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Fragmentos de Nós

Capítulo 5

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A cantina estava ruidosa, preenchida por conversas que se entrelaçavam em um murmúrio contínuo, por vezes interrompido por risadas mais altas ou pelo som de bandejas se chocando contra a madeira das mesas. O cheiro de comida recém-preparada pairava no ar, misturado ao perfume difuso de corpos adolescentes e ao frescor sutil do jardim externo, cujas portas abertas deixavam a brisa entrar.

Ellin estava sentado com Eric e os outros, mas sua atenção permanecia voltada para a tela do celular. Seus dedos deslizavam rápidos sobre a tela, escrevendo mensagens para Cas, que havia faltado à escola por dois dias desde o incidente na biblioteca. Ellin mordeu o lábio inferior, hesitante, antes de finalmente perguntar como ele estava.

Durante todo esse tempo, pensara que Cas estivesse doente – e, de certa forma, estava –, mas uma inquietação discreta se alojava sob sua pele, como se algo não estivesse completamente certo.

A resposta veio poucos instantes depois:

Cas: “Estou melhor. Devo voltar para escola amanhã.

Ellin soltou um suspiro breve, permitindo que parte da tensão em seu peito se dissipasse. Era um alívio saber que Cas logo voltaria, mas uma parte dele — aquela que nunca conseguia silenciar completamente suas dúvidas — questionava se a ausência prolongada tinha outro motivo.

— Com quem você tanto conversa? — A voz de Eric cortou a concentração de Ellin como uma lâmina afiada. Ele sequer havia notado que o outro se inclinava ligeiramente sobre seu ombro, espiando a tela do celular com indisfarçada curiosidade.

Ellin bloqueou o aparelho e recostou-se na cadeira, adotando uma expressão neutra.

— Com o Cas. Ele está doente, ficou em casa esses dias.

A informação foi recebida com um arquejo curto de sobrancelha, seguido de um sorriso enviesado que nunca significava coisa boa. Eric apoiou o cotovelo na mesa, descansando o queixo na palma da mão, enquanto seu olhar assumia um brilho de divertimento malicioso.

— Cas? Quer dizer Caspian? — Ele inclinou a cabeça para o lado, como se ponderasse sobre algo.

— Sim.

— Então vocês são realmente próximos. — A afirmação veio com uma entonação arrastada, como se ele estivesse apenas curioso, mas Ellin já aprendera a identificar a afiada intenção por trás.

— Sim, somos amigos de infância. — Ele manteve a voz neutra, sem vontade de prolongar aquilo.

— Sei. — Eric girou a maçã entre os dedos, observando-a com aparente desinteresse antes de dar uma mordida. — Engraçado… nunca vi ele muito interessado nesse tipo de conversa fiada.

Ellin ergueu os olhos para ele.

— Você está certo. Eu sou a única pessoa com quem ele conversa assim.

Um sorriso se desenhou nos lábios de Eric, mas seus olhos permaneceram inexpressivos.

— Só achei estranho ele se preocupar em te responder no meio do que quer que esteja acontecendo com ele. — Ele mastigou devagar, saboreando mais o jogo do que a fruta.

Ellin não reagiu. Não desviou o olhar, não permitiu que o veneno se infiltrasse sob sua pele. Ele simplesmente ignorou. Sim, aprendera a ignorar esse tipo de coisa. Se Eric não encontrasse brechas para cutucá-lo, logo perderia o interesse.

Desbloqueou o celular novamente, voltando à conversa:

Ellin: “Você não está me evitando por causa do que aconteceu, está?”

A pergunta fluiu quase sem que percebesse, como algo que se formara em seus pensamentos tantas vezes que, no momento em que seus dedos deslizaram sobre a tela, já parecia inevitável.

O tempo entre o envio da mensagem e a resposta de Cas pareceu longo demais. Claro, sabia que era só sua ansiedade projetando significados onde não havia nada além de segundos, mas, ainda assim…

A tela piscou:

Cas: “Não.”

Uma única palavra, seca, objetiva, carregada de certeza. Mas logo depois, outra mensagem apareceu:

Cas: “Podemos conversar sobre isso pessoalmente quando eu voltar.”

Ellin respirou fundo. Seus olhos permaneceram fixos na resposta por alguns instantes antes que seus dedos voltassem a se mover:

Ellin: “Certo. Vou esperar.”

Bloqueou o celular, pousando-o sobre a mesa.

O burburinho da cantina parecia mais distante agora, abafado pelo peso discreto do que fora dito — e do que ainda precisava ser dito.

 

……

 

A tarde se despedia sob um céu acinzentado quando Eric e Ellin saíram da escola, os passos sincronizados no caminho de sempre. A mão de Eric segurava a de Ellin com firmeza, os dedos entrelaçados como se quisesse afirmar uma posse silenciosa. O toque era quente, mas havia algo de rígido nele — menos um gesto de carinho, mais um aviso.

— O que vai fazer agora? — perguntou Eric, a voz arrastada, casual.

Ellin ajustou os materiais que carregava nos braços.

— Vou à casa do Cas. Preciso entregar um material pra ele.

A resposta veio simples, sem hesitação, mas o aperto de Eric em sua mão se intensificou por um instante antes de afrouxar.

— Na casa do Cas — repetiu ele, com um riso curto e sem humor. O maxilar ficou tenso. — Claro.

Ellin olhou de relance para ele, vendo a expressão cuidadosamente controlada. Eric sempre fazia isso: segurava a irritação até que ela escapasse por entre as frestas de seu falso desinteresse.

— Isso precisa ser hoje? — questionou Eric, a voz levemente mais baixa, mas não menos carregada. — Você sempre dá um jeito de colocar esse cara na frente de tudo.

— O diretor pediu pra eu levar — respondeu Ellin, sem se incomodar em justificar mais do que isso.

Eric soltou um suspiro, afastando-se um passo e deslizando a mão para fora da de Ellin, como se estivesse cansado do contato. Os dedos passaram pelos cabelos num gesto impaciente antes de voltar a encará-lo.

— Você não percebe o quanto isso é ridículo? Ele falta à escola e, mesmo assim, você corre atrás dele?

Ellin piscou lentamente, sem responder.

— Esse delinquente não é nada demais.

Ellin franziu a testa, não por ofensa, mas porque aquilo era simplesmente patético.

— Se ele não fosse nada demais, você não estaria tão incomodado.

Eric riu de forma breve, mas seus olhos não acompanharam o som.

— Só acho engraçado. Ele nem ao menos está aqui, e ainda assim…

Ele parou, fechando a boca como se percebesse que ia longe demais. Mas Ellin não precisava ouvir o resto para entender. Eric se incomodava não apenas com a proximidade entre ele e Cas, mas com o que Cas sabia — sobre suas atitudes, sobre seu comportamento quando ninguém estava olhando. Cas não era um qualquer. Ele era uma ameaça real.

— Você pode ignorar todo mundo, Ellin, mas eu sei que ele enche sua cabeça com coisas sobre mim — a voz de Eric era um sussurro carregado de algo mais denso. — Eu sei que ele fala, que ele quer fazer você acreditar que sou um problema.

Ellin continuou imóvel, os braços ainda apertando os materiais contra o peito.

— E se for verdade?

A resposta simples e direta fez Eric cerrar os dentes.

— Você não pode confiar nele mais do que em mim.

— Posso, sim.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Eric piscou devagar, como se estivesse processando o que acabara de ouvir.

— É isso que você quer? — inclinou levemente a cabeça, os olhos analisando cada detalhe da expressão de Ellin, como se buscasse alguma hesitação.

Mas não encontrou nada.

Ellin virou-se sem se despedir e continuou andando. Ouviu Eric dizer algo em voz baixa, um murmúrio irritado que se perdeu no vento. Mas não importava.

Ele não se afastaria de Cas só porque Eric queria.

 

……

 

A casa de Cas ficava a poucos quarteirões da escola, mas a caminhada até lá pareceu mais longa do que o normal. O ar frio da tarde colava em sua pele, enquanto sua mente ecoava com lembranças recentes — o olhar irritado de Eric, as palavras carregadas de frustração. Mas agora, diante da porta de Cas, nada disso importava.

Ellin respirou fundo e tocou a campainha.

O silêncio que se seguiu foi breve. Passos se aproximaram do outro lado e, em seguida, a porta se abriu.

Cas estava ali.

Seus cabelos escuros estavam mais desarrumados do que o normal, caindo sobre os olhos pálidos. Sua expressão foi de surpresa ao vê-lo, um resquício de tensão endurecendo seus traços.

— Ellin?

— Vim trazer isso — disse ele, erguendo os materiais com a voz firme e neutra. — O diretor pediu.

Cas piscou, como se precisasse de um instante para processar a informação, antes de empurrar a porta um pouco mais.

— Ah… certo. Pode entrar.

O interior da casa era silencioso e aquecido, carregando um aroma de chá recém-feito misturado a algo medicinal. A sala de estar estava em penumbra, iluminada apenas pela luz suave que entrava pelas cortinas parcialmente fechadas. O sofá tinha uma manta jogada displicentemente sobre o encosto, e alguns livros estavam empilhados sobre a mesa de centro, como se alguém tivesse interrompido a leitura no meio.

Ellin caminhou para dentro, sentindo o ambiente envolvê-lo de forma familiar.

— Aqui — disse, entregando os materiais.

Cas os pegou sem pressa, os dedos fechando-se ao redor dos cadernos. Um breve silêncio pairou entre os dois. Então, Ellin o quebrou.

— Você mentiu pra mim.

Os dedos de Cas apertaram ligeiramente os cadernos.

— O quê?

— Você não estava doente — disse Ellin, encarando-o com uma voz cortante, sem ser acusatória. — Você nunca mentiu pra mim antes.

Cas desviou o olhar por um instante, os ombros enrijecendo.

— Eu… — hesitou, mas então soltou um suspiro, como se soubesse que não adiantava mais esconder. — Me machuquei naquele dia. Na biblioteca.

O corpo de Ellin ficou tenso.

— O que quer dizer com isso?

Cas passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais.

— Quando os livros caíram… — parou por um momento antes de continuar. — Acabei cortando a cabeça. Não foi grave, mas também machuquei as costas.

Ellin sentiu algo gelado subir pela espinha.

— Você não queria que eu soubesse.

Cas o observou em silêncio por alguns segundos antes de assentir levemente.

— Não queria que você se preocupasse.

A frustração cresceu dentro de Ellin como uma onda prestes a arrebentar.

— Isso não é justo, Cas.

Cas ergueu o olhar para ele, sem dizer nada.

— Você acha que mentir pra mim foi a melhor opção?

Cas fechou os olhos por um instante, os lábios se apertando antes de soltar um suspiro cansado.

— Eu só achei que não importava tanto.

Ellin franziu as sobrancelhas.

— Importa pra mim.

Cas piscou, como se aquelas palavras tivessem um peso que ele não esperava. Ellin deu um passo à frente, a voz mais firme, mais baixa:

— Nunca mais faça isso. Nunca mais me esconda nada.

Por um momento, Cas apenas o observou. O silêncio entre eles não era desconfortável, mas carregado de algo indefinível — algo que se arrastava sob a superfície havia muito tempo.

A sala de estar da casa de Cas refletia o mesmo despojamento silencioso que ele carregava consigo. O espaço era amplo, mas não excessivamente mobiliado. Uma estante com livros gastos dominava a parede oposta, enquanto o sofá de couro escuro exalava um leve aroma de tecido antigo, misturado com a essência discreta e limpa que parecia pertencer apenas a Cas. Uma manta cinzenta repousava sobre o braço do sofá, dobrada com o tipo de cuidado que sugeria um gesto automático, sem pensar.

Ellin entrou sem hesitação, seus passos ressoando levemente sobre o piso de madeira. A porta se fechou com um clique abafado às suas costas, isolando-os do resto do mundo. Cas já estava ali, sentado no sofá com a postura que lhe era característica — despojada, mas carregando uma rigidez sutil, como se cada movimento fosse contido. A luz quente que pendia do abajur próximo lançava sombras suaves ao longo de seu rosto e traçava contornos nos ombros largos, destacando a tensão acumulada ali.

Ellin o observou por um momento antes de se aproximar, permitindo-se notar o tensionar discreto dos dedos de Cas sobre o joelho e o modo como ele parecia evitar olhar diretamente para ele. Quando finalmente o fez, Cas assentiu levemente, como se autorizasse a conversa que nenhum dos dois sabia exatamente como começar.

— Eu prometo.

A voz de Cas soou firme, mas havia algo na forma como ele disse aquilo que fez Ellin hesitar, sentindo que aquela promessa carregava mais peso do que deveria.
Sem saber bem por quê, as palavras escaparam antes que pudesse contê-las:

— Posso ver?

Cas ergueu os olhos para ele, surpreso pela pergunta inesperada. Após um instante, assentiu novamente — dessa vez, mais devagar.
Ellin se aproximou e, em vez de se sentar ao lado dele, ajoelhou-se sobre o tapete diante do sofá, para que ficasse à altura de Cas. Com delicadeza, afastou os fios de cabelo escuro que caíam sobre a testa dele, revelando a pele pálida e a fina linha avermelhada que se desenhava na lateral de sua cabeça. O corte não era profundo, mas recente o suficiente para deixá-lo desconfortável. A visão daquele pequeno ferimento fez algo apertar no peito de Ellin.

— Antes que você diga qualquer coisa, não foi culpa sua. — Cas desviou o olhar, como se quisesse encerrar o assunto antes mesmo de começá-lo.

Ellin soltou um riso baixo — um som inesperado — e balançou a cabeça.

— Eu não ia dizer isso. — Sua voz era suave, sincera, mas tingida de um humor resignado.

— Você ia sim.

Ellin permaneceu ali, os dedos ainda repousando sobre os cabelos de Cas, sentindo a textura macia escorregar entre suas mãos. Ele não se apressou em afastá-los, e Cas tampouco pareceu se incomodar.

Por um breve instante, o silêncio entre eles deixou de ser incômodo. Não havia necessidade de palavras, e o mundo lá fora parecia distante, quase irrelevante. A luz suave que preenchia a sala e o som discreto do relógio na parede tornavam o momento ainda mais íntimo.

Mas então, Cas quebrou a trégua.

— Se você está fazendo isso por pena, pode parar.

A voz dele era baixa, mas havia algo nos olhos que não combinava com o tom desdenhoso que tentava adotar.
Ellin piscou, surpreso, e depois negou com um leve sorriso.

— Não é por pena.

A resposta veio sem hesitação — e talvez tenha sido essa certeza que fez Cas relaxar levemente sob o toque dele.

O polegar de Ellin deslizou suavemente pelo couro cabeludo de Cas, um gesto quase distraído, quase involuntário. Seu olhar vagou pelos traços do amigo — pelo maxilar levemente tenso, pelas sombras que a luz delineava ao longo de suas maçãs do rosto — e ele percebeu como Cas parecia, naquele momento, um pouco menos inacessível do que de costume. Um pouco mais vulnerável.

O silêncio se estendeu por mais alguns segundos, antes que Ellin umedecesse os lábios e deixasse escapar a pergunta que crescera dentro de si:

— Você gosta de mim?

A pergunta saiu mais baixa do que ele pretendia — quase hesitante —, mas Cas a ouviu.
Ele não hesitou.

— Gosto.

A naturalidade da resposta atingiu Ellin com força. Ele sentiu algo revirar dentro de si — uma onda de calor que se espalhou por seu peito, um arrepio frio que correu por sua espinha.

A simplicidade daquilo o deixou momentaneamente sem palavras. Ele piscou, desviando o olhar por um instante, a boca entreaberta como se buscasse algo para dizer e não encontrasse.

— Como você consegue dizer isso assim? — murmurou, ainda surpreso.

Cas deu um pequeno sorriso — um sorriso breve e contido, que não chegou aos olhos, mas ainda assim carregava algo genuíno.

— Você acha que foi fácil? — Ele soltou um riso curto, quase autodepreciativo. — Estou mais nervoso do que nunca.

Ellin o observou mais atentamente, notando, pela primeira vez, o leve tensionar dos dedos de Cas contra a lateral do sofá e o modo como sua respiração parecia ligeiramente mais lenta — quase medida.
Era estranho pensar que Cas, com toda a sua segurança e aquele olhar que raramente vacilava, estava nervoso.
Mas agora, vendo-o ali, tão próximo e tão sincero, Ellin percebeu algo que não havia notado antes.

O nervosismo de Cas não vinha do medo de admitir aquilo. Vinha da importância do que estava admitindo.

Ellin permaneceu em silêncio, sentindo seu próprio coração acelerar sem permissão. E, no entanto, não se afastou.
Porque, talvez, ele também gostasse. Mais do que imaginava.

Cas ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos em Ellin, como se tentasse decifrá-lo, como se buscasse algo além do que as palavras ditas revelavam. Mas logo desviou o olhar e se levantou do sofá com um suspiro suave, alongando os ombros com uma naturalidade que mal disfarçava a tensão discreta em seus movimentos.

— Acho que vou cozinhar alguma coisa — comentou, com um tom que parecia mais distraído do que realmente estava. — Quer alguma coisa também?

Ellin ergueu o rosto para ele e deu de ombros antes de assentir.

— Quero.

Cas lançou-lhe um olhar rápido e caminhou até a cozinha, sem mais comentários. Ellin o seguiu, como fazia sempre, seus passos quase silenciosos no piso de madeira.

A cozinha era organizada de forma funcional, sem muitos detalhes pessoais, além de uma chaleira de ferro desgastada sobre o fogão e algumas plantas discretas nas janelas. Cas abriu a geladeira e pegou o que precisava — ovos, um pedaço de queijo e alguns vegetais. Tudo meticulosamente simples, mas típico dele.

Ellin encostou-se ao batente da porta, observando-o em silêncio enquanto ele acendia o fogão e começava a preparar algo que parecia ser uma omelete. Cas não olhou para ele enquanto cozinhava, mas a presença de Ellin parecia preencher o espaço como uma constante silenciosa que ele não precisava questionar.

— Você sabe que não precisava perguntar, né? — Ellin comentou de repente, referindo-se à oferta de comida. — Eu nunca recuso.

Cas soltou um breve riso pelo nariz, cortando o queijo em pedaços enquanto os ovos já começavam a chiar na frigideira.

— Sei. Mas gosto de perguntar.

O silêncio recaiu por um momento, apenas o som suave do cozimento preenchendo o ambiente. Ellin acompanhava cada movimento dele com o olhar — o jeito firme e eficiente com que Cas mexia a frigideira, a postura relaxada, mas ainda levemente atenta.

Quando Cas se virou para pegar os pratos, seus olhos encontraram os de Ellin por um segundo a mais do que o habitual, e havia algo naquele olhar que pareceu queimar. Um misto de expectativa e uma pergunta muda que Ellin não soube como responder.

Foi Cas quem quebrou o silêncio.

— E você?

A pergunta soou tão casual quanto o restante da conversa, mas havia um peso ali que não combinava com o tom.

Ellin piscou, ligeiramente confuso.

— O quê?

Cas largou a frigideira por um momento, servindo o conteúdo nos pratos antes de repetir, sem desviar o olhar:

— Você gosta de mim?

A respiração de Ellin vacilou por um segundo. Ele não esperava isso — não naquele momento, não enquanto Cas estava colocando omeletes nos pratos como se não fosse grande coisa. Sua mente desordenou-se em um emaranhado de pensamentos caóticos, e ele tentou organizar as palavras que não saíam.

Cas percebeu a hesitação e deu um meio sorriso que não alcançou os olhos.

— Esquece. Você não precisa dizer nada.

Havia algo na forma como ele disse aquilo — não havia irritação, nem frustração, apenas uma aceitação resignada, como se já esperasse aquele silêncio. Isso incomodou Ellin mais do que deveria.

Ele umedeceu os lábios, o coração martelando no peito.

— Cas… — murmurou, a voz baixa, mas carregada de um peso denso. — Eu não queria que você interpretasse meu silêncio como uma resposta.

Cas virou-se para encará-lo, os olhos ligeiramente estreitos em um misto de curiosidade e apreensão.

— Tudo bem — ele respondeu, e sua voz era tão genuína que apenas piorou a sensação de aperto no peito de Ellin.

Porque não estava tudo bem. Porque, naquele momento, ele soube. Soube que gostava de Cas.
Talvez já soubesse há mais tempo do que queria admitir. Talvez sempre houvesse algo nele que o atraía — o conforto indescritível, a segurança silenciosa. Mas agora, diante daquela pergunta e daquela resposta resignada, o sentimento parecia impossível de ignorar.

— Eu… gosto de você — Ellin disse, finalmente, quase num sussurro.

Cas franziu o cenho, como se a resposta não fizesse sentido para ele. Ellin continuou, com um pouco mais de firmeza:

— Gosto de você, Cas.

Cas não respondeu imediatamente. Apenas ficou ali, parado com o prato nas mãos, como se absorvesse a informação. Seus ombros relaxaram levemente, e seu olhar suavizou. Ele colocou o prato na mesa e aproximou-se devagar, sentando-se ao lado de Ellin.

— Eu acho difícil… entender — Ellin prosseguiu, pressionando os dedos contra o tecido da calça. — Você significa muito para mim. Muito mais do que consigo explicar.

Cas o observava em silêncio, ouvindo com uma paciência que era inteiramente dele.

— Mas Eric…

A simples menção daquele nome mudou o ar ao redor. Cas não reagiu visivelmente, mas algo em seu olhar escureceu, tornando-se mais fechado.

Ellin suspirou, sentindo o estômago se revirar.

— Você sabe o que ele é para mim… ou o que ele não deveria ser.

Eles já haviam discutido isso antes. O relacionamento de Ellin com Eric não era saudável. Cas sabia. Ellin sabia. Mas saber não tornava mais fácil sair dele.

— Eu não quero estar com ele — Ellin admitiu, e a honestidade crua de suas palavras pareceu ecoar na sala.

Cas o observou, e por um instante Ellin se perguntou o que ele estava pensando. A seriedade em seu rosto era acompanhada por algo profundo e protetor.

Então, sem dizer nada, Cas estendeu as mãos e pegou as de Ellin, entrelaçando os dedos nos seus com firmeza.

— Tudo vai ficar bem.

Ellin piscou, surpreso com a certeza na voz dele.

— Nós vamos dar um jeito em Eric.

Cas não estava apenas dizendo aquilo para confortá-lo — ele realmente acreditava.

 

……

 

A cozinha estava mergulhada em um silêncio quase reverente, mas, dessa vez, não havia peso nem desconforto entre eles. Era um silêncio diferente, carregado de algo mais profundo, algo latente.

Cas, concentrado, lavava os pratos com a mesma tranquilidade eficiente de sempre, suas mãos ágeis ensaboando e enxaguando com movimentos precisos. Ellin o observava em silêncio, os olhos acompanhando cada gesto meticuloso, mas sua atenção ia além disso.

Ele reparava nos músculos do braço de Cas sob a camiseta justa, na linha das costas ligeiramente curvada, no cabelo bagunçado que parecia pedir por um toque. Seu coração batia rápido, e ele nem percebeu o momento exato em que seus pés começaram a se mover, aproximando-o devagar.

Quando deu por si, estava bem atrás de Cas — perto demais, mas sem intenção de parar. Ellin hesitou por um breve instante, mas então, antes que pudesse se permitir recuar, estendeu os braços e o abraçou por trás, pousando o rosto suavemente contra suas costas.

Cas congelou por um momento, claramente surpreso. Seus ombros ficaram rígidos, e o som da água correndo na pia parecia ecoar alto demais na quietude da cozinha. Mas ele não disse nada. Apenas respirou fundo e, aos poucos, relaxou sob o toque.

Ellin sentiu o cheiro familiar e reconfortante que sempre parecia envolver Cas — um misto sutil de sabonete, café e algo intrinsecamente dele. O calor que emanava do corpo dele era quase entorpecente, e Ellin apertou o abraço, como se temesse que Cas desaparecesse se não o segurasse firme o suficiente.

— Ellin? — murmurou Cas, a voz baixa e um pouco rouca.

Ellin não respondeu imediatamente. Fechou os olhos e permaneceu ali por um momento, apenas sentindo a presença de Cas, o ritmo constante da respiração dele. Quando finalmente ergueu o rosto, seus lábios estavam próximos o suficiente para roçar a pele exposta do pescoço de Cas, e ele viu o exato instante em que os dedos dele pararam de lavar o prato que segurava.
Cas desligou a torneira com um gesto lento e metódico, mas não se virou. Não ainda.

— Ellin — disse de novo, e, dessa vez, havia algo diferente em sua voz. Algo entre um aviso e uma pergunta não dita.

Ellin se afastou o suficiente para que Cas pudesse se virar, mas, quando ele o fez, Ellin já estava se inclinando. Seus olhos se encontraram por um breve segundo, e o ar entre eles parecia eletrificado, denso. Cas não recuou. Não se moveu. E, dessa vez, não interrompeu o gesto.

Os lábios de Ellin tocaram os dele com uma suavidade hesitante, quase tímida no início, como se testassem as águas. Mas, quando Cas não se afastou, quando inclinou ligeiramente a cabeça em resposta, o beijo se aprofundou. Não era apressado nem urgente — era um beijo silencioso e cheio de significado, como se ambos estivessem dizendo tudo aquilo que ainda não conseguiam colocar em palavras.

Ellin sentiu o mundo ao redor desaparecer. Não havia mais nada além da boca de Cas contra a sua, o calor das mãos dele repousando com firmeza em sua cintura. Por um instante, foi como se tudo estivesse perfeitamente no lugar.

Mas, então, Cas quebrou o contato.

Com gentileza, pressionou a mão contra o peito de Ellin e recuou ligeiramente, criando um espaço entre eles que parecia frio demais depois daquele beijo.

— Ellin, espera. — A voz ainda era suave, mas com um tom sério que cortou o ar como uma lâmina.
Ellin congelou. Seu coração batia tão rápido que ele quase podia ouvi-lo, e seus olhos se arregalaram ligeiramente, confusos.

— O que foi? — murmurou, a voz carregada de frustração e um toque de insegurança.

Cas suspirou, retirando a mão, mas mantendo a distância entre eles. Inclinou a cabeça levemente, os olhos analisando Ellin com cuidado, como se tentasse entender o que estava acontecendo por trás daquela súbita demonstração de desejo.

— Você tem certeza de que quer isso? — perguntou, a voz baixa, mas firme. — Porque, depois do que conversamos…

Ellin piscou, ainda sem entender completamente.

— Cas… Eu disse que gosto de você. E eu quero… quero te mostrar isso.

Havia tanta sinceridade nas palavras dele que Cas quase vacilou. Quase. Mas ele manteve o controle e continuou olhando diretamente para Ellin, buscando algo nos olhos dele.

— Eu sei. E acredito em você. Mas… — Ele hesitou, procurando a melhor forma de dizer o que estava pensando. — Você tem certeza de que não está fazendo isso porque se sente culpado?

A pergunta atingiu Ellin como uma onda fria.

— Culpado? — repetiu, confuso.

Cas assentiu, seu olhar se suavizando um pouco, mas ainda atento.

— Sim. Ellin, você acabou de admitir que gosta de mim. E também acabou de falar sobre Eric. Sobre o que ele significa… ou não significa mais. Não estou dizendo que você está mentindo ou que seus sentimentos não são reais.

A voz de Cas era tão cuidadosa, tão cheia de consideração, que Ellin não conseguiu sentir raiva. Mas ele sentiu outra coisa — uma onda de vergonha misturada com medo e tristeza. Porque, lá no fundo, sabia que Cas podia estar certo.

Ellin desviou o olhar, mordendo o lábio inferior enquanto lutava contra as emoções que subiam à superfície. Queria negar, queria dizer que Cas estava errado, que ele estava ali porque queria estar, porque aquilo era o que sentia. Mas… havia algo naquelas palavras que parecia ecoar uma verdade incômoda.

Cas suspirou suavemente e tocou o rosto de Ellin com cuidado, fazendo-o olhar para ele novamente.

— Ei… Não estou dizendo que você não me quer. Se tem algo pelo qual você deveria sentir culpa, Ellin, é por deixar aquele babaca te tocar.

O coração de Ellin deu um salto no peito, e ele fechou os olhos com força ao ouvir aquilo. Não porque fosse cruel, mas porque era verdade.

— Eu sei — sussurrou, sentindo a garganta apertar. — Eu sei que deveria ter terminado com ele há muito tempo.

— Então por que não termina? — Cas perguntou, direto, mas sem julgamento.

Ellin sentiu as lágrimas começando a se acumular nos cantos dos olhos, mas as segurou com todas as forças. Odiava parecer fraco, especialmente diante de Cas.

— Porque… — Sua voz falhou, e ele respirou fundo antes de continuar: — Porque parte de mim acha que eu mereço isso. Que eu mereço ser tratado daquele jeito.

Cas fechou os olhos por um momento, como se estivesse tentando controlar alguma emoção intensa dentro de si. Quando os abriu de novo, havia uma determinação sombria em seu olhar.

— Não — a palavra soou firme, quase como uma ordem. Ele segurou o queixo de Ellin com delicadeza, forçando-o a olhar para ele. — Você não merece isso.

Ellin mordeu o lábio inferior, tentando conter o choro. Cas suspirou e soltou o queixo dele, mas manteve a mão perto, acariciando suavemente a lateral de seu rosto.

— Você pode estar fazendo isso para se punir — disse, a voz mais suave agora, mas ainda carregada de significado. — Se for isso, não vou deixar você continuar.

— Você acha que eu estou quebrado, não é? — perguntou, a voz trêmula.

Cas balançou a cabeça imediatamente.

— Não. Eu acho que você está tentando se curar. E quero que você faça isso… do seu jeito, no seu tempo.
Havia tanta honestidade nos olhos dele, tanto carinho não dito, que Ellin sentiu o aperto no peito diminuir um pouco. Ele assentiu lentamente, engolindo a dor que ainda estava ali, mas aceitando o que Cas estava tentando dizer.

— Então… o que eu faço? — perguntou, a voz pequena.

Cas deu um meio sorriso, e o olhar dele suavizou ainda mais.

— Você começa saindo daquela droga de relacionamento. Depois, a gente vê o que acontece.

Ellin assentiu lentamente e, naquele momento, sentiu o peso começar a diminuir. Talvez, com Cas ao seu lado, ele realmente pudesse encontrar uma maneira de ser feliz.

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