com que Ellin falou, a forma como seu rosto corou violentamente depois.

Cas engoliu em seco antes de responder, mantendo a voz controlada:

— Não achei ruim. Só… inesperado.

Ellin apertou os lábios, sua expressão tornando-se mais introspectiva.

— Eu não queria… — parou, buscando as palavras certas. — Não queria complicar as coisas… sobre o que sinto.

Cas arqueou uma sobrancelha.

— E isso parecia menos complicado para você?

Ellin soltou uma risada sem humor, passando a mão pelos próprios cabelos antes de apoiar o cotovelo na mesa e repousar a testa contra a palma da mão.

— Você tem razão. — Admitiu, a voz abafada. — Foi estúpido.

Cas não respondeu de imediato. Não queria fazer Ellin se sentir pior — não era esse o ponto. Ele queria entender. Precisava saber o que se passava na cabeça dele para que tivesse tomado aquela decisão, para que tivesse cruzado aquele limiar sozinho, sem sequer considerar falar com ele antes.

— Você só queria confirmar o que sentia? — Perguntou, mantendo o tom neutro.

Ellin demorou um instante antes de assentir, lentamente.

— Eu já… suspeitava — murmurou —, mas eu precisava saber com certeza.

Cas permaneceu em silêncio por alguns segundos, absorvendo aquelas palavras. O fato de Ellin ter sentido a necessidade de testar os próprios sentimentos daquela maneira dizia muito sobre ele. Sobre o quanto temia se apegar. Sobre o quanto precisava de provas antes de admitir algo para si mesmo.

E, mais do que isso, dizia algo sobre como via Cas.

Ele soltou um suspiro, relaxando levemente os ombros.

— Pelo menos agora você sabe.

Ellin ergueu os olhos para ele, e havia algo ali — algo que oscilava entre a incerteza e a entrega, como se estivesse à beira de aceitar algo que evitava há muito tempo.

— Agora eu sei.

Cas sustentou seu olhar por mais tempo do que o necessário antes de desviar, voltando a atenção para a mão de Ellin ainda sobre a sua. Sentiu quando os dedos do outro apertaram os seus levemente, quase como um pedido silencioso para que não o soltasse.

Cas não soltou.

— De qualquer forma, fico feliz que esteja melhor.

Ellin ergueu o olhar para ele, as pálpebras meio cerradas em uma expressão preguiçosa. Seu polegar traçou um caminho lento sobre o dorso da mão de Cas, detendo-se entre os nós dos dedos.

— Faz tempo que não me sinto tão bem… mas você sabia disso, não é? Queria ouvir eu admitir.

Cas esboçou um sorriso discreto.

— Talvez.

Ellin riu baixo, voltando a brincar com os dedos dele, sem pressa. Os toques suaves eram quase hipnóticos, e Cas percebeu que não se importava em deixá-lo continuar. O ambiente ao redor parecia distante — a presença um do outro era tudo o que preenchia aquele espaço.

— Você já pensou em fazer algum tipo de trabalho voluntário na escola? — Cas perguntou, a voz baixa, como para não perturbar a atmosfera que se formara entre eles.

Ellin piscou, erguendo os olhos com uma expressão de leve surpresa.

— Trabalho voluntário? — repetiu, como se fosse um conceito distante.

Cas assentiu, fechando o livro e o deixando sobre a mesa à frente.

— Sim. Se você estiver envolvido com atividades escolares, terá um motivo legítimo para passar menos tempo com o Eric.

Ellin abriu a boca para responder, mas hesitou. A sugestão era simples, quase óbvia, mas ele nunca havia considerado essa possibilidade. A ideia de ter uma desculpa para se afastar de Eric sem precisar inventar nada o intrigava.

— Eu nunca pensei nisso antes… — murmurou, ajeitando-se no sofá e levando uma das mãos à nuca.

Cas observou sua reação com atenção, percebendo o vislumbre de interesse que surgia em sua expressão.

— A biblioteca está precisando de voluntários — continuou, casualmente. — Quase ninguém se inscreve porque eu faço parte.

Ellin arqueou uma sobrancelha e, então, um sorriso divertido surgiu em seus lábios.

— Porque você faz parte? — repetiu, cruzando os braços e inclinando-se levemente para ele.

Cas apenas deu de ombros.

— Algumas pessoas têm medo.

Ellin soltou um riso baixo.

— Bom, isso não vai acontecer comigo.

Os olhos esbranquiçados de Cas brilharam com algo indefinível.

— Eu sei.

Ellin o encarou por um instante, como se absorvesse aquela resposta antes de voltar à conversa.

— E o que eu teria que fazer?

Cas gesticulou com a cabeça na direção da mesa do bibliotecário.

— Pode falar com o representante da sua sala no conselho estudantil. Ele te dará a papelada. Depois, é só entregar os papéis na direção.

Ellin ponderou por alguns segundos, passando a ponta dos dedos pelo lábio inferior em um gesto inconsciente. A ideia era boa. Queria mesmo um motivo para evitar Eric sem precisar se justificar. E, além disso, gostava do ambiente tranquilo da biblioteca.

— Tudo bem — decidiu, levantando-se.

— Você quer ir agora?

— Por que não? Assim posso começar o mais rápido possível.

Cas expressou um sorriso fraco, mas havia orgulho em seu olhar diante da atitude de Ellin.

—–

O corredor até a administração da biblioteca era silencioso, afastado do movimento principal da escola. O som abafado dos passos de Cas e Ellin ressoava contra o piso encerado, ecoando na quietude quase cerimonial daquele espaço. Cas caminhava ao lado de Ellin, as mãos nos bolsos da calça, o olhar baixo, mas atento a cada movimento do outro. Não era algo que ele costumava fazer — acompanhar alguém tão de perto, quase como se tivesse um motivo pessoal para garantir que aquele caminho fosse percorrido sem desvios.

Ellin, por outro lado, estava levemente hesitante, embora não de maneira visível. A ideia do trabalho voluntário havia surgido de forma inesperada, mas, agora que estava ali, prestes a se inscrever, a possibilidade de passar mais tempo longe de Eric soava estranhamente como um alívio. Roubou um olhar para Cas, cuja expressão permanecia impassível, mas havia algo na forma como ele mantinha o passo ao seu lado, na maneira como sua presença preenchia o espaço entre eles, que fazia Ellin se sentir inexplicavelmente seguro.

Ao chegarem, o responsável pela biblioteca recebeu Ellin com um olhar ligeiramente surpreso, mas não questionou. O processo de inscrição foi simples: um formulário, algumas instruções sobre as tarefas básicas e um aviso de que ele poderia começar já no dia seguinte. Ellin preencheu os papéis com a tranquilidade de quem não queria demonstrar o nervosismo que borbulhava sob a superfície. Cas permaneceu ao seu lado, silencioso, observando-o escrever com uma atenção que Ellin fingiu não notar.

Quando tudo foi finalizado, Ellin entregou o formulário e recebeu um breve aceno de aprovação. Havia terminado.

Virou-se para Cas, segurando o papel recém-assinado entre os dedos, e sorriu — um sorriso pequeno, contido, mas genuíno.

— Pronto. Agora sou oficialmente um voluntário.

Cas apenas assentiu, mantendo aquele olhar profundo e insondável sobre ele. Ellin hesitou por um instante e, depois, num impulso, deu um passo à frente e o abraçou.

Cas endureceu levemente, como se não estivesse esperando o gesto, mas sua reação foi instintiva. Seu corpo relaxou, os braços envolveram Ellin sem hesitação e, em um momento sutil, Cas simplesmente decidiu que não queria soltá-lo.

O calor entre eles era palpável, e nenhum dos dois se moveu para interromper aquele contato. Ellin podia sentir a respiração constante de Cas perto de sua cabeça, o peso de suas mãos em suas costas, a firmeza de seu peito contra o próprio. A sensação era absurdamente confortável, íntima de um jeito que ele não compreendia totalmente.

Cas, por sua vez, não sabia dizer por que seus dedos se recusavam a soltar o tecido da camisa de Ellin, por que seu corpo parecia ancorado naquele toque, como se algo nele pedisse para prolongar o momento. Não era algo que ele fazia com qualquer um — não era algo que ele fazia, ponto. Mas ali estava ele, segurando Ellin como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

O tempo pareceu desacelerar dentro daquele abraço. Eles não estavam apenas se tocando; estavam se sentindo. Compartilhavam algo silencioso, um entendimento mudo que não precisava de palavras. Nenhum deles soube dizer quanto tempo passaram assim — apenas que, quando finalmente se afastaram, foi devagar, relutantes, como se algo invisível ainda os mantivesse ligados.

Ellin sorriu de novo, um pouco envergonhado.

— Obrigado por vir comigo.

Cas desviou o olhar, a mandíbula tensa, mas assentiu mais uma vez.

— Claro.

Nenhum deles comentou sobre o fato de que aquele abraço durou muito mais do que deveria. Nenhum deles mencionou como, por um momento, parecia que estavam segurando algo muito maior do que apenas um ao outro.

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Fragmentos de Nós

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Ellington sempre foi uma presença discreta nos corredores da escola - um ômega reservado, de fala suave e olhar sempre atento. Sua vida era marcada por silêncios: o...							

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  • Vol 1
      • Capa
        Capítulo 3
      • Capa
        Capítulo 2
      • Capa
        Capítulo 1

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