Capítulo 51 - Doudou e Shuangshuang [Memórias Enterradas]

“Senhorita, esta criança……”

Bixi, a responsável pelas necessidades diárias de Gu Peijiu, encarou perplexa o menino vestido de preto que sua senhora trouxera para casa. Mas, rapidamente se recompondo, correu até Gu Peijiu: “Senhorita, deixe-me segurá-lo, você……”

Assim que se aproximou, o cheiro de sangue invadiu as narinas de Bixi. E embora Gu Peijiu tivesse os braços firmemente em volta do menino, Bixi avistou de relance a mancha de sangue vermelho vivo e assustadora que florescia na frente do robe branco da jovem.

Gu Peijiu deu um passo para trás de Bixi, com semblante e tom gélidos: “Vá, traga água quente.”

Embora em pânico, Bixi disse: “Sim.”

Sua mente disparou. Aquele sangue em sua senhora era do menino? O que diabos tinha acontecido? Como alguém se machucou tanto?

Na cozinha fervendo água, Bixi também considerou o quão obcecada por limpeza a jovem costumava ser, mas agora ela realmente tinha…

O vapor subiu e Bixi se concentrou na tarefa em mãos. Carregando uma bacia de água quente e uma toalha, ela voltou rapidamente para o quarto de Gu Peijiu.

Bixi abriu a tela e diminuiu o passo por hábito, chamando suavemente: “Senhorita?”

Ela foi recebida pela visão de Gu Peijiu sentada à beira da cama macia onde o menino delicadamente bonito estava deitado. O rosto do menino estava pálido, sua testa franzida e coberta de suor frio. Ele continuava pressionando os lábios rachados, o peito subindo e descendo, parecendo muito dolorido e agitado.

“Dói…”

Gu Peijiu gentilmente acariciou a cabeça do menino com uma mão esguia, concordando com suas palavras. Bixi colocou a bacia de água no chão, perguntando nervosamente: “Senhorita, devo… eu cuidarei disso?”

Ignorada por uma silenciosa Gu Peijiu, Bixi olhou para baixo e viu que a borda da manga esquerda de sua jovem senhora estava sendo agarrada com tanta força pelo menino que seus dedos estavam ficando azuis.

Como alguém agarrado à sua última esperança.

Bixi se viu muda.

“Eu cuidarei dele”, Gu Peijiu fez uma pausa por um segundo, “Você, torça a toalha e depois traga meus papéis.”

“… sim.”

Entregando uma toalha úmida torcida para a jovem, Bixi foi buscar os papéis indicados. Gu Peijiu usou a mão direita para dobrar e colocar ternamente a toalha úmida na testa de Xia Wuyin.

“Dói, dói…”

A voz de Xia Wuyin estava rouca enquanto ele continuava puxando cada vez mais a manga de Gu Peijiu.

Tudo o que o menino parecia capaz de fazer era gritar sua miséria.

Impedida por sua incapacidade de saber o que estava acontecendo na mente febril do menino, Gu Peijiu acabou se contentando em umedecer lentamente seus lábios secos e descascados com a água morna.

Ela já havia lhe dado remédio hemostático, portanto, o sangramento teria parado. No entanto, isso não aliviaria o sofrimento de seu ferimento lacerado.

Então, pensando em como Xia Wuyin não tinha sido capaz de reverter seu Dan Jue até que ele batesse seu ferimento no canto de uma mesa, o humor de Gu Peijiu ficou ainda mais complicado.

“…Senhorita, aqui estão seus papéis”, Bixi falou cuidadosamente, “Devo colocá-los na mesa?”

“Mmm.” Gu Peijiu assentiu e tentou desembaraçar sua manga do aperto de Xia Wuyin para que ela pudesse se levantar. Vagamente consciente de que estava prestes a ser deixado para trás, o menino ficou ainda mais agitado em seu estupor: “Não, não vá——”

Gu Peijiu parou, dizendo a Bixi: “Vá buscar o médico da vila, ele deve dar uma olhada no ferimento.”

“Sim.”

No momento seguinte, Bixi havia sumido.

“… não vá.” O tom do menino era de soluços e fraco, “… dói.”

Primeiro olhando para a mão que estava apertando desesperadamente sua manga, o olhar de Gu Peijiu finalmente se fixou no rosto pálido do menino inconsciente enquanto ele implorava e chorava de dor.

O tempo se estendeu…

“Mmm, eu não vou te deixar.”

Sentada ao lado da cama, Gu Peijiu segurou suavemente a mão que não a soltava. Uma mão tão ossuda e fina – o suficiente para fazer o coração doer.

O aperto do menino relaxou ligeiramente com a garantia de Gu Peijiu. Embora ele ainda franzia a testa de dor, sua expressão tornou-se menos angustiada.

O coração de Gu Peijiu deu um pulo, e ela se inclinou para decifrar o sussurro suave do menino.

“… Doudou, você… não me deixe ir.”


= =



Xia Ge sentiu que estava prestes a morrer de dor.

Qualquer anestésico que Su Chan tivesse dado a ela havia passado, e agora o veneno da adaga Wangsheng queimava intensamente pelo corpo de Xia Ge. Ela havia flertado com o desastre de forma muito descuidada, agora ela tinha que suportar o sal sendo esfregado, em toda sua agonia violenta e ardente.

Ela queria se levantar, escapar de alguma forma, mas por causa da reação anterior do lingqi, seu crânio era mantido prisioneiro por um zumbido incessante. Como se estivesse pendurada sobre um abismo por uma corda desfiada, seu desconforto brutal estava tentando despertá-la, mas alguma outra parte exausta dela estava sendo inexoravelmente puxada para a escuridão do sono eterno.

Tudo era espalhafatoso, caprichosamente grotesco… e excruciante.

Memórias em sua mente surgiram caoticamente, e aquelas que ela havia propositalmente enterrado bem fundo começaram a emergir furtivamente.

“Ei, o que você está fazendo? Shuangshuang boba, é hora de irmos procurar comida.”

“Ah, Shuangshuang, o que devemos comer hoje?”

Aquelas sombras indistintas, não as deixe ganhar contornos nítidos.

Mas ela já estava se lembrando.

—Das coisas que ela pensou ter esquecido com segurança.



Quando ela cruzou para este mundo pela primeira vez, Shuangshuang era como este pequeno corpo havia sido chamado.

Vivendo como uma pequena mendiga, ela possuía apenas uma boa amiga chamada Doudou. Doudou era mais velha que ela. Por quanto? Nem mesmo Doudou sabia.

Ambas mendigavam juntas em uma vila chamada Nanming, sem nunca saber de onde viria sua próxima refeição.

Nanming era um lugar desolado. Quando Xia Ge chegou lá, a área estava passando por uma fome. Shuangshuang havia nascido com um corpo forte. Mas vivendo como uma criança abandonada, força não significava nada.

Sem moedas, sem comida, ninguém para mimá-la. Como mendiga, Xia Ge não havia sido privada de tudo o que uma criança precisava? Havia apenas uma coisa que ela tinha… sua amiga Doudou.



Uma noite, estrelas adornando o céu, duas garotinhas que acabaram de roer folhas subiram no topo de uma árvore velha, seca e torta para se refrescarem com o vento e sonhar com o amanhã.

Doudou perguntou: “Shuangshuang, o que você quer ser quando crescer?”

Xia Ge, tendo acabado de suportar 2 meses de fome e frio, enrolou seus trapos um pouco mais apertado em volta do corpo enquanto contemplava sombriamente seu futuro: “Hum… ser rica, eu acho. Comer o que quiser todos os dias é o melhor. Mesmo que as coisas estejam difíceis agora, esse é o meu sonho… ou talvez me tornar especialmente forte. Tipo, ‘socar a Casa de Repouso Nanshan e chutar o Jardim de Infância Beihai’, esse tipo de poder.”

Dessa forma, ela poderia saquear e pilhar o quanto quisesse.

Ela não gostava do chefe da vila, um tirano malvado chamado Zhu, há muito tempo. A pena era que ela não tinha as ferramentas, caso contrário, ela já teria roubado dele.

Bem, talvez uma maneira mais política de colocar isso seria… roubar dos ricos para dar aos pobres?

Uma Doudou perplexa: “…Shuangshuang, você está dizendo coisas estranhas de novo.”

Seu devaneio parando bruscamente, Xia Ge olhou para seus próprios braços e pernas finos como gravetos e desistiu da ideia de ser uma ‘Robin Hood’. Já que ela teria que se ater a ser uma socialista adequada, ela rapidamente mudou para uma fantasia diferente: “Tudo bem, eu sonho em viver bem, onde todos os dias eu como, bebo e lambo todas as tampinhas de iogurte antes de jogá-las fora.”

Doudou: “O que é uma tampinha de iogurte?”

“Algo delicioso.”

Embora ainda não entendesse, Doudou sinceramente queria o melhor para sua amiga: “Shuangshuang, esse dia definitivamente chegará.”

—Não, esse dia não chegaria. Porque não havia iogurte Wei X no mundo esquecido por Deus em que elas viviam, e portanto, também não havia tampinhas de iogurte.

Apesar dos bons desejos de Doudou, Xia Ge não conseguia se animar. Ela não teve o prazer de lamber uma tampinha de iogurte por 2 meses, enquanto antes ela podia ter quantas quisesse.

E agora, apenas 3 minutos atrás, ela teve que se contentar com o gosto de folhas de Wutong.

O gosto era realmente… difícil de descrever.

Cobrindo a boca, desejando poder esquecer aquele sabor, Xia Ge decidiu tristemente que perguntar sobre a vida interior de sua amiga seria mais enriquecedor para a vida de uma mendiga: “E você, Doudou? O que você quer ser?”

Ah, elas não eram como duas alunas do ensino fundamental explorando seus sonhos □ □ sob o calor do sol socialista vermelho?

Xia Ge verificou seus braços minúsculos.

Ok, talvez ‘jardim de infância’ seria mais preciso.

Olhando silenciosamente para as estrelas por um longo tempo, Doudou finalmente sussurrou: “Algum dia… eu acho que espero… que eu possa ser livre para sempre.”

Xia Ge: “???”

Vivendo na pobreza abjeta, de onde Doudou tirou uma visão tão elevada da vida?

Elas não estavam vivendo um pouco ‘livres’ demais agora?

Tão livres que suas papilas gustativas afundaram ao nível das folhas de Wutong…

Xia Ge queria contrariar delicadamente sua pequena amiga comedora de folhas, mas antes que pudesse, a pequena voz de Doudou continuou: “Shuangshuang, eu não acho que estamos indo tão mal. Mesmo que não possamos comer arroz, somos muito livres. Eu nunca entendi como a liberdade era doce… até ver escravos sendo vendidos, ver meninas sendo levadas como prostitutas. Elas conseguem comer todos os dias, mas eu não consigo invejá-las.”

Dando uma pausa para pensar, Xia Ge ficou em silêncio por um minuto.

Bem… se era assim que Doudou se sentia, Xia Ge podia ver a razão nisso.

Embora, de que adiantava uma pequena mendiga livre desejar ainda mais liberdade, quando a dita mendiga não era nada além de pele e osso?

“… você não deseja se tornar poderosa?” Xia Ge decidiu abordar o assunto de outro ângulo: “Doudou, do jeito que estamos vivendo, não somos livres de jeito nenhum.”

Doudou olhou para Shuangshuang com uma expressão incompreensiva.

“Não são apenas correntes e regras que mantêm as pessoas cativas, a fome e a pobreza também fazem isso”, argumentou Xia Ge, “Na verdade, se você é um dos vivos, não há como você ser verdadeiramente livre…”

Inclinando a cabeça, Doudou ainda não parecia entender.

“Aiya, como te ajudar a entender… deixe-me fazer uma pergunta.”

“O que você vai comer amanhã?”

O rosto de Doudou se enrugou: “…”

Xia Ge: “Viu? Não temos como determinar o que comeremos amanhã. Como isso pode ser liberdade?”

Sentindo que sua pergunta havia acertado o alvo, Xia Ge esperou para ver como Doudou resolveria esse problema.

Não saber o que comeriam amanhã ou mesmo se… de jeito nenhum isso poderia ser considerado liberdade. Não, era apenas um problema muito urgente.

Doudou abraçou as pernas e olhou para as estrelas brilhantes. Talvez o ponto que Xia Ge havia levantado fosse muito difícil, pois Doudou optou por ignorá-lo, dizendo em vez disso: “Shuangshuang, você acabou de dizer… que quer se tornar muito poderosa?”
Ocupada com o problema prático do café da manhã de amanhã, Xia Ge havia perdido o interesse em algum futuro distante. Ainda assim, embora infeliz, Xia Ge respondeu à sua amiga: “Mmm, seria incrível… todos me chamando de o melhor ‘Papai’ e se ajoelhando diante de mim.”

Observando a expressão extraordinariamente vazia de Doudou, Xia Ge sabia que Doudou não tinha ideia de por que Xia Ge gostaria de ser chamada de ‘Papai’.

…ai, crianças em idade escolar davam muito trabalho. Nunca entendiam nada. Oh bem, Xia Ge explicaria.

Xia Ge limpou a garganta: “Então… quero dizer que quero me tornar alguém adorado por muitos, por outras pessoas poderosas também… tipo, se o Imperador me visse, ele me saudaria… o tipo de pessoa que brilha para todos verem.”

Terminando, Xia Ge suspirou.

Estava escuro, estava tarde, e uma criança do jardim de infância não tinha nada a ver com conjurar sonhos impossíveis com uma aluna do ensino fundamental.

“Uma pessoa brilhante?” O tom de Doudou era perplexo, “Existem pessoas que brilham?”

Xia Ge: “…” O quê, não, é uma metáfora…

Doudou ficou animada com seu mal-entendido, sua testa enrugada se suavizando: “Se Shuangshuang ficar mais forte, ela também brilhará? Como…”

Considerando por um momento, Doudou então apontou para o céu noturno: “Como as estrelas?”

Xia Ge: “…”

Como Doudou chegou a essa conclusão? Doce… mas as pessoas não brilham como estrelas.

Xia Ge: “Não, eu quero dizer… como ser uma pessoa deslumbrante…”

Embora Doudou não tivesse ido a muitos lugares e não tivesse visto muitas coisas, Xia Ge não podia deixar de pensar que Doudou era na verdade um pouco estúpida.

Tola, sim – adorável também.

Xia Ge tentou formular de forma que Doudou pudesse entender: “Se você pode ser muito poderoso, se você é uma pessoa muito capaz, a maioria das pessoas irá admirá-lo, você será admirado por muitas e muitas pessoas… você se destacará da multidão. Esse tipo de pessoa é uma pessoa ‘brilhante’.”

“Você está meio certa sobre as estrelas, eu acho.” Uma Xia Ge melancólica contemplou os céus, “Elas existem para serem admiradas.”

Agora Doudou entendeu o significado de Xia Ge e riu, logo antes de ficar angustiada novamente: “Mas se você for tão poderoso, você acabará cuidando de muitas pessoas, certo? Olhe para o chefe da vila… ele tem que cuidar de todas as pessoas da vila. Tudo o que ele faz é se preocupar o dia todo, então ele perdeu todo o cabelo. Se Shuangshuang se tornar como ele, você ficará muito desgastada. Eu não quero que você perca todo o seu cabelo… seria muito feio.”

Pensando no chefe da vila careca e ‘velho’ de Nanming, que tinha pouco mais de 20 anos, Xia Ge concordou com a lógica de Doudou: “… sim, talvez eu não queira ser muito poderosa. Mas eu ainda gostaria de poder comer até me fartar.”

“Mmm.”

Doudou inclinou a cabeça, olhando para Xia Ge por um longo tempo.

“Shuangshuang, eu sei que você acha que não é nada demais, mas então por que você brilha para mim?

Fazendo um balanço mental de si mesma, Xia Ge estava incrédula: “…”

Doudou: “Eu acho que você é uma pessoa esplêndida.”

Apesar da sinceridade de Doudou, Xia Ge não pôde deixar de rir. Mesmo que seu coração estivesse aquecido.

Ela não era realmente uma inútil? Ela realmente viveu por mais de 20 anos, mas no final foi consolada por uma criança.

“Bem, já que eu brilho aos seus olhos, acho que devo cuidar bem de você.” Copiando o tom de Doudou, Xia Ge tentou um pouco de ternura: “Talvez eu não possa me tornar uma estrela que ilumina o caminho de muitas, muitas pessoas, mas eu posso cuidar de Doudou!”

Doudou perguntou obedientemente: “Ok, Shuangshuang, eu vou te perguntar. O que vamos comer amanhã?”

Xia Ge: “…” Você realmente precisava perguntar isso?

Morrendo de fome enquanto se gabava de cuidar de Doudou… até Xia Ge tinha que se perguntar de onde vinha sua confiança.

“Oh! Eu sei!” Xia Ge bateu um punho na palma da mão enquanto sua expressão se iluminava, “Eu sei o que comer!”
Uma Doudou expectante sorriu para Xia Ge com olhos deslumbrados.

“Acabei de me lembrar daquele pântano do outro lado da vila…” Xia Ge continuou, “Por que não vamos lá e damos uma olhada?”

Balançando a cabeça como um chocalho, os olhos de Doudou imediatamente escureceram enquanto ela puxava a manga de Xia Ge: “Não, não vamos lá. As pessoas desaparecem lá… os moradores dizem que está cheio de demônios que comem pessoas.”

Xia Ge: “Parece um monte de besteira! Eu sou forte, muito forte… tenho certeza de que posso te proteger!”

A voz de Doudou era muito suave: “Eu tenho medo de fantasmas.”

Xia Ge sorriu: “Você não precisa ter medo, eu vou te proteger.”

Olhando nos olhos de Xia Ge, Doudou parecia estar perdida em pensamentos. Talvez ela estivesse com fome, talvez ela achasse os olhos de Xia Ge muito bonitos. Mas finalmente ela franziu os lábios e desviou o olhar: “Tudo bem… vamos.”

Acrescentando em um sussurro: “Shuangshuang, eu confio em você.”

Xia Ge assentiu e continuou se gabando: “Você está certa em confiar em mim, eu sou mais incrível que o Irmão Chun!”

Doudou estava confusa novamente: “???” Irmão Chun?

Xia Ge: “… hum, o Irmão Chun é uma pessoa muito feroz… brilhante.”

Entendendo a essência, Doudou assentiu e afirmou obedientemente: “Sim, Shuangshuang é muito melhor que o Irmão Chun!”

Xia Ge: “…” Por que o elogio não parecia um elogio?’

Na verdade, a única coisa da qual Xia Ge estava realmente confiante era que havia de fato um pântano logo após a vila. Claro, os moradores fofocavam sobre espíritos malignos comedores de homens. Mas Xia Ge apenas disse a si mesma que algumas pessoas provavelmente ficaram presas lá, tentaram rastejar para fora, não conseguiram e, portanto, morreram lá.

Além disso, o que Xia Ge estava procurando estaria nos arredores.

Elas ficariam bem, desde que fossem apenas até os arredores do pântano.

Então, sob o manto da noite, Xia Ge e Doudou foram para a periferia do pântano. Enquanto o pântano não era nada além de uma massa melancólica de escuridão, Xia Ge conseguiu encontrar os aglomerados de juncos que estava procurando. Agachando-se, Xia Ge cavou na lama por um longo tempo, lua e estrelas luminosas acima dela, com Doudou observando curiosamente de lado.

“Haha, encontrei!” Como se fosse um tesouro inestimável, Xia Ge apresentou animadamente o que havia desenterrado para Doudou, “Chega de mastigar folhas de Wutong para mim! Ahhh… atchim!”

Como os juncos estavam cheios de insetos, eles deixaram Xia Ge desconfortavelmente coçando, e ela espirrou algumas vezes.

Mesmo que Doudou estivesse assustada com o ambiente totalmente escuro, quando os espirros explosivos de Xia Ge soaram, Doudou não pôde deixar de rir. Então sua curiosidade a dominou e ela espiou o que Xia Ge estava segurando: “… o que é isso?”

“Uma castanha d’água!” Os olhos de Xia Ge brilharam, “Comida!”

“Espere, haha, vou procurar mais.” Agachando-se novamente, Xia Ge vasculhou até finalmente desenterrar 6 castanhas. Ela queria encontrar mais, mas sua sorte havia acabado. No final, ao acompanhamento de cães selvagens uivando, ela teve que ser arrastada relutantemente por Doudou.

“Vamos, vamos. Os cães estão latindo, não queremos dar de cara com uma maré de espíritos malignos”, Doudou insistiu.

“Maré de espíritos malignos, o quê?” Uma Xia Ge curiosa limpou uma castanha d’água na manga, entregando-a a Doudou enquanto caminhavam de volta para a vila.

“… você sabe, coisas assustadoras.” Pegando a castanha, Doudou não sabia exatamente como explicar ‘maré de espíritos malignos’. Embora isso não mudasse o fato de que era uma coisa terrível, muito ruim, o suficiente para deixar uma pessoa petrificada de choque. “É quando espíritos malignos se reúnem à noite e devoram pessoas, e qualquer vila que encontra uma onda deles é reduzida a nada além de esqueletos dos mortos… de qualquer forma, é algo horrível.”

Refletindo sobre isso por mais um minuto, Doudou acrescentou: “Ouvi dizer que apenas pessoas que estão morrendo ou bebês podem sentir quando a maré maligna está chegando, porque eu acho que eles podem ver fantasmas… mas eu também ouvi dizer que cães selvagens uivam quando uma está chegando.”

“Por que esta não pode ser uma sociedade que confia na ciência e no marxismo?” Xia Ge deu uma mordida em uma castanha, saboreando o sabor crocante e doce em sua língua. O sabor elevou Xia Ge à ilusão de uma nova vida, e em uma fração de segundo ela descartou qualquer ‘maré de espíritos malignos’ como superstição. Afinal, as leis da ciência não podiam ser desafiadas.

Melhor se concentrar no sabor da comida de verdade! Finalmente comendo como um ser humano! Por quê? Por que ela não teve essa ideia antes?! Esqueça acreditar na ciência, no Irmão Chun, em Karl Marx ou em Friedrich Engels a partir de agora. Sua nova fé eram castanhas d’água!

Castanhas d’água!!

Chega de engasgar com folhas! Se ela tivesse que mastigar outra, ela morreria! As pessoas só estão verdadeiramente vivas quando têm convicção!

Doudou deu uma mordida em sua castanha, seus olhos imediatamente se iluminando: “É delicioso!”

“Haha, você está tão certa!” Xia Ge estava fora de si de felicidade, “Esta é a minha fé!”

“Fé? O que você quer dizer?” Doudou estava confusa novamente.

“Hum…” Xia Ge olhou para a castanha pela metade em sua palma, “É… castanhas d’água.”

Doudou entendeu instantaneamente: “Castanhas d’água são fé?”

Xia Ge: “…”

Olhando para os olhos claros de Doudou, a profunda culpa de corromper a juventude pesava no coração de Xia Ge. Tossindo algumas vezes, Xia Ge explicou melhor: “Não… isso não está certo, fé é quando… você acredita em algo mais poderoso que você, talvez seja como uma pessoa, e você segue seus padrões e tenta viver por eles…”

Como Xia Ge não sabia em quais deuses este mundo acreditava, ela tentou manter as coisas simples: “Eu, por exemplo, acredito no deus da riqueza! Se você acreditar nele, você ficará rico!”

Doudou ainda não entendia.

Xia Ge continuou resolutamente: “É aquilo em que você mais acredita! Seja o que for, você coloca todo o seu coração nisso e isso lhe dá força!”

Segurando a castanha em que havia mordido, Doudou declarou com uma expressão radiante: “Shuangshuang é a minha fé!”

“Shuangshuang sabe como encontrar comida, ela é tão boa, até melhor que o chefe da vila. Eu acredito nela acima de tudo! Ela é forte e me dá força!”

Xia Ge: “…” Não… esse não era o tipo de fé que ela queria dizer.

E ser melhor que o chefe da vila careca não era exatamente um padrão alto a ser superado.

Xia Ge: “Hum, se você quer acreditar em algo, eu recomendaria o deus da riqueza…”

Embora, pensando bem, há quanto tempo Xia Ge acreditava no deus, e não só ela não ficou rica, como ficou cada vez mais pobre…

Considerando as castanhas d’água em sua mão, Xia Ge achou que não era tão irracional que o deus da riqueza a estivesse evitando. Afinal, ela o abandonou em um piscar de olhos, colocando sua crença em castanhas em vez disso.

A fé realmente precisava ser firme, caso contrário, não funcionaria.

Segurando firme sua castanha d’água, o olhar de Doudou era resoluto: “Eu não vou. Você pode acreditar no deus da riqueza se quiser, mas eu vou acreditar em Shuangshuang!”

Xia Ge: “…”

Se você direcionasse esse fervor constante para o deus da riqueza, você certamente ficaria rico, sabe…

Não… Doudou ainda não entendia o que era fé, não é?

“Ei, olhe ali! Há vagalumes!” Xia Ge mudou rapidamente de assunto, “Espere aqui, eu vou pegar alguns.”

Por que ela estava tentando tornar a fé essa coisa elevada? Não era, certo? Definitivamente não! Ha!

Xia Ge rapidamente rasgou um pedaço de pano de uma de suas mangas, capturou alguns vagalumes no saco improvisado, amarrou-o com um pedaço de cipó e entregou-o a Doudou: “Aqui, eu queria pegar alguns há algum tempo, hehehe.

Doudou pegou o pequeno saco de vagalumes: “É tão brilhante.”

Tendo enganado uma criança, mas não sentindo a menor culpa, Xia Ge riu: “Sim, é muito brilhante.”

“Oh, eu gosto deles.” Todos os pensamentos sobre fé esquecidos, Doudou murmurou: “Eles são tão bonitos.”

Ela pensou por um minuto, então continuou: “Honestamente, há muitas coisas que não consigo me lembrar claramente. Parece que fiz muitas coisas tolas, e só mais tarde soube o que significava gostar de alguém. Mas eu já tinha sido muito estúpida e os afastei.”

A voz de Doudou estava um pouco magoada.

Xia Ge, diante de uma criança que não sabia o que era fé, que não sabia o que amava ou odiava, falou com genuína simpatia: “… então você deve estar muito infeliz.”

Doudou franziu os lábios e deu uma risadinha: “Sim, então eu acho que se eu tiver outra chance, eu darei tudo a ela. Eu darei a ela toda a liberdade que ela precisa. Eu serei bem-comportada e não farei mais nada de errado.”

Assentindo, Xia Ge refletiu sobre as palavras de Doudou: “Tudo bem… eu espero que você tenha a oportunidade?”

Doudou segurou o saco de vagalumes perto do rosto, o brilho quente e piscante enchendo seus olhos de luz: “Mmm, vai chegar.”

Com a fome finalmente saciada, Xia Ge se enrolou sonolenta sob a árvore torta, bocejando enquanto ainda segurava as castanhas d’água restantes: “Estou com sono, Doudou.”

“Mmm, então Shuangshuang deve ir dormir cedo.”

“… mmm.”

Com a mente ficando confusa, Xia Ge mal conseguia registrar o sussurro de Doudou na brisa noturna: “Liberdade… não é de surpreender… ela vai gostar disso.”

Ela, hein? Doudou, quem é essa garota que você gosta?

Xia Ge estava um pouco curiosa… mas não tinha nada a ver com ela. Melhor apenas dormir.

Com o vento quente da noite soprando suavemente sobre ela, Xia Ge dormiu profundamente. No entanto, a garota chamada Doudou silenciosamente desamarrou o saco de vagalumes, observando-os voar para longe, livres novamente.

Doudou segurou o saco vazio contra o peito, um leve brilho passando por seus olhos inocentes.

—Desta vez—ela não cometerá os mesmos erros.

Se você gosta de alguém, você deve libertá-la.

Isso era fé.