Capítulo 9
O ambiente escolar fervilhava com o som incessante de passos ecoando pelos corredores, conversas cruzadas e o ruído abafado das portas das salas se abrindo e fechando. No meio daquele caos cotidiano, Cas e Ellin caminhavam juntos, suas presenças quase camufladas pelo fluxo constante de estudantes. Não era a primeira vez que andavam lado a lado, mas agora havia algo diferente neles. Uma mudança sutil, imperceptível para quem não prestasse atenção, mas que pulsava em cada troca de olhar e no espaço reduzido que mantinham entre seus corpos.
Antes, eles andavam juntos como amigos — próximos, sim, mas não assim. Agora, o desejo de entrelaçar as mãos pairava entre eles como uma promessa não dita. Era uma tensão quase doce, o tipo de coisa que fazia os dedos de Ellin coçarem com vontade de buscar o toque de Cas, mas que ele reprimia com um suspiro leve e disfarçado. Não era o lugar, não ainda.
— Está muito quieto hoje. — Comentou Cas, com um olhar de canto.
— Só estou… pensando. — Respondeu Ellin, com um sorriso discreto.
A mente dele ainda estava presa ao aniversário, aos flashes de memórias que surgiam e o faziam corar sem aviso. Os jogos no fliperama, as batatas fritas que Cas comprara para ele sem que precisasse pedir, o presente, o beijo e… ainda mais. Mesmo agora, ele podia sentir a pressão suave dos lábios de Cas, tão recente e, ao mesmo tempo, já digna de nostalgia.
Eles caminharam até uma área menos movimentada da escola, um banco de concreto sombreado por uma árvore alta e antiga que parecia ter visto gerações de alunos passarem. Sentaram-se ali, afastados do tumulto. Era um de seus lugares preferidos — discreto o suficiente para que pudessem conversar sem interrupções.
Cas, com sua calma habitual, pegou o celular do bolso e começou a deslizar o dedo pela tela. Ellin observava em silêncio, até que, sem levantar o olhar, Cas inclinou o aparelho na direção dele.
— Olha isso.
Na tela, Ellin viu uma sequência de fotos. Eram registros da noite anterior, imagens que ele nem sabia que Cas havia tirado. Na primeira, ele estava tentando pegar o bichinho de pelúcia na máquina de garra, a expressão de concentração marcando suas feições.
Em outra, ele ria, segurando o prêmio contra o peito. Mas havia também fotos dos dois juntos: um selfie com ambos sorrindo, suas cabeças inclinadas uma na direção da outra, e outra em que Cas o olhava de soslaio, com um brilho suave nos olhos, enquanto Ellin, alheio, estava distraído com as batatas fritas.
Ellin sentiu um calor subir pelo rosto.
— Você tirou todas essas fotos? — Perguntou, surpreso, ainda deslizando pela galeria.
— Tirei — Cas deu de ombros — quis guardar algumas coisas.
Ellin sorriu para a tela, mas algo em seu coração se apertou de leve. Cas não parecia do tipo que registrava momentos; ele sempre fora reservado, pouco inclinado a expressar o que sentia. Saber que ele havia tirado aquelas fotos em segredo, apenas para ter algo de Ellin guardado com ele, deixou o ômega com uma mistura de alegria e melancolia difícil de explicar.
— Você postou alguma delas? — Perguntou Ellin, apenas por curiosidade.
Cas bufou, quase rindo.
— Claro que não. Você sabe que eu odeio redes sociais.
Ellin riu baixinho, acenando em compreensão. Fazia sentido. Cas mal usava o celular para algo além do necessário.
— Me manda essas fotos? — Pediu Ellin, ainda olhando para a tela. — Não que eu vá postar… mas quero tê-las.
Cas o olhou por um instante, como se estivesse considerando algo, antes de acenar com a cabeça.
— Tudo bem.
Enquanto Cas começava a enviar os arquivos, Ellin, quase sem perceber, levou a mão ao colar que usava escondido sob o uniforme. Ele o puxou levemente para fora, revelando o anel dourado que Cas lhe dera na noite anterior. O entalhe floral brilhava sob a luz suave que passava pelas folhas da árvore, delicado e discreto, mas impossível de ignorar para quem soubesse seu significado.
— Não posso usar o anel aqui… — disse Ellin em voz baixa, mais para si mesmo do que para Cas —, mas queria continuar com ele, então coloquei no colar.
Cas parou o que estava fazendo e olhou para o anel, depois para Ellin. Não disse nada por um longo momento, mas havia algo em seus olhos — um misto de surpresa e satisfação, como se não esperasse ver Ellin usando o presente tão abertamente, mesmo que de forma sutil.
— Fica bem em você. — Disse ele, afinal, com uma simplicidade que escondia a profundidade do que realmente sentia.
Ellin sorriu, um sorriso pequeno, mas genuíno, e segurou o anel com delicadeza entre os dedos.
— Eu gosto muito dele… — murmurou. — De verdade.
Cas apenas acenou, mas o modo como ele desviou o olhar rapidamente deixou claro que havia ficado mais afetado pela declaração do que queria demonstrar.
O silêncio entre eles era confortável, mas carregava uma corrente subterrânea de emoções que ainda estavam se assentando. Cas sabia que aquele anel não era uma aliança, que não simbolizava um compromisso formal — ele mesmo havia deixado isso claro na noite anterior. Mas vê-lo pendurado no pescoço de Ellin, tão próximo ao coração, fazia parte dele querer mais.
Mas o momento se despedaçou no momento em que Eric entrou em seu caminho, seu sorriso afiado e seus olhos frios.
— Ei, Ellin — disse Eric, sua voz carregada de uma falsa simpatia que fez o estômago de Ellin se revirar. — Precisamos conversar.
Ellin sentiu o coração acelerar, mas antes que pudesse reagir, percebeu que Cas já estava atento, o olhar fixo em Eric como o de um predador avaliando a ameaça. Cas não precisou dizer nada para deixar claro que não iria a lugar algum.
— O que há para conversar, Eric? — A voz de Cas era firme, mas havia um tom subjacente que Ellin aprendeu a reconhecer. O alfa protetor dentro dele estava em alerta máximo.
Eric ignorou Cas completamente, seu olhar fixo em Ellin.
— Sozinho — insistiu, seu tom não deixando espaço para discussão.
O peito de Ellin se apertou, seus instintos gritando para que fugisse dali.
— O que quer que você tenha para dizer, pode dizer. Eu não me sinto confortável ficando sozinho com você.
O sorriso de Eric vacilou por um momento, uma sombra de irritação passando por suas feições. Seus olhos se estreitaram ao olhar entre os dois e então ele deu de ombros.
— Tudo bem. Vamos para um lugar mais privado, então. A menos que você queira uma plateia.
Ellin olhou para Cas, seu coração martelando. Não queria ficar sozinho com Eric, mas também não queria causar uma cena no meio do corredor. Cas lhe deu um pequeno aceno de cabeça, sua expressão calma, porém resoluta.
— Vá na frente — disse Cas, seu tom deixando claro que não era uma opção.
Eric se virou abruptamente, os ombros tensos enquanto os guiava até uma sala de aula vazia no final do corredor. Assim que a porta se fechou atrás deles, o ar ficou pesado com a tensão.
Eric se apoiou na mesa do professor, os braços cruzados enquanto fitava Ellin.
— Então — começou, sua voz leve, mas enganosa —, por que você não respondeu minhas mensagens?
Ellin sustentou o olhar por um momento, tentando reunir coragem para enfrentar a situação. Não queria discutir, mas também sabia que não podia mais recuar diante de Eric.
— Não achei que tivesse algo a dizer — respondeu ele, sem rodeios.
O rosto de Eric endureceu.
— Nada a dizer? Você me envergonhou na frente dos meus amigos, Ellin. Eles viram tudo e ficaram dizendo como você simplesmente me deixou lá para sair com ele. — Os olhos de Eric dispararam na direção de Cas, e Ellin pôde ver o desdém no olhar. — E não foi mentira, certo? — continuou Eric, com um tom venenoso. — Você realmente me deixou sozinho no seu próprio aniversário.
A risada de Eric foi áspera e cortante.
As mãos de Ellin se fecharam em punhos, seu peito queimando com uma mistura de medo e frustração.
— Você escolheu um lugar que eu nem gostava — rebateu, sua voz trêmula, mas firme. — Eu não queria estar lá, então fui embora. Só isso.
A mandíbula de Eric se contraiu, seus olhos se estreitando enquanto ele dava um passo à frente. Cas imediatamente se moveu entre os dois, sua postura protetora.
— Dê um passo para trás — alertou Cas, sua voz baixa e perigosa.
Eric o ignorou, seus olhos ainda fixos em Ellin.
— Ou o quê? — ele zombou. — Você e esse delinquente tiveram uma festinha de aniversário particular? Ele sabe da sua condição e você deve ter ficado desesperado e agora deixa qualquer um que te mostra o mínimo de gentileza chupar seus peitos como uma vadia.
O rosto de Ellin ficou vermelho como brasa, seu coração martelando contra as costelas. Ele se sentiu exposto, vulnerável de um jeito que o fazia querer desaparecer.
Mas antes que pudesse responder, Cas deu um passo à frente, sua voz cortante como gelo.
— Cuidado com o que você diz, Eric.
Eric riu, mas havia algo forçado naquele som. Ele se endireitou, como se quisesse recuperar alguma sensação de controle, e lançou um olhar desafiante a Cas.
— Isso não é da sua conta. Fique fora do nosso relacionamento. Ellin sabe das consequências.
Cas ergueu uma sobrancelha, e o queixo dele se inclinou levemente para o lado, em um gesto quase casual, mas que escondia uma tensão prestes a explodir.
— E você também sabe das consequências — retrucou Cas, a voz ainda calma, mas carregada de uma ameaça velada. — Se você decidir tornar a vida do Ellin um inferno, eu vou tornar a sua um inferno muito pior.
A tensão no ar era quase palpável. Eric hesitou, e Ellin pôde ver a raiva nos olhos dele vacilar por um momento, como se ele estivesse avaliando se valia a pena continuar aquela briga. Mas Eric nunca soubera quando recuar.
— Você acha tão foda, não é? Tao durão — cuspiu, sua voz se elevando. — Você não passa de um alfa de merda. Você não merece ele.
Cas não vacilou, seu olhar firme e inabalável.
— Engraçado, acha que tem direito a ele depois de tudo o que fez? Você não passa de um valentão, Eric. E eu não vou deixar você machucá-lo de novo.
Os punhos de Eric se cerraram, seu corpo tremendo de raiva contida.
— Você acha que pode simplesmente aparecer aqui e tomá-lo de mim? Ele é meu.
— Não — disse Cas, sua voz firme e definitiva. — Ele não é seu. E nunca foi. Se você quer continuar brincando de casal perfeito, ótimo. Mas saiba que eu estarei sempre observando.
Ellin permaneceu imóvel, seu coração batendo tão forte que tinha certeza de que os dois podiam ouvi-lo. Ele se sentia pequeno, preso entre os dois alfas cujas vozes preenchiam a sala com a tensão crescente. Mas, através de tudo isso, as palavras de Cas eram um fio de esperança, um lembrete de que ele não estava sozinho.
O rosto de Eric se contorceu em raiva, seu corpo tensionando como se estivesse prestes a avançar. Mas antes que ele pudesse se mover, Cas deu um passo à frente, sua voz baixa e ameaçadora.
— Você fez sua escolha, Eric. Agora lide com ela.
Os olhos de Eric se arregalaram, seu corpo congelando por um instante antes de ele dar um passo para trás. Ele olhou entre Cas e Ellin, sua expressão uma mistura de raiva e outra coisa — algo que parecia quase derrota. Finalmente, ele se virou e saiu da sala, batendo a porta com força atrás de si.
O silêncio tomou conta do ambiente, a tensão se dissipando lentamente.
Ellin sentiu as pernas tremerem, seu corpo prestes a ceder sob o peso de tudo o que acabara de acontecer. Mas antes que pudesse cair, Cas estava lá, envolvendo-o em um abraço firme e protetor.
— Você está bem? — murmurou Cas, sua voz suave e acolhedora.
Ellin assentiu, seu rosto enterrado no peito de Cas.
— Eu… acho que sim — sussurrou, sua voz trêmula.
Cas pressionou um beijo no topo de sua cabeça, apertando-o um pouco mais.
— Ele não vai mais te machucar. Eu prometo.
Ellin soltou um suspiro trêmulo, suas mãos agarrando a camisa de Cas.
— E se ele tentar algo? Se ele—
— Eu não vou deixar — Cas o interrompeu, sua voz firme e determinada. — Você está seguro comigo, Ellin. Sempre.
O peito de Ellin doía com a intensidade das emoções, seus olhos ardendo com lágrimas não derramadas. Ele queria acreditar em Cas, confiar que tudo ficaria bem. Mas o medo ainda estava lá, uma sombra persistente em sua mente.
Cas se afastou um pouco, suas mãos segurando o rosto de Ellin.
— Olhe para mim — disse suavemente. Seus olhos estavam cheios de calor e determinação, e o coração de Ellin se encheu de afeto. — Eu falo sério, Ellin. Ninguém vai te machucar. Não enquanto eu estiver aqui.
Ellin assentiu, suas mãos cobrindo as de Cas.
— Eu confio em você — sussurrou, sua voz mal audível. — Mas… isso não acabou, não é?
— Infelizmente não, mas vai. Eu prometo.
—–
Cas ajustou a jaqueta de couro pendurada em seus ombros, as correntes em sua calça tilintando a cada passo enquanto caminhava pelo corredor. A fantasia de delinquente era um pouco exagerada, jeans rasgados, cabelo desgrenhado e delineador que o fazia parecer que tinha acabado de sair de um show de rock, mas sua turma insistiu que era perfeita para o tema da cafeteria “Reformatório Café”.
Ele tinha dito a Ellin que não iria ao evento, mas ao descobrir que valia créditos extras na escola, achou que não faria mal dar uma passada. Além disso, queria ver Ellin.
O corredor estava movimentado com alunos vestidos em todo tipo de fantasia, e Cas não pôde evitar se sentir deslocado. Ele olhou ao redor, tentando encontrar a sala de Ellin. Quando finalmente a localizou, foi recebido por uma cena saída diretamente de um drama da era vitoriana. Garotos e garotas em vestidos de empregada com babados e ternos de mordomo bem ajustados circulavam pelo local, servindo chá e doces em bandejas delicadas. A sala estava decorada com toalhas de renda e arranjos florais, e o ar tinha um leve cheiro de lavanda e açúcar.
Cas percorreu o ambiente com os olhos, procurando por Ellin, mas não o viu. Ele se aproximou de uma das garotas, que usava um vestido de empregada com um avental rendado e uma tiara combinando.
— Ei — ele chamou, com a voz baixa —, você viu o Ellin?
Antes que ela pudesse responder, um alvoroço vindo da sala ao lado chamou a atenção de todos. As vozes se elevaram, seguidas por risadas altas e o som de algo caindo no chão. Os olhos de Cas se voltaram para o barulho no momento exato em que viu Ellin sendo arrastado para fora da sala por um grupo de garotas rindo.
Elas estavam todas vestidas de empregadas, mas Ellin… Ellin também estava usando um vestido. O traje preto e branco com babados se ajustava à sua silhueta esguia, o avental amarrado com perfeição em sua cintura. Suas bochechas estavam coradas, e seus olhos arregalados de puro pânico.
— Ah, qual é, Ellin! É só dessa vez! — Disse uma das garotas, rindo enquanto puxava seu braço.
— Sim, você está adorável! — Outra acrescentou, apertando sua bochecha.
Ellin parecia mortificado. Ele tentava se soltar, mas as garotas eram insistentes.
— Parem com isso — ele disse, a voz trêmula —, eu não quero ir.
O peito de Cas se apertou. Sem pensar, ele começou a se aproximar, mas antes que pudesse alcançar Ellin, o ômega se soltou do alerto das garotas e disparou pelo corredor. Seus passos ecoavam enquanto ele corria, a barra do vestido de empregada esvoaçando atrás de si. Cas lançou um olhar de reprovação para as garotas, que estavam chocadas, e então saiu correndo atrás de Ellin, seu coração martelando no peito.
Ele o encontrou em uma sala vazia no final do corredor. O ômega estava sentado no chão, com os joelhos puxados contra o peito e o rosto enterrado nas mãos. Seus ombros tremiam com soluços silenciosos, e o som fez o estômago de Cas revirar.
— Ellin — Cas chamou suavemente, entrando na sala e fechando a porta atrás de si —, você está bem?
Ellin levantou o rosto, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.
— Eu estou ridículo — ele sussurrou, a voz falhando —, elas acharam engraçado me vestir assim, mas não é engraçado. É humilhante.
Cas se agachou à sua frente, pousando as mãos nos joelhos de Ellin.
— Você não está ridículo — ele disse firmemente —, você está lindo. Acredite em mim, ninguém estava rindo quando você saiu correndo. — Murmurou Cas, sua voz baixa e firme.
Ellin ergueu o rosto, confuso. Seus olhos estavam vermelhos e úmidos, a expressão vulnerável.
— Eles estavam admirando você — Cas continuou, encarando-o com seriedade.
Um silêncio caiu entre eles, pesado, repleto de subtextos que Ellin não sabia como interpretar.
— Não minta para me confortar… — murmurou, desviando o olhar.
Cas bufou, afastando-se apenas o suficiente para segurar seu rosto com as mãos.
— Você já me viu mentir antes?
Ellin hesitou. Cas nunca dizia nada para agradar os outros. Se ele falava aquilo, então…
— Sim, você mentiu para mim sobre estar doente.
— Isso não é junto, eu estava machucado… eu só menti porque não queria te preocupar.
— Eu sei…me desculpe. — Seus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra veio. Ele apenas respirou fundo, deixando a tensão se dissipar aos poucos. — Eu só… queria que tivessem me perguntado antes — admitiu, a voz mais baixa agora. — Não gosto de sentir que não tenho escolha.
Cas assentiu, os polegares traçando um caminho sutil contra a pele quente de seu rosto.
— Então, da próxima vez, você escolhe o que quer vestir.
Ellin piscou, surpreso.
— Da próxima vez…?
Cas ergueu uma sobrancelha, como se fosse óbvio.
— Se a sua sala não precisar de uma garçonete extra, meu time de delinquentes aceita uma.
O riso inesperado escapou da garganta de Ellin, pequeno, mas genuíno.
Cas o observou por um momento antes de soltar um suspiro satisfeito.
Ellin fungou, assentindo devagar. E pela primeira vez, desde que aquilo começou, ele não se sentiu tão ridículo assim.
— Você é a pessoa mais bonita que eu já vi, Ellin. E qualquer um que não enxergue isso é um idiota.
As bochechas de Ellin coraram, e ele desviou o olhar, mas Cas percebeu o leve sorriso que começava a se formar em seus lábios.
— Você é gentil.
— Eu não quero que você pense o contrário de si mesmo, nunca.
Ellin respirou fundo, seus ombros relaxando enquanto se inclinava contra o toque de Cas. O olhar intenso dele era quase palpável, como se fosse capaz de atravessar qualquer barreira que Ellin tentasse erguer. Era constrangedor e reconfortante ao mesmo tempo.
— Pare de me encarar tanto… — murmurou, desviando o olhar.
Cas não obedeceu.
— Não consigo — admitiu, sem o menor traço de hesitação —, você está lindo.
Ellin apertou os lábios, o rosto aquecendo com a afirmação direta. Cas nunca foi do tipo que dizia coisas apenas por dizer, e saber disso tornava tudo ainda mais difícil de ignorar.
— Não quero voltar para lá — ele fechou os olhos por um instante, tentando afastar a sensação de todos os olhares sobre si —, não quero que vejam…
Cas cruzou os braços, concordando sem a menor hesitação.
— Nem eu — seu tom era sério, quase sombrio —, não quero que ninguém veja você assim.
Ellin riu, balançando a cabeça.
— Você é bom demais para mim, Cas.
Ellin o observou por um momento, sentindo a tensão se desfazer pouco a pouco. Cas, com seu uniforme desleixado e a postura relaxada, parecia completamente deslocado dentro daquele evento, mas ainda assim…
— Você também está bonito.
Cas piscou, surpreso, como se a possibilidade nunca tivesse passado por sua cabeça.
— É mesmo? — Ellin assentiu, seus olhos percorrendo o corpo de Cas. — Bom, você fica ainda melhor nesse vestido de empregada.
As bochechas de Ellin coraram novamente, mas ele não desviou o olhar.
Ellin sorriu, a ponta dos dedos traçando um caminho delicado pelo rosto dele, sentindo a pele quente sob o toque. Cas não recuou, não desviou o olhar. Apenas ficou ali, absorvendo cada movimento, cada nuance daquele instante.
Ellin se inclinou e capturou os lábios de Cas em um beijo suave, mas apaixonado.
O ômega derreteu contra ele, suas mãos se enredando nos cabelos do alfa enquanto Cas retribuiu sem hesitar, segurando sua cintura com firmeza, puxando-o para mais perto, como se quisesse garantir que ninguém jamais o arrancaria de seus braços.
Quando finalmente se afastaram, Ellin estava ofegante, as bochechas ainda mais coradas e os olhos brilhando.
E então, sem aviso, ergueu Ellin no ar.
Ellin arfou, surpreso, as mãos agarrando os ombros dele em busca de equilíbrio. O vestido esvoaçante flutuou ao redor deles, os laços e babados dançando no ar. Cas não conseguia desviar o olhar. O riso leve de Ellin, seu rosto iluminado, o brilho suave de seus olhos… tudo nele era hipnotizante.
Ellin inclinando-se para beijá-lo novamente, o coração disparado no peito. Mas, quando seus lábios estavam prestes a se tocar, um barulho alto no corredor fez os dois sobressaltarem. Os olhos de Ellin se arregalaram, e ele olhou na direção da porta, o corpo tenso.
Cas pousou uma mão tranquilizadora no ombro de Ellin, sua voz calma e firme.
— Está tudo bem. É só alguém passando. Ninguém vai entrar aqui. — Ellin assentiu, sentindo o nervosismo se dissipar. — Você deve manter esse sorriso — murmurou, a voz rouca.
Ellin ainda ria quando se segurou nele com mais força.
— Para quê?
Cas o colocou de volta no chão, segurando seu rosto entre as mãos com um toque deliberadamente gentil.
— Para voltar lá e fazer um bom trabalho. Eu vou estar lá com você.
Ellin piscou, os olhos azuis refletindo a determinação de Cas.
— Mas… sua turma…
— Esquece a minha turma — Cas disse, a voz firme —, você é mais importante do que qualquer evento idiota —
Ellin abaixou o olhar por um instante, sentindo um calor diferente se espalhar por seu peito. Quando voltou a encará-lo, havia algo suave em sua expressão, algo que apenas Cas parecia ser capaz de despertar.
— Então vamos.
Cas assentiu, sem soltar sua mão. E, dessa vez, Ellin não se sentiu sozinho ao atravessar aquelas portas novamente.
—-
Cas e Ellin voltaram para a sala de aula, com o zumbido suave da conversa enchendo o ar enquanto os alunos se movimentavam. As garotas que haviam pressionado Ellin mais cedo estavam perto do fundo, com o rosto envergonhado. Uma delas, uma loira com um sorriso nervoso, aproximou-se primeiro, enrolando uma mecha de cabelo no dedo.
— Ellin, sinto muito — começou ela, com a voz um pouco trêmula —, não deveríamos tê-lo forçado a usar aquela roupa. Não foi justo com você.
Ellin olhou para Cas, que estava solidamente ao seu lado, uma presença tranquilizadora. Ele deu a Ellin um aceno sutil, com os olhos quentes de encorajamento. Ellin se virou de volta para a garota e deu um pequeno sorriso.
— Está tudo bem — disse ele suavemente —, estou bem agora.
As outras meninas pediram desculpas, suas vozes se sobrepondo em uma onda de sinceridade. Depois de alguns instantes, uma delas apontou para uma mesa cheia de pratos doces e bebidas.
— Estamos nos preparando para o evento. Você se importaria de nos ajudar? — perguntou ela, com um tom esperançoso.
Ellin hesitou, olhando para Cas novamente.
— Vá em frente. Eu estarei aqui.
Ellin assentiu e seguiu as meninas, seus movimentos eram graciosos apesar da tensão persistente em seus ombros. Cas o observava enquanto ele se movia pela sala, seu olhar se detinha no modo como o cabelo de Ellin captava a luz, no modo como suas mãos – delicadas, mas seguras – lidavam com os pratos com facilidade.
De vez em quando, um aluno se aproximava de Ellin, oferecendo um elogio ou um sorriso tímido. Ellin respondia com um aceno educado, seus lábios se curvavam em um sorriso pequeno e distante. No entanto, ele não se demorava na conversa, sempre voltando às suas tarefas com uma determinação tranquila.
Cas se encostou na parede, com os braços cruzados sobre o peito. Ele não podia deixar de admirar a beleza de Ellin, mesmo em meio a tudo isso. Havia algo tão vulnerável nele, mas tão forte – um paradoxo que Cas achava totalmente cativante.
Depois de um tempo, Ellin voltou para onde Cas estava, carregando um pequeno prato com uma sobremesa de aparência delicada e uma xícara de café. Ele os colocou sobre a mesa em frente a Cas, com as bochechas tingidas de um leve rubor.
— Achei que você gostaria disso… — disse, esforçando-se para soar casual. — É um prato simples e doce. Espero que esteja bom.
Cas não respondeu imediatamente. Seu olhar pousou em Ellin com uma intensidade serena, mas tão firme que qualquer tentativa de dissimulação por parte do ômega parecia desmoronar sob aquele peso silencioso. Ele pegou o garfo com tranquilidade, mas sem desviar os olhos do rosto delicado à sua frente. Quando provou a sobremesa, mastigou devagar, absorvendo o sabor e deixando o momento se estender em uma quietude proposital antes de assentir com a cabeça.
— Está bom — murmurou, e sua voz carregava aquela rouquidão grave que fazia tudo soar mais significativo. — Você ajudou a fazer isso?
A pergunta era despretensiosa, mas a maneira como fora formulada, o tom quente e quase gentil, fazia parecer que Cas estava perguntando mais do que aquilo. Ellin abaixou os olhos rapidamente, como se a proximidade emocional implícita na conversa fosse súbita demais para suportar.
— Não… — respondeu, e sua voz era um fio, quase inaudível. — Eu só fiz o café.
Cas riu baixinho, e o som reverberou entre eles como uma corrente suave, carregada de conforto. Era um riso raro, e talvez por isso tivesse o efeito de aquecer o ambiente ao redor.
— Bem… então o café deve estar incrível — disse ele com uma leveza quase brincalhona, como se aquela fosse sua forma de desarmar o nervosismo de Ellin.
O rubor nas bochechas de Ellin se aprofundou, e ele abriu a boca para responder, mas antes que qualquer palavra pudesse surgir, o instante foi brutalmente interrompido. Uma voz cortou o ar como uma lâmina, carregada de sarcasmo e malícia mal disfarçada.
— Ora, ora… se não é a minha empregada favorita.
O coração de Ellin congelou no peito. Aquele timbre inconfundível, envolto em cinismo e superioridade, imediatamente trouxe à tona memórias que ele preferia esquecer. Ele se virou devagar, sentindo o peso daquela presença mesmo antes de seus olhos confirmarem o inevitável.
Eric estava parado na entrada da sala, ladeado por dois amigos que pareciam mais do que dispostos a alimentar o espetáculo que estava prestes a começar.
O sorriso de Eric era tão afiado quanto seu olhar predatório, e havia algo em sua postura que exalava arrogância contida — o tipo de controle sutil que tornava suas provocações ainda mais insidiosas. Sem pressa, ele entrou na sala, os passos medidos e precisos, como se já soubesse que toda a atenção estava sobre ele.
Cas se enrijeceu ao lado de Ellin. Não falou, não fez nenhum gesto brusco, mas a tensão que emanava dele era palpável. Seus dedos apertaram a borda da mesa com uma força discreta, e seus olhos se fixaram em Eric com uma intensidade que, embora silenciosa, prometia tempestades.
Ellin respirou fundo e recuou instintivamente, suas costas se chocando contra o peito firme de Cas, em busca de um refúgio silencioso que ele sabia estar ali.
O olhar de Eric deslizou sobre Ellin com uma lentidão meticulosa, demorando-se mais do que o necessário, e a mistura de admiração e algo mais sombrio que transparecia em seus olhos tornou o momento ainda mais desconfortável.
— Ouvi dizer que você andou se vestindo como empregada… — comentou Eric, com aquela voz carregada de falsa doçura, o tipo de tom que mascarava ironia sob um verniz de charme perverso. — Tive que vir ver com meus próprios olhos.
Antes que Ellin pudesse reagir, Eric estendeu a mão e deixou os dedos roçarem sua bochecha em um gesto que pretendia parecer carinhoso, mas que era tão invasivo que Ellin teve que se segurar para não recuar. Seus lábios se apertaram em uma linha fina, e sua respiração ficou presa quando Eric, sem qualquer aviso, inclinou-se e deixou um beijo rápido e possessivo em seus lábios.
O som quase inaudível do ranger dos dentes de Cas foi o único indício visível da raiva fervente que ele mantinha sob controle. Suas mãos se fecharam em punhos rígidos ao lado do corpo, mas ele não se moveu. Não ainda. Ellin levantou a mão levemente, como se pedisse silêncio, sua expressão uma mistura de suplicação e autocontrole forçado.
— Eric… — murmurou Ellin, a voz trêmula. — Por que você fez isso? Nós terminamos.
Eric riu, um som baixo e zombeteiro, enquanto seus amigos trocavam olhares divertidos, claramente mais interessados no desenrolar daquela cena do que em qualquer aula que tivessem deixado para trás.
— Qual é… foi só uma briguinha, amor. Não seja tão dramático, tudo bem?
Ellin sentiu a bile subir em sua garganta, mas manteve a expressão firme. Ele sabia que fraquejar era tudo o que Eric esperava, e ceder ao medo só prolongaria aquilo. Endireitando-se, ele respirou fundo e falou novamente, desta vez com uma determinação que talvez ele próprio não soubesse possuir.
— Não foi só uma briga. Não estamos mais juntos, e eu não quero mais te ver.
A resposta o surpreendeu. Por um momento breve, o sorriso de Eric vacilou, substituído por um lampejo de irritação que ele tentou disfarçar rapidamente. Mas a fachada de controle havia rachado.
Ele deu um passo adiante, invadindo ainda mais o espaço pessoal de Ellin.
— Você está tão lindo — murmurou ele, ignorando o que acabara de ouvir, os olhos percorrendo-o com uma admiração desconcertante. — Você sabe disso, não sabe?
Ellin recuou mais um passo, sentindo o peso de seu próprio coração martelando contra as costelas, como se quisesse escapar do aperto sufocante que se formava em seu peito. O olhar de Eric parecia queimá-lo, afiado como uma lâmina, e cada fibra de seu ser gritava por distância.
— Por favor, Eric… Saia daqui — pediu, com a voz mais firme do que esperava, mas não o suficiente para mascarar o tremor subjacente.
Por um breve instante, o sorriso pretensioso de Eric vacilou. A máscara de cordialidade que ele usava com tanta maestria escorregou, revelando algo mais sombrio e menos paciente por trás do verniz encantador. Seus dedos, ágeis e frios, envolveram o pulso de Ellin com uma pressão firme – não forte o bastante para feri-lo, mas o suficiente para enviar uma mensagem clara: ele não estava disposto a ser ignorado.
— Vamos, Ellin — insistiu com um tom que beirava a doçura traiçoeira, como se tentasse envolvê-lo em mel envenenado. — Saí da minha própria aula só para ver você. O mínimo que poderia fazer é passar um tempo comigo.
O estômago de Ellin se revirou, e uma tensão amarga tomou conta de seus músculos. Ele tentou se afastar, mas Eric não cedeu. O toque que antes era apenas insinuante agora deixava transparecer um aviso silencioso: não desafie.
— Eu não quero, Eric — respondeu Ellin, os dedos começando a formigar sob o aperto.
A recusa ressoou no ar como um eco pesado, e algo nos olhos de Eric escureceu. Seu sorriso diminuiu, tornando-se quase imperceptível, e o aperto em torno do pulso de Ellin aumentou, ainda sem feri-lo, mas com uma possessividade que fez cada célula de seu corpo gritar em alerta. Ele não precisava falar – o gesto já carregava a promessa de que não estava acostumado a ouvir um “não”.
— Vamos — repetiu Eric, a voz baixa, densa e carregada de uma autoridade que ele parecia achar inquestionável.
Ellin respirou fundo, forçando-se a manter o olhar firme, ainda que o medo latejasse sob sua pele. Ele não queria fazer uma cena. Não queria chamar a atenção. Mas, naquele instante, algo se rompeu dentro dele, uma pequena centelha de resistência que se recusava a ser esmagada.
Num movimento brusco e decidido, ele puxou o braço para longe, rompendo o contato e retrocedendo com uma intensidade que ele mesmo não sabia possuir.
— Não! — Sua voz ecoou pelo ambiente, e o rompante de firmeza, embora breve, parecia ter surpreendido até ele.
Por um instante que pareceu se arrastar indefinidamente, o ar ficou mais denso, e a expressão de Eric oscilou. Por trás do controle calculado, havia irritação – uma faísca de frustração que ele claramente lutava para disfarçar. Ele não gostava de ser contrariado.
Mas não era estúpido. Não ali. Consciente de onde estava e dos olhares curiosos que começavam a se voltar para eles, Eric finalmente soltou Ellin e deu um passo para trás, ajeitando o colarinho com um sorriso que não alcançou seus olhos.
— Tudo bem, amor. Sei que está ocupado — disse ele, em um tom leve e carregado de subtexto. Suas palavras eram suaves, mas havia uma ponta de ameaça latente em sua voz, como se o “até mais tarde” soasse mais como uma promessa do que uma despedida.
Ellin não respondeu. Ficou imóvel, assistindo Eric se afastar com seus amigos a tiracolo, ainda rindo baixinho como se a tensão mal tivesse existido. Eles desapareceram pela porta, deixando para trás o rastro de uma presença que parecia contaminar o ambiente.
O silêncio que restou foi quase ensurdecedor. O corpo de Ellin finalmente relaxou, e o alívio veio em ondas, ainda trêmulo, mas presente. Seu coração continuava acelerado, mas ele conseguiu puxar um suspiro profundo, como se finalmente estivesse emergindo debaixo d’água após segurar o fôlego por tempo demais.
Ele voltou para a mesa com passos hesitantes e se sentou diante de Cas sem dizer nada. Sua cabeça estava baixa, o olhar perdido entre os livros e as canetas, quase envergonhado pelo que acabara de acontecer.
Cas não disse nada de imediato. Apenas o observou com atenção, a expressão sempre serena, embora seus olhos brilhassem com algo mais profundo – uma mistura de preocupação e afeto que ele raramente verbalizava. Com um gesto quase distraído, ele estendeu a mão e afastou uma mecha do cabelo de Ellin que caíra sobre seu rosto, o toque leve como uma brisa.
— Você está bem? — perguntou Cas, sua voz baixa e gentil, como se temesse assustá-lo.
Ellin levantou os olhos e encontrou o olhar dele. Por um momento, a inquietação em seu peito diminuiu, substituída por uma estranha sensação de segurança que só Cas conseguia lhe proporcionar.
— Estou… Estou bem — respondeu Ellin, embora sua voz ainda estivesse um pouco vacilante. Ele mordeu o lábio e desviou o olhar novamente, quase sem querer. — Eu só… lamento que você tenha visto isso.
Cas balançou a cabeça, e seu polegar deslizou suavemente pela bochecha de Ellin em um gesto tão natural quanto respirar.
— Você não tem nada pelo que se desculpar. Estou orgulhoso de você. Você o enfrentou. Isso não é fácil.
As palavras de Cas foram tão sinceras que algo dentro de Ellin pareceu derreter. Seu peito apertado relaxou um pouco, e seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso, ainda que tímido e carregado de resquícios de nervosismo.
— Obrigado… por estar aqui — murmurou Ellin, com os olhos brilhando, embora as lágrimas que ameaçavam cair fossem agora menos de medo e mais de alívio.
A mão de Cas permaneceu ali por mais um instante, um ponto de ancoragem silencioso, antes que ele finalmente a retirasse e voltasse o olhar para a porta onde Eric desaparecera. Havia algo em seus olhos que Ellin não soube identificar, algo sombrio e protetor que contrastava com a calma habitual de Cas.
Mas ele não perguntou. Não precisava. Cas estava ali, e, por enquanto, isso era o suficiente.
—-
As mãos de Ellin tremiam enquanto ele lutava para desabotoar os botões da camisa justa. O tecido estava levemente úmido e colava-se ao seu peito, pressionando de forma incômoda contra os seios inchados. A dor insistente reverberava com cada batida do coração, uma lembrança constante da negligência que ele impusera ao próprio corpo. Desde a noite anterior, envolvido nos preparativos exaustivos para o evento da sua classe, Ellin vinha adiando a drenagem, protelando o inevitável até o último momento. Agora, estava pagando o preço.
Ele lançou um olhar ao celular sobre a escrivaninha ao lado. A tela apagada refletia apenas uma versão borrada do seu rosto inquieto. Cas provavelmente já estava esperando por ele no saguão. Ellin mordiscou o lábio inferior, a ansiedade apertando-lhe o peito. Poderia resolver aquilo rapidamente e seguir em frente. Só precisava trocar de roupa e correr para encontrá-lo. Nada mais. Cas o ajudaria a relaxar, como fazia sempre, com sua presença firme e silenciosa, oferecendo segurança sem precisar de palavras.
Respirando fundo, Ellin desabotoou o último botão da camisa. O ar frio da sala tocou sua pele superaquecida, provocando um arrepio involuntário que lhe subiu pela espinha. Seus dedos pairaram sobre o peitoral exposto, hesitantes. Ele precisaria aliviar a pressão antes que a dor se tornasse insuportável. E, ainda assim, a ideia de fazer isso ali, sozinho, fazia seu estômago se revirar.
No instante em que decidiu colocar a camisa de volta e sair dali, a porta rangeu. O som abrupto ecoou na sala vazia e o congelou no lugar, o coração disparando como se quisesse rasgar-lhe o peito. Ele ergueu os olhos a tempo de ver Eric cruzar a soleira com passos lentos e predatórios, fechando a porta atrás de si com um clique suave, porém opressor.
— Ora, ora… — A voz arrastada e provocadora de Eric ressoou pelo ambiente, e Ellin sentiu o sangue gelar em suas veias. — Parece que eu o peguei em um momento… vulnerável.
O sorriso de Eric era largo e satisfeito, irradiando aquele tipo de malícia perigosa que fazia os instintos de Ellin gritarem. Sua mente começou a trabalhar freneticamente, buscando uma saída, uma forma de escapar antes que a situação saísse do controle.
Com um movimento quase imperceptível, ele deslizou a mão pelo tampo da escrivaninha até alcançar o celular e pressionou o botão de gravação. A tela permaneceu apagada, discreta, enquanto o microfone começava a registrar cada som da sala.
Ele não podia prever o que Eric faria, mas alguma coisa lhe dizia que teria provas do que acontecesse ali. Não podia se permitir ser apanhado desprevenido outra vez.
Eric deu mais um passo à frente, os olhos cravados no peito exposto de Ellin, que instintivamente cruzou os braços sobre o corpo. A dor latejante não ajudava, mas o desconforto psicológico era infinitamente pior.
— Me deixe em paz, Eric — disse ele, a voz firme apesar do nó que começava a apertar sua garganta.
Mas Eric não recuou. Em vez disso, riu baixinho, um som cheio de desdém.
— Por que tanta pressa? — Provocou. — Não está feliz em me ver?
Ellin recuou um passo e sentiu a borda da escrivaninha pressionar-se contra a parte de trás de suas coxas. Estava encurralado. Sua respiração ficou mais curta, mas ele se obrigou a manter o olhar firme, sem desviar.
— Eu disse… para me deixar em paz. — Dessa vez, o tom saiu mais baixo, mas havia um fio de ameaça contido nele.
Eric arqueou uma sobrancelha, como se achasse graça naquilo. Depois, aproximou-se até ficar a poucos centímetros de distância. A tensão pairava entre eles, pesada e sufocante.
— Sabe… — murmurou Eric, inclinando-se levemente para a frente —, eu estava esperando por isso. Pelo dia em que você estaria sozinho. Sem o seu precioso alfa para protegê-lo.
Ellin engoliu em seco, mas manteve-se firme, mesmo quando o instinto o mandava correr. Ele precisava ganhar tempo, manter a calma e torcer para que alguém aparecesse. Ou que Cas percebesse sua ausência prolongada e viesse procurá-lo.
— Eu não preciso de ninguém para me proteger. — A voz de Ellin saiu cortante, mas Eric pareceu não se abalar.
Ao contrário, ele deu um sorriso mais largo, cheio de escárnio, e estendeu a mão para agarrar o pulso de Ellin. Os dedos de Eric apertaram sua pele, forçando-o a descruzar os braços e expondo novamente seu peito.
— Não seja modesto, Ellington — sussurrou Eric, o tom insinuante como uma lâmina fria contra a pele. — Todos sabemos que você sempre foi… especial.
O estômago de Ellin revirou. A náusea crescia junto com o medo, mas ele sabia que precisava manter o controle. Se mostrasse fraqueza, Eric não hesitaria em ir mais longe. Enquanto isso, o celular continuava gravando em silêncio, capturando cada palavra, cada som, cada respiração ofegante.
Ellin puxou o braço com força, rompendo o contato e afastando-se meio passo, ainda encurralado, mas decidido a não se dobrar. Havia um fogo latente em seus olhos, algo que queimava sob o medo e a náusea.
— Eu não sei o que você acha que está fazendo, Eric, mas isso termina aqui. — Disse ele, com a voz baixa, porém firme.
Por um instante, Eric o encarou em silêncio. Seu sorriso torceu-se em algo mais sombrio, menos brincalhão, carregado de uma frustração silenciosa. A mudança em sua expressão fez a espinha de Ellin se enrijecer ainda mais.
— Termina aqui? — Eric repetiu, sua voz agora impregnada com uma falsa doçura, como mel misturado a veneno. Ele riu com escárnio. — Você realmente acredita que pode se livrar de mim assim tão fácil, Ellington?
Ellin apertou os punhos, sentindo o suor frio acumulando-se na nuca. Sua respiração estava mais curta, mas ele não recuou. Não permitiria que Eric o intimidasse. Não dessa vez.
Porém, Eric pareceu se divertir ainda mais com aquela tentativa de resistência. Lentamente, ele enfiou a mão no bolso do casaco e puxou o próprio celular. O brilho da tela azulada iluminou seu rosto por um segundo, destacando o brilho malicioso em seus olhos.
— Vamos ver o quanto você está disposto a manter esse joguinho de superioridade depois de ver isso. — Ele deslizou os dedos pela tela com um gesto casual, e então virou o aparelho para Ellin.
O mundo pareceu inclinar-se sob os pés de Ellin. Ele piscou, confuso por um instante, até que seu cérebro processou as imagens que preenchiam a tela.
Eram fotos. Fotos dele.
A primeira mostrava seu dorso exposto, o ângulo focando de seu queixo para baixo. O brilho de leite em sua pele era inconfundível, assim como a maneira como ele segurava a própria camisa desabotoada, claramente constrangido. Em outra imagem, suas mãos cobriam parte do peito, mas o líquido escorrendo tornava impossível não entender o que estava acontecendo.
Ellin sentiu o rosto arder, o sangue abandonando seu corpo para se acumular ali, em uma onda de vergonha paralisante.
— Como você…? — A voz dele falhou, mal saindo como um sussurro.
— Como eu consegui essas fotos? — Eric completou por ele, inclinando-se levemente, triunfante. — Ah, Ellin… Você deveria prestar mais atenção ao seu redor. Não faço ideia de quantas vezes você se expôs sem perceber, mas… bem, a câmera do meu celular agradece.
Ellin cambaleou para trás, os joelhos parecendo fracos. Sua mente tentava desesperadamente encontrar uma lógica naquela situação. Fotos… Quando ele poderia ter sido visto? Seria possível que Eric estivesse observando-o há tanto tempo assim, sem que ele tivesse notado?
Mas o pior veio no momento seguinte. Eric sorriu de um jeito quase satisfeito e murmurou:
— Não se preocupe. Já espalhei isso por aí faz uns dias… só você ainda não tinha percebido. Mas agora… Ah, eu imagino que a escola inteira já tenha visto.
Ellin arregalou os olhos, e o celular quase escorregou de seus dedos. A gravidade do que Eric dizia atingiu-o com força total, como um soco direto no estômago. Suas mãos começaram a tremer incontrolavelmente, e ele sentiu o ar escapar de seus pulmões em curtas e desordenadas lufadas.
— Você… você está mentindo… — murmurou, a voz trêmula.
— Mentindo? — Eric ergueu uma sobrancelha e inclinou a cabeça. — Não é como se fosse difícil verificar, Ellin. Tenho certeza de que, se você der uma olhada nas redes sociais da escola, encontrará alguns comentários interessantes sobre… — Ele olhou para a tela do celular, como se verificasse algo ali. — Ah, sim… sobre você.
Ellin sentiu as pernas falharem e teve que apoiar-se na mesa para não cair. Sua visão estava começando a embaçar, o coração disparado e a vergonha crescendo como uma maré avassaladora.
— Por que…? — sussurrou, sentindo-se esmagado. — Por que você faria isso?
Eric riu, um som frio e desprovido de qualquer traço de humanidade.
— Porque eu posso.
Ele se aproximou novamente, agora com a expressão transformada em algo quase cruel.
— Parece que esses seus seios não conseguem mais viver sem serem ordenhados — Eric zombou, seus dedos beliscando com força o mamilo de Ellin.
Ellin ofegou, a dor e a humilhação inundando seu corpo enquanto o leite começava a escorrer de seu mamilo. Eric riu, sua outra mão agarrou o outro seio de Ellin, apertando com força suficiente para fazê-lo gemer.
— Pare! — Ellin gritou, suas mãos empurrando inutilmente contra o peito de Eric.
Mas Eric o ignorou, sua boca se fechou sobre o mamilo de Ellin, chupando com força. Os joelhos de Ellin se dobraram, uma mistura de vergonha e prazer indesejado fazendo sua cabeça girar.
— É isso aí — disse Eric entre as chupadas, suas mãos se movendo para apertar os dois seios de Ellin, forçando a saída de mais leite. — Você é apenas uma vadia, não é? Disposta a ser ordenhado por qualquer um.
— Isso não é verdade! — Ellin se engasgou, com lágrimas nos olhos.
— Não é? — Eric se afastou, seu sorriso cruel. — Porque você está me deixando fazer isso, não está?
Antes que Eric pudesse continuar, a porta se abriu com força.
— Tire suas mãos de cima dele!
A voz de Cas rugiu pela sala, e Ellin sentiu uma onda de alívio tão forte que quase o derrubou. Eric mal teve tempo de se virar antes que a mão de Cas se fechasse em torno da gola de sua camisa, puxando-o para longe de Ellin.
— Olha só… Se não é o novo namoradinho salvador — disse Eric, em tom sarcástico.
Cas não respondeu de imediato. Calmamente, ele ergueu o celular que segurava e deu dois toques na tela, parando a gravação.
— Peguei tudo. — Disse ele, a voz baixa, mas carregada de ameaça. — Cada palavra que você acabou de dizer e tudo o que fez desde que entrou aqui.
Eric piscou, e por um momento o sorriso desapareceu de seu rosto.
— Você…
Cas deu um passo para dentro da sala, e a tensão no ambiente tornou-se palpável.
— Agora, aqui está o que vai acontecer, Eric. Você vai sair daqui. Vai se preparar, porque a sua vida vai virar um inferno e, se eu ouvir que você se aproximou do Ellin de novo, vamos resolver isso de um jeito que você não vai esquecer.
Eric engoliu em seco, o rosto pálido. Por um momento, pareceu considerar retrucar, mas o olhar assassino de Cas o desarmou. Sem dizer mais nada, Eric girou nos calcanhares e saiu da sala.
Quando a porta se fechou com um clique seco, Ellin sentiu o chão lhe escapar. O peso acumulado em cada músculo enfim venceu sua resistência, e ele desabou na cadeira mais próxima, ofegante e sem forças.
O ar parecia denso demais para seus pulmões, cada inspiração rasgando sua garganta enquanto ele tentava absorver o que havia acabado de acontecer. Antes que o pânico pudesse aflorar, Cas estava ali, ao seu lado, firme e inabalável, sua presença sólida como um ancoradouro em meio à tempestade. Uma mão quente pousou em seu ombro, apertando-o com suavidade e segurança.
— Respira, Ellin… já passou. — Disse Cas, a voz baixa e serena, mas carregada daquela firmeza que sempre fazia Ellin se sentir protegido.
Ellin piscou algumas vezes, tentando afastar as lágrimas que ardiam em seus olhos. O nó em sua garganta apertou ainda mais.
— Nós… conseguimos? — A pergunta saiu em um sussurro frágil, como se ele ainda temesse que aquilo fosse uma ilusão.
Cas assentiu devagar, seu olhar caloroso permanecendo fixo nele.
— Sim, conseguimos. Ele nunca mais vai chegar perto de você.
Essas palavras quebraram o último resquício de controle que Ellin tentava manter. Uma onda de alívio o atravessou com tamanha intensidade que as lágrimas começaram a rolar sem que ele pudesse contê-las. Cas, sempre atento, tirou sua jaqueta e a jogou sobre seus ombros delicados, cobrindo-o como se quisesse blindá-lo do mundo lá fora.
— Estou tão aliviado… — Murmurou Ellin, a voz embargada e trêmula.
Cas suspirou, inclinando-se ligeiramente para olhá-lo mais de perto. Apesar do tom suave, havia uma reprimenda sutil em suas palavras.
— Embora eu não tenha concordado com essa sua ideia de se usar como isca, seu pequeno enganador. — Sua expressão era meio severa, meio divertida.
Ellin soltou uma risada fraca entre as lágrimas, enxugando o rosto com o dorso da mão.
— Se ele nunca mais chegar perto de mim, Cas, então valeu a pena.
Cas arqueou uma sobrancelha, mas seu olhar continuava sombrio.
— Nada vale esse preço, Ellin. Se eu não estivesse aqui… ele poderia ter te machucado. Poderia ter ido até o fim.
As palavras dele soaram mais graves do que pretendia, e a tensão evidente em sua voz fez Ellin erguer o olhar.
— Mas você estava aqui — respondeu Ellin com suavidade, os olhos úmidos buscando o rosto de Cas —, e foi por isso que eu fiz isso… eu sabia que você impediria qualquer coisa antes que saísse do controle.
Cas balançou a cabeça devagar, o maxilar cerrado como se ainda estivesse processando o perigo que acabara de testemunhar.
— Mesmo assim… foi imprudente. E arriscado demais.
Ellin respirou fundo e, com esforço, enxugou novamente o rosto. Quando voltou a falar, sua voz ainda tremia, mas havia uma determinação nova em seu tom.
— Cas… eu vou ficar bem. Eu sei que vou. Eu vou chorar, vou me sentir terrível por um tempo… mas depois que isso passar… eu vou estar livre.
O peso sincero daquelas palavras fez Cas relaxar, mesmo que ligeiramente. Ele suspirou, abaixando o olhar para o rosto vulnerável de Ellin, e assentiu.
— Tudo bem… mas primeiro deixa eu tirar você daqui. — Sua voz voltou a ser gentil, um sussurro rouco que parecia carregar todo o cuidado do mundo. — Deixa eu te levar para casa. Lá você pode chorar até que toda essa dor suma… e não precise mais pensar nisso.
Ellin não resistiu quando Cas o puxou para perto, envolvendo-o em um abraço protetor. Ele deixou a cabeça pender sobre o ombro largo do alfa, e o calor familiar do corpo de Cas parecia dissolver, pouco a pouco, o gelo em seu peito. Seu corpo inteiro tremia, mas Cas o abraçava com firmeza, uma das mãos esfregando círculos lentos em suas costas num gesto tranquilizador.
Depois de alguns instantes, Ellin assentiu levemente, as mãos ainda agarradas na jaqueta de Cas, como se tivesse medo de soltá-lo.
— Cas… — Ele chamou, a voz fraca e abafada contra o ombro do outro.
— Sim? — Respondeu Cas, inclinando-se ligeiramente para ouvi-lo melhor.
Ellin respirou fundo antes de dizer o que seu coração já carregava há muito tempo, as palavras brotando de seus lábios antes que ele pudesse pensar em contê-las.
— Eu amo você.
Por um instante, o silêncio pareceu se expandir ao redor deles, preenchendo o espaço com uma quietude quase sagrada. Cas parou de respirar, o peito imóvel sob o rosto de Ellin. Lentamente, ele se afastou apenas o suficiente para encará-lo, e o que Ellin viu no rosto do alfa fez seu coração vacilar.
Os olhos de Cas estavam suavizados por uma expressão que misturava ternura e algo mais profundo, algo inabalável. Seu sorriso era pequeno, mas genuíno.
— Eu também amo você. — Respondeu ele, a voz baixa, mas firme. Mais do que tudo.
Ellin ficou sem palavras. Seu coração parecia tamborilar com violência em seu peito, cada batida ecoando a intensidade daquele momento.
Cas apertou levemente a mão de Ellin, um gesto quase imperceptível, mas cheio de significado.
— Vamos para casa. — Murmurou ele suavemente, sem desviar o olhar.
Ellin assentiu, ainda sem fôlego, e com a mão ainda segura na dele, deixou-se ser guiado para fora daquele lugar.
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Capítulo 9
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píEllington sempre foi uma presença discreta nos corredores da escola - um ômega reservado, de fala suave e olhar sempre atento. Sua vida era marcada por silêncios: o...