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Fragmentos de Nós

Capítulo 7

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  4. Capítulo 7 - A Calma Que Ele Me Dá
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A tarde estava fria, mas o céu se abria em um azul pálido, tingido pelos primeiros vestígios do entardecer. O vento carregava um leve aroma de borracha e combustível, característico da pista de kart, onde motores roncavam e pneus desl deslizavam no asfalto. O ambiente era vibrante, repleto de vozes animadas e risadas altas, mas Ellin sentia-se deslocado, como se estivesse assistindo a tudo de fora.

Ele ajeitou o suéter que sua avó havia feito para ele, passando os dedos pela textura macia do tecido. Era um presente que carregava consigo um afeto genuíno, um pedaço de casa costurado à mão. A cor sóbria contrastava com a camisa social que usava por baixo, o colarinho dobrado com precisão. As laterais do cabelo, trançadas e presas na parte de trás da cabeça, davam-lhe um ar delicado, mas organizado. Ele gostava daquele penteado — simples, mas bonito.

Eric, no entanto, não compartilhou da mesma opinião. Assim que o viu, franziu o cenho e arqueou uma sobrancelha.

— O que você está vestindo?

Ellin piscou, hesitando.

— Minha avó fez este suéter para mim…

— Certo, mas hoje é seu aniversário. Você podia ter se vestido de um jeito mais elegante.

A voz de Eric carregava um desdém disfarçado de sugestão. Um segundo depois, ele riu, passando a mão pelos próprios cabelos como se estivesse se divertindo sozinho.

— Ou pelo menos de um jeito mais sexy.

Ellin desviou o olhar, reprimindo a vontade de revirar os olhos. Ele já estava acostumado com aquele tipo de comentário, mas nunca sabia exatamente como responder. Optou pelo silêncio, uma escolha que Eric já esperava.

— Vamos, os caras estão esperando.

Eric passou um braço pela cintura de Ellin e o puxou em direção ao grupo de amigos, que estavam reunidos perto da área de espectadores, observando as corridas anteriores. Assim que chegaram, os cumprimentos vieram de imediato — alguns mais educados, outros com um tom de ironia disfarçada.

— Finalmente! O aniversariante resolveu aparecer. — Um dos amigos de Eric sorriu, mas não era exatamente um sorriso caloroso.

— Ele teve que se arrumar primeiro, né? — Outro riu, lançando um olhar rápido para Ellin.

Ellin apenas acenou com a cabeça, mantendo a postura polida. Estava acostumado com a maneira como aqueles rapazes falavam, como se cada frase carregasse uma piada interna na qual ele nunca estava verdadeiramente incluído.

— E então, preparados para a corrida? — Eric quebrou a conversa casual, a empolgação evidente em seu tom.

Ellin soube naquele instante que a escolha da atividade não havia sido casual. Eric adorava qualquer oportunidade de se exibir, e o kart não era exceção. Ele gostava da velocidade, da adrenalina — mas, acima de tudo, gostava de vencer. E quando vencia, gostava de humilhar os perdedores.

— Só espero que ninguém resolva dirigir feito um velho. — Eric lançou um olhar sugestivo para um dos amigos, que riu, balançando a cabeça.

— Relaxa, ninguém aqui vai te atrapalhar.

Ellin não se incomodaria em ficar de fora da corrida, mas Eric não lhe daria essa opção. Ele sabia que, ao longo da competição, Eric se vangloriaria de cada ultrapassagem, de cada vitória sobre os outros competidores, fazendo questão de provocar qualquer um que perdesse.

Enquanto os amigos discutiam sobre qual pista escolher, Ellin sentiu novamente as mãos de Eric em sua cintura, os dedos pressionando levemente o tecido do suéter. Ele não gostava daquele toque — não pelo contato em si, mas pelo controle implícito que ele carregava.

Ele desviava o olhar, focando em qualquer outra coisa. Observava os funcionários do kart verificando os capacetes, os outros grupos se organizando para suas corridas, até mesmo os painéis de LED piscando com tempos e nomes desconhecidos. Mas nada aliviava a inquietação que começava a se instalar dentro de si.

Foi então que ele o viu.

Cas estava parado próximo à entrada, seu olhar varrendo o local até encontrá-lo.

Ellin não hesitou. Com um movimento sutil, afastou-se de Eric e caminhou na direção de Cas, sem se preocupar com o que os outros pensariam.

Cas, por sua vez, permaneceu imóvel até que Ellin se aproximou o suficiente para que pudesse vê-lo melhor. A jaqueta de couro negra ajustava-se perfeitamente à silhueta dele, conferindo-lhe um ar ainda mais imponente. O brilho sutil do material sob as luzes artificiais do kartódromo contrastava com a postura indiferente que ele sempre exibia.

Mas o detalhe mais incomum era o cabelo. Diferente de sua habitual bagunça descuidada, os fios estavam visivelmente arrumados — nada excessivo, ainda mantendo sua essência, mas o suficiente para indicar que, de alguma forma, ele havia se esforçado.

Ellin notou o detalhe de imediato, mas não comentou. Em vez disso, seus olhos desceram para a pequena sacola que Cas segurava na mão direita. Antes que pudesse perguntar, Cas estendeu o presente sem cerimônia.

— Para você.

Ellin hesitou, piscando uma vez, surpreso.

— Cas… você não precisava—

— Eu ignorei você.

O tom de Cas era seco, mas não rude. Era apenas a verdade, simples e incontestável. Ele não acreditava que “não precisava” fosse um motivo válido para não dar um presente.

Ellin não discutiu. Sabia que seria inútil. Em vez disso, pegou a sacola, segurando-a com cuidado, como se o objeto tivesse mais peso do que realmente possuía.

— Posso abrir agora?

— Não. — Cas respondeu imediatamente. — Só quando estiver sozinho.

Havia algo na forma como ele disse isso que despertou uma breve curiosidade em Ellin, mas ele assentiu, aceitando a condição.

— Tudo bem.

A presença de Cas ali, mesmo sem dizer muito, fazia com que Ellin se sentisse mais ancorado. Por mais que não expressasse diretamente, Cas tinha esse efeito sobre ele — uma sensação de firmeza silenciosa, como um pilar inabalável em meio ao caos.

Quando Cas se aproximou do grupo ao lado de Ellin, os amigos de Eric não puderam ignorá-lo por muito tempo. Apesar da aura intimidadora que o cercava, havia algo inegavelmente intrigante nele. A princípio, hesitaram, trocando olhares entre si, mas logo alguém puxou assunto, mencionando o time esportivo do qual Cas fazia parte na escola.

— Você joga bem, ouvi dizer. — Um dos rapazes comentou, tentando soar casual, mas havia uma cautela evidente em seu tom.

Cas lançou um olhar breve na direção dele, sem demonstrar muito interesse.

— É.

A resposta curta e direta não era exatamente encorajadora, mas isso não impediu que o grupo continuasse a conversa, ainda que com certa reserva. Por mais temido que fosse, Cas também era alguém que despertava curiosidade, e qualquer oportunidade de interagir sem um risco imediato de confronto parecia válida.

Enquanto isso, Eric observava a interação com atenção, mantendo-se ligeiramente afastado. Seu sorriso permanecia no rosto, mas era forçado, algo meticuloso na maneira como ele analisava cada detalhe da presença de Cas ali. Era evidente que não gostava daquilo — da forma como seus amigos, mesmo com cautela, tentavam incluir Cas, da maneira como Ellin se mantinha próximo a ele, como se a presença de Eric fosse secundária.

Após alguns minutos, a paciência de Eric começou a se desgastar. Ele esperou que a conversa esfriasse antes de finalmente se inclinar na direção de Ellin, adotando um tom mais baixo, como se quisesse uma conversa privada.

— Ellin, podemos falar a sós?

Cas, que estava ao lado, sequer se moveu. Sua presença era uma sombra insistente, algo que Eric não poderia simplesmente afastar.

— Você pode falar aqui. — Ellin respondeu, seu tom sereno, mas firme.

Eric pressionou os lábios, a expressão se fechando por um breve instante antes de se recompor. Ele lançou um olhar ao redor, notando que os amigos estavam longe demais para ouvir. Mesmo assim, claramente não gostava da ideia.

— Só queria saber por que ele está aqui. — Sua voz soava controlada, mas carregava um tom de irritação contida. — Você nunca disse que o convidaria.

Ellin sustentou seu olhar sem vacilar.

— Eu convidei.

Eric franziu o cenho, descrente.

— Por quê?

— Porque ele é meu amigo de infância. — A resposta veio simples, sem espaço para debate. — Claro que o convidaria.

Eric respirou fundo, parecendo reunir paciência. Seus olhos se voltaram para Cas, avaliando-o com um olhar mais demorado. A tensão pairava entre eles, sutil, mas densa o suficiente para ser sentida.

Foi Eric quem quebrou o silêncio primeiro.

— Achei que não gostasse desse tipo de coisa.

Cas não reagiu de imediato. Apenas observou Eric, sua expressão inalterada, mas seus olhos carregando uma atenção afiada, como se estivesse esperando algo.

— Não gosto.

Ellin piscou, olhando para Cas de esguelha. A franqueza era típica dele, mas a forma como respondeu… havia uma intenção calculada. Ele não estava apenas sendo honesto — estava testando Eric, provocando uma resposta.

Eric soltou uma risada breve, sem humor.

— Então veio só para quê? Ficar de vela?

A palavra reverberou no ar por um instante.

Cas inclinou levemente a cabeça para o lado, os olhos frios como vidro. Quando falou, sua voz era baixa, mas carregada de um peso silencioso.

— Tenha cuidado com o que diz.

Não foi um aviso óbvio, tampouco uma ameaça direta. Mas estava ali, suspensa no subtexto, nas entrelinhas de seu tom e na forma como seus olhos nunca deixaram os de Eric.

Por um momento, Eric pareceu considerar uma resposta, mas então apenas desviou o olhar, forçando um sorriso desinteressado.

— Claro.

Mas a conversa havia terminado ali.

Ellin percebeu como Eric tensionava os ombros antes de se afastar, encerrando o assunto sem insistir mais. Mesmo sem palavras, a mudança em sua postura dizia tudo. Ele odiava a presença de Cas ali.

Ele não demorou a reivindicar sua posição ao lado de Ellin, voltando a envolvê-lo em gestos possessivos, a mão deslizando para sua cintura com um toque que, embora fosse suave, carregava uma firmeza implícita. Um gesto ensaiado, uma farsa meticulosamente sustentada. Ele inclinou-se ligeiramente para Ellin, a voz assumindo um tom descontraído enquanto apontava para os karts que corriam na pista próxima.

— Vê como eles se movem rápido? Isso vai ser divertido — disse, um sorriso pretensioso curvando seus lábios.

Ellin acompanhou seu olhar, observando os veículos disparando uns contra os outros em curvas fechadas, os motores rugindo sob as luzes artificiais do kartódromo.

— Sim. — Ele não compartilhava do entusiasmo de Eric, mas assentiu mesmo assim, oferecendo uma breve confirmação.

Eles conversaram por um momento sobre a corrida, ou melhor, Eric falou, discorrendo sobre a vantagem que teria sobre os outros e como adoraria ver os amigos “comendo poeira”. Ellin apenas concordava com palavras curtas, mantendo-se discreto. Ele sabia que esse tipo de competição não era sobre a diversão em si, mas sim sobre a oportunidade de Eric se exibir e, se possível, humilhar alguém no processo.

Logo, Eric voltou sua atenção aos amigos, deixando Ellin temporariamente livre. Cas continuava ao seu lado, sua presença sólida e silenciosa, observando o ambiente com uma expressão impassível.

— Você não gosta disso — Cas comentou, sem rodeios.

Ellin desviou o olhar para ele, hesitando por um instante antes de confirmar:

— Não gosto.

Cas não disse nada imediatamente, mas seus olhos captaram algo que Ellin tentava disfarçar. Seus dedos mexiam sutilmente na barra do suéter, puxando o tecido de tempos em tempos, deslizando sobre ele como se tentasse ajustá-lo. Pequenos gestos repetitivos, denunciando um desconforto que ia além da mera preferência por ou contra corridas de kart.

— É por causa daquilo? — Cas perguntou, a voz baixa, mas direta.

Ellin piscou, um vestígio de surpresa passando por seu rosto antes de ele balançar a cabeça.

— Não. Estou bem.

Cas não parecia convencido, seu olhar avaliador ainda pousado sobre ele.

— Mas está desconfortável.

— É a roupa.

Cas franziu levemente o cenho.

— Coça? Tem alguma etiqueta irritando?

Ellin soltou um suspiro discreto, baixando as mãos.

— Não é isso… — murmurou. Por um momento, pareceu incerto, mas então acrescentou: — Eric criticou assim que me viu. Disse que eu deveria me vestir melhor no meu aniversário. Ou… de uma forma mais sexy.

Cas não precisou de mais do que isso. Sua expressão não se alterou de imediato, mas Ellin percebeu a tensão sutil em sua mandíbula antes da resposta seca:

— Ele é um idiota.

Ellin permitiu-se um sorriso fraco, um desvio de olhar que traía sua frustração.

— Eu sei.

— Então ignore.

Cas disse isso como se fosse a coisa mais simples do mundo, mas Ellin sabia que não era tão fácil.

Ainda assim, quando Eric voltou para buscá-lo, exigindo sua atenção outra vez, Ellin não discutiu. Ele o acompanhou até a área de preparação para a corrida, onde os capacetes e luvas estavam sendo distribuídos. O grupo se preparava para entrar nos karts quando Eric, sem sequer olhar para trás, foi direto para o seu veículo, assumindo automaticamente que Ellin o seguiria.

Mas ele não teve tempo de hesitar.

Cas pegou sua mão.

Foi um movimento simples, direto, sem qualquer hesitação ou aviso. Apenas entrelaçou os dedos nos dele e puxou-o para longe dali.

— Cas—

— Corre.

A palavra veio curta, quase uma ordem. Ellin não entendeu de imediato, mas seguiu o impulso da puxada, deixando-se levar. Um segundo depois, riu baixinho, o alívio misturando-se à surpresa.

Sem olhar para trás, deixou Eric para trás.

—–

O fliperama estava vibrante, iluminado por letreiros de néon coloridos e pelo brilho pulsante das telas de arcade. O som dos botões sendo pressionados freneticamente se misturava com o tilintar das moedas e os efeitos sonoros característicos dos jogos. No fundo, um boliche ocupava um espaço amplo, onde jogadores lançavam as pesadas bolas contra os pinos sob luzes fluorescentes.

Máquinas de garras exibiam pelúcias estrategicamente posicionadas para desafiar a paciência dos clientes, e grupos de amigos se espalhavam pelo local, mergulhados na atmosfera lúdica.

Cas soltou a mão de Ellin apenas quando já estavam no interior do fliperama, imersos naquele ambiente caótico e vibrante. Ele olhou ao redor brevemente antes de dar um pequeno aceno de aprovação.

— Isso é mais a sua cara.

Ellin piscou, surpreso, e desviou os olhos para absorver a cena ao seu redor. Havia algo de nostálgico naquela visão: os sons, as cores, a energia do lugar. Quando era mais novo, ele adorava esses ambientes, onde podia se perder por horas em partidas de jogos de luta ou tentando — sem muito sucesso — pegar um bichinho de pelúcia na máquina de garras. O calor no peito denunciou o quanto aquele simples gesto de Cas tinha significado para ele.

Um sorriso genuíno iluminou seu rosto.

— Sim. É exatamente o que eu queria.

O olhar de Cas permaneceu sobre ele por um instante, atento. Não precisou dizer nada — o simples fato de tê-lo levado até ali já dizia o suficiente.

Sem mais delongas, eles seguiram até a pista de boliche, onde escolheram seus sapatos e pegaram as bolas. O local estava relativamente movimentado, mas havia espaço suficiente para jogarem sem pressa. Ellin segurou a bola escolhida e analisou a pista, tentando calcular sua jogada, mas ao lançá-la, a bola desviou para o lado e caiu na canaleta.

Ele franziu os lábios, desapontado.

— Eu sou péssimo nisso.

Cas, ao contrário, pegou a bola com uma confiança natural e se posicionou sem pressa. Com um movimento preciso e sem esforço aparente, lançou-a na direção dos pinos, derrubando todos com um estrondo seco.

Ellin estreitou os olhos.

— Você está roubando.

Cas ergueu uma sobrancelha, jogando-lhe um olhar de soslaio.

— Como?

Ellin cruzou os braços, acusador.

— Você tem esses músculos.

Cas inclinou ligeiramente a cabeça, como se ponderasse a afirmação. Então, em um tom casual e quase provocador, respondeu:

— E você não gosta?

O rosto de Ellin aqueceu de imediato, e ele desviou o olhar, apertando os lábios.

— Isso não vem ao caso.

Cas apenas soltou um breve som de diversão, um quase riso abafado, antes de cruzar os braços e esperar a vez de Ellin.

Determinando-se a ao menos melhorar sua pontuação, Ellin respirou fundo e pegou outra bola, concentrando-se mais no movimento dessa vez. No entanto, mesmo tentando ajustar seu ângulo e sua força, a bola ainda saiu de maneira desequilibrada, acertando apenas alguns pinos.

Cas observou em silêncio antes de se afastar discretamente. Ele caminhou até o balcão de comida sem anunciar sua saída, passando os olhos pelo menu luminoso acima do caixa. Não precisou pensar muito antes de fazer o pedido: batatas fritas cobertas com queijo derretido e duas bebidas. Sabia que Ellin adorava aquilo, e considerando a frustração em seu rosto depois das jogadas falhas, um pequeno agrado cairia bem.

Quando voltou, encontrou Ellin segurando outra bola, os ombros levemente tensionados. Havia um vinco sutil entre suas sobrancelhas, indicando que ele estava realmente levando a partida a sério agora. No entanto, sua expressão ainda carregava um vestígio de frustração.

Cas parou ao lado dele, segurando a bandeja.

— Aqui.

Ellin olhou para ele, confuso no primeiro instante, até seus olhos pousarem nas batatas fritas cobertas de queijo. Sua expressão mudou imediatamente, a tensão se dissipando enquanto ele pegava uma porção com os dedos, o calor da comida contrastando com a leve umidade de suas palmas.

Ele mordeu um pedaço, e o sabor rico do queijo derretido envolveu sua língua. O simples gesto de Cas fez com que uma onda de conforto se espalhasse por seu peito.

— Você sabe exatamente como me comprar — comentou, meio brincando.

Cas apenas deu de ombros.

— Você é fácil de ler.

Ellin revirou os olhos, mas seu sorriso entregava que ele não se importava com a observação.

Eles passaram os minutos seguintes entre jogadas e mordidas nas batatas fritas, conversando de maneira mais descontraída do que em qualquer outro momento da noite. A frustração inicial de Ellin diminuiu conforme se permitiu simplesmente aproveitar a companhia de Cas, e, quando menos percebeu, já não se importava tanto em errar as jogadas.

Ali, entre as luzes do fliperama e o aroma acolhedor da comida quente, Ellin sentiu, pela primeira vez naquela noite, que aquele realmente era o seu aniversário.

—–

Ellin caminhava ao lado de Cas, os passos tranquilos acompanhando o ritmo um do outro enquanto deixavam para trás as luzes vibrantes e o som pulsante do fliperama. O parque de diversões se descortinava à frente, iluminado por refletores coloridos e repleto de vozes, risos e música baixa que se mesclava ao zumbido dos brinquedos em movimento.

As luzes da roda-gigante giravam preguiçosamente no céu noturno, e os dois subiram na cabine metálica com naturalidade, como se aquele lugar suspenso entre o chão e as estrelas fosse um refúgio momentâneo. Quando a roda começou a se mover, a cidade aos poucos foi se tornando um tapete de luzes distantes abaixo deles.

Ellin, sentado no banco a em frente a Cas, segurava um pequeno cone de batatas fritas cobertas por queijo derretido, saboreando cada mordida com a satisfação despreocupada de quem, por fim, se permitia relaxar. O calor do alimento contrastava com o ar fresco da noite, e o brilho das luzes refletia suavemente em sua pele clara.

Cas, como sempre, mantinha o olhar atento. Seus cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos entrelaçadas à frente davam-lhe um ar concentrado, embora os olhos traíssem uma tranquilidade rara.

— Vai com calma — advertiu ele, com um tom neutro, mas carregado de uma familiaridade tácita. — Se quiser mais, eu compro depois.

Ellin engoliu antes de responder, inclinando ligeiramente a cabeça com um sorriso travesso.

— Você me conhece bem demais.

Cas apenas arqueou uma sobrancelha, sem precisar dizer nada para reafirmar a verdade daquela afirmação.

Foi então que o celular de Ellin vibrou em seu bolso, chamando sua atenção. O brilho da tela iluminou seu rosto suavemente, e ele baixou os olhos, lendo o nome que aparecia na notificação.

Seus dedos hesitaram por um instante antes de tocar a tela, revelando uma mensagem curta, mas que carregava um peso incômodo.

Eric: “Onde você está?”

Seu olhar permaneceu fixo no rosto de Ellin, analisando cada mínima mudança em sua expressão. Ellin soltou um suspiro silencioso, deslizando o dedo pela tela e bloqueando o aparelho sem responder.

— O que aconteceu? — Ellin não respondeu de imediato. Levantou-se devagar e sentou-se ao lado de Cas, estendendo o celular para ele.

— Não vou voltar para ele.

Não houve hesitação em sua voz, mas havia um cansaço discreto, como se reafirmar aquilo para si mesmo fosse um exercício de exaustão. Cas, por sua vez, não questionou. Ele apenas aceitou a resposta como um fato absoluto, sem necessidade de reforços ou conselhos vazios.

Em vez disso, mudou de assunto.

— Se quiser, pode abrir seu presente agora.

Ellin piscou, saindo da breve distração que a mensagem lhe causou. Ele ergueu os olhos para Cas, pegando a pequena caixa de veludo sobre a mesa da sacola que carregava até agora. O estojo era elegante, discreto, e, ao pegá-lo, Ellin sentiu um arrepio leve subir por seus dedos.

Ele deslizou o polegar pela textura macia antes de finalmente abrir a tampa.

No interior, repousava um anel dourado.

O entalhe floral percorria sua superfície de maneira delicada, transformando o metal em algo orgânico, quase vivo. A luz da roda-gigante refletia nas curvas com sutileza, revelando o cuidado meticuloso de quem escolhera aquela peça.

— Cas… — Sua voz saiu em um tom mais baixo, carregado de emoção genuína. — É lindo.

Cas sorriu de canto, satisfeito com a reação.

— Óbvio que é. Eu comprei, afinal. Muito melhor do que qualquer coisa que aquele babaca te deu.

Ellin riu, mas o som não conseguiu mascarar o brilho suave de seus olhos. Ele ergueu o anel com cuidado, examinando-o de perto, os dedos deslizando sobre os detalhes com admiração silenciosa.

Mas então, sua expressão se modificou por um instante, tornando-se distante, reflexiva.

— Eric não me deu nada.

Cas piscou, surpreso com a afirmação repentina. Ele esperava qualquer coisa, menos isso.

Um instante de silêncio se formou entre eles antes de Cas soltar um riso baixo, curto, carregado de um sarcasmo mordaz.

— Então ele é um idiota ainda maior do que eu pensava.

Ellin não respondeu de imediato, apenas fechou os dedos ao redor do anel.

Depois de alguns segundos, ele ergueu os olhos novamente e disse, num tom inesperadamente tímido:

— Você pode colocar para mim?

Cas não hesitou.

Pegou a joia com naturalidade e segurou a mão de Ellin, deslizando o anel sobre seu dedo com precisão. O metal frio contrastou com a pele quente de Ellin, e o encaixe foi perfeito.

Por um momento, tudo pareceu desacelerar.

Ellin observou sua própria mão, girando o anel levemente sobre o dedo, observando como ele refletia as luzes em movimento ao redor da cabine. Era sutil, confortável, mas possuía um peso simbólico que ele não conseguia ignorar.

A curiosidade surgiu de forma inevitável.

— Você fez isso porque quer estar comigo um dia?

Cas permaneceu em silêncio por um segundo longo demais.

Então, sem desviar o olhar, ele disse:

— Quando pensei em um presente, queria te dar alianças.

Ellin arregalou levemente os olhos. Cas não falava de maneira casual. Ele não jogava palavras ao vento, tampouco fazia promessas vazias. Cada coisa que saía de sua boca era medida, calculada.

Por isso, a revelação teve um impacto profundo.

— Mas — continuou Cas — desisti da ideia. Seria egoísta.

Ellin permaneceu calado por um instante, absorvendo aquelas palavras.

Ele girou o anel novamente no dedo e murmurou:

— Não acho que seria egoísta. — Cas estreitou os olhos, estudando seu rosto, e Ellin ergueu os olhos e sorriu suavemente. — Eu adoraria receber alianças.

Cas não imediatamente, mas o brilho em seu olhar se intensificou ligeiramente.

— Então você vai ter, um dia.

Foi então que Ellin o chamou, sua voz baixa e carregada de algo mais profundo.

— Cas.

— Hmm? — Ellin esperou até que os olhos dele se fixassem nos seus antes de continuar.

— Quero um beijo.

Cas piscou uma vez, devagar.

Ellin desviou o olhar apenas por um segundo, observando o ambiente ao redor. Lá do alto, na cabine oscilante, as pessoas pareciam minúsculas, e ninguém prestava atenção neles.

Ele voltou a encarar Cas, um sorriso de canto brincando em seus lábios. Cas soltou um suspiro curto, resignado. Sem pressa, inclinou-se para frente.

O beijo foi suave, apenas um encontro calmo, intencional, que não precisava de grandes gestos para ter significado. Ellin sentiu o calor dos lábios de Cas contra os seus e fechou os olhos, saboreando aquele momento.

Não era um beijo casual. Não era um beijo roubado. Era um beijo que carregava promessas silenciosas, aquelas que Cas talvez não pudesse verbalizar agora, mas que já estavam impressas na forma como ele olhava para Ellin, na maneira como seus dedos se fechavam suavemente sobre sua mão.

Quando se separaram, Cas permaneceu próximo por um instante antes de murmurar:

— Feliz aniversário, Ellin.

E, pela primeira vez naquela noite, Ellin sentiu que estava realmente feliz.

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