Capítulo 10
Nathan não esperou por despedidas. Nem olhou para trás.
A boate tornava-se insuportável — o calor, as luzes pulsantes, a música que agora soava como zumbido dentro de uma garrafa trincada. Tudo parecia amplificado pelo álcool, cada passo um pequeno tropeço na própria dignidade. Mas ele manteve o que pôde da compostura, caminhando para fora como quem foge de um lugar onde não era bem-vindo.
Onde nunca foi.
O ar noturno estava frio, e isso deveria ter ajudado. Mas só serviu para tornar mais clara a ardência na garganta — e o nó na barriga.
Ao chegar em casa, largou as chaves em algum canto que não viu. Retirou os sapatos com movimentos imprecisos e deixou-se cair no sofá, como se o corpo enfim tivesse recebido permissão para ceder.
A escuridão era bem-vinda. Silenciosa. Impessoal. O mundo, por fim, não o olhava de volta.
E foi ali, entre o entorpecimento e a raiva muda, que ele começou a falar.
— Ele é só um maldito demônio… — murmurou, com a cabeça apoiada no encosto, os olhos semiabertos. A voz saiu mais suave do que imaginava, como se confessasse para o teto.
Riu, breve. Um riso desmanchado, quase infantil.
— E mesmo assim… eu fico preso nisso. Fico preso nele.
Sua mão caiu sobre o peito, sentindo o coração ainda acelerado, como se o corpo se recusasse a esquecer o que os olhos viram. O toque. A entrega.
— Ele nem sente de verdade. Não como a gente sente, né? Só reage. Seduz porque é o que ele é. Não é pessoal… — os lábios se torceram, e ele balançou a cabeça num gesto vago — Mas então por que parece tão pessoal?
O silêncio permaneceu, pesado.
Nathan continuou, os olhos quase fechando.
— Ele me olha como se… como se estivesse ali. De verdade. Às vezes acho que ele só me olha daquele jeito porque eu fui o primeiro a dizer — não — pra ele. Só isso. O desafio. E agora ele fica aqui, como uma maldita sombra quente, bagunçando tudo… — riu de novo, mais amargo — E eu fico fingindo que entendo os limites. Que está tudo sob controle.
Por um momento, o silêncio pareceu ainda mais denso. Nathan girou a cabeça devagar, sentindo o couro frio do sofá contra a pele do pescoço.
Foi quando o viu.
De pé, encostado no batente da sala, Cael observava em silêncio.
Não estava sorrindo. Nem provocando. Seus olhos — agora menos luminosos, mas não menos intensos — acompanhavam Nathan com uma expressão estranha: como se não tivesse certeza se deveria estar ouvindo aquilo. Como se não soubesse o que fazer com o que ouvira.
Nathan piscou algumas vezes. A embriaguez distorcia o tempo, as distâncias, até mesmo a lucidez.
— Você… já tá aqui? — Perguntou, como se não fosse óbvio.
Cael se aproximou lentamente, quase sem som.
— Cheguei agora. — Respondeu, em tom baixo.
Nathan recostou a cabeça, os olhos pesados de sono e álcool.
— Ótimo. Pode rir. Eu sou patético mesmo.
Cael se agachou ao lado dele, os olhos fixos nos seus.
— Eu não acho você patético.
Nathan soltou um suspiro longo, cansado. Seus olhos tentavam se manter abertos, mas era difícil. Muito difícil.
— Eu só queria que você… — a frase morreu na garganta, afogada pelo álcool e pela vergonha tardia. Ele esfregou o rosto com a mão, tentando dissipar o calor que subia pelas orelhas — Esquece.
Mas Cael não se moveu. Nem mudou de expressão. Apenas o olhava.
— Queria o quê, Nathan?
A pergunta ficou suspensa.
Nathan riu de novo, arrastado.
— Que você ficasse. Que fosse meu. Mesmo que não soubesse o que isso significa. Mesmo que fosse uma mentira.
Havia sinceridade demais naquele desabafo bêbado. E dor demais para que Cael fingisse que não ouvira.
Mas ele não respondeu. Ainda não. Apenas estendeu a mão e afastou uma mecha do cabelo de Nathan, com uma delicadeza surpreendente.
Nathan fechou os olhos. Um gesto simples — e ainda assim, doeu mais do que o silêncio.
Fez uma pausa, os olhos rosa claro fixos nos de Cael. Havia algo incomum naquele olhar.
— Você tem ideia do quanto é difícil ver as pessoas flertando com você? — murmurou, as palavras arrastadas, mas carregadas de frustração — De como elas tocam você?
Cael piscou, pego desprevenido. Não esperava aquilo — o ciúme de Nathan, sua possessividade. Foi… inesperado. E, no entanto, despertava algo dentro dele. Algo que Cael não sabia se queria nomear.
— Nathan — começou ele, em tom calmo — elas não significam nada pra mim. Eu apenas… existo pra me alimentar. Não importa com quem.
Os olhos de Nathan se tornaram mais intensos. Ele se aproximou, até que seus corpos quase se tocassem.
— Mas importa pra mim — disse, com a voz baixa, crua.
As palavras provocaram um arrepio em Cael. Não foi o tom possessivo que o desestabilizou — foi a forma como Nathan disse aquilo. Como se não fosse apenas desejo. Como se fosse real.
Antes que Cael conseguisse responder, Nathan começou a se despir. Seus movimentos eram lentos, deliberados. Cada botão, cada peça de roupa, parecia tirar o ar de Cael junto com o tecido. Quando o torso de Nathan ficou exposto, os músculos definidos sob a luz suave, a boca de Cael secou.
“Ele é lindo” — pensou Cael, o olhar seguindo as linhas daquele corpo — “Como ele consegue olhar pra mim como se eu fosse o bonito?”
Nathan não hesitou. Empurrou Cael até que ele se deitasse no sofá, as costas afundadas entre as almofadas. Manteve-se em pé entre suas pernas, os olhos escurecidos de desejo.
O coração de Cael disparou quando as mãos de Nathan deslizaram por suas coxas, provocando ondas de prazer com um único toque. Nathan puxou suas calças e a cueca de uma vez só, deixando a pele à mostra sob seu olhar faminto.
Seus dedos firmaram-se nos quadris de Cael, puxando-o para a beirada do assento, como se quisesse tomá-lo por inteiro. Seus lábios roçaram a parte interna da coxa do íncubo — tão leve que suas pernas quase cederam, mesmo naquela posição de rendição.
Quando sua língua encontrou a marca no abdômen, um gemido rouco escapou da garganta de Cael. Suas mãos caíram aos lados, os músculos tremendo à medida que Nathan continuava.
A boca de Nathan era um labirinto de calor e paciência. Um arrepio percorreu a espinha de Cael quando sentiu os dedos dele descendo, insinuando-se com cuidado pela parte interna de suas coxas. Um toque, dois… e então, um deslizar mais ousado pela sua intimidade.
Um círculo lento, quase reverente, e então o menor dos movimentos — uma pressão firme, um convite. Cael arqueou-se, os lábios entreabertos num suspiro que beirava o desespero. E então veio a penetração, lenta, cuidadosa, e profundamente íntima. Um dedo. Depois, outro. A tensão em seu corpo cresceu como cordas esticadas ao limite.
Quando os lábios de Nathan desceram ainda mais, Cael prendeu a respiração.
Ninguém jamais fizera aquilo por ele.
Ninguém jamais se importara o suficiente para lhe dar prazer daquele jeito.
— N-Nathan… — gaguejou, os dedos cravando nas almofadas, como se aquilo pudesse impedi-lo de se perder. — Você não precisa…
Nathan ergueu os olhos, determinado, e não disse uma palavra.
A resistência de Cael desmoronou sob aquele olhar.
Por um breve instante, Nathan afastou os dedos, e Cael acreditou que havia terminado. O alívio se misturou à frustração, mas não durou. Logo, sentiu as mãos de Nathan abrindo lentamente as dobras íntimas de sua pele, os dedos firmes e cuidadosos, expondo-o com reverência silenciosa — e então, sua língua o encontrou.
As sensações o sobrecarregavam — prazer em ondas, intensas demais para suportar.
Sua língua explorava, provocava, envolvia cada parte íntima com precisão e fome. Cael mal conseguiu respirar. Seu mundo se desfez, inundado por uma maré de prazer avassaladora.
“Ele está… ele está me dominando” — Pensou, sem conseguir raciocinar com clareza. “E eu não quero que ele pare.”
— Nathan… — gemeu Cael, a voz entrecortada pelo desejo. — Eu não aguento… eu vou…
Os lábios de Nathan não pararam. Trabalharam com afinco, conduzindo Cael até o limite.
E então, foi só rendição. Seu corpo arqueou, tomado por ondas de êxtase. Nathan o segurou firme, sem deixá-lo escapar daquele instante.
Ainda em pé, inclinou-se sobre ele e o envolveu, como se quisesse impedir que se quebrasse em pedaços.
Cael não sabia o que dizer. Ninguém jamais o fizera sentir aquilo — como se fosse mais do que um demônio faminto. Como se ele tivesse algum valor.
Nathan depositou um beijo suave em sua testa.
O coração de Cael doía. Aquilo não deveria estar acontecendo. Íncubos não eram feitos para ser amados. Não recebiam carinho. E, no entanto, ali estava ele, envolto nos braços de Nathan, sentindo algo que jamais conhecera. Algo que nem sabia se merecia.
— Nathan… — murmurou Cael, a voz trêmula — eu… não sei como ser amado.
Nathan sorriu com doçura, afastando uma mecha lavanda do rosto de Cael com um gesto leve.
— Então deixa que eu te mostro — respondeu, a voz impregnada de ternura, apertando o peito de Cael como um nó. — Deixa eu te mostrar o que é ser amado.
Quando Nathan enfim se afastou, Cael soltou um gemido involuntário de protesto — baixo, quase suplicante.
Nathan permaneceu em pé entre suas pernas, e as ergueu com cuidado, abrindo espaço para si. Os olhos não desviaram dos dele, carregando algo que o despia por dentro.
— Olha pra mim — sussurrou, com firmeza envolta em doçura. — Eu quero te ver.
Cael ofegou quando sentiu o toque quente roçar sua entrada. Nathan guiava seu membro com precisão, esfregando-o contra sua intimidade antes de pressionar com lentidão e intenção.
Quando finalmente entrou, o mundo pareceu se dissolver em calor.
O corpo de Cael arqueou, um soluço de prazer escapando sem que ele pudesse conter. Suas mãos buscaram o que podiam — os braços de Nathan, os próprios cabelos, o ar.
“Ele é… tão gentil” — Pensou Cael, o pensamento embaralhado pelo prazer crescente.
Nathan se movia com controle, as estocadas lentas no início, mas cheias de propósito. Suas mãos buscaram os mamilos de Cael, provocando-os até arrancar gemidos roucos.
— Nathan… — arfou Cael. — Por favor… eu não consigo…
— Consegue, sim — murmurou Nathan, com a voz rouca. — Deixa eu te amar.
As mãos de Cael deslizaram para as costas dele sofá, os músculos tensos sob cada investida. Nathan o penetrava fundo, e naquela posição — com as pernas erguidas, o corpo aberto sobre o sofá — ele sentia cada movimento ricochetear contra o baixo-ventre, o prazer agudo como um trovão.
Quando Nathan chegou ao clímax, liberando-se dentro dele, Cael gritou — um som quebrado e puro, o corpo inteiro tremendo de intensidade.
Instintivamente, tentou se afastar, como se quisesse fugir da própria vulnerabilidade. Mas os braços de Nathan o envolveram, firmes.
— Não — sussurrou Nathan, a respiração quente contra sua orelha. — Você não vai se esconder de mim, Cael.
A respiração de Cael vacilou quando as palavras se assentaram em seu peito como um peso terno.
“Ele está… falando sério” — Pensou, o coração apertado. — “Ele realmente está.”
—–
O mundo estava silencioso quando Cael abriu os olhos.
A luz filtrava-se pelas frestas da cortina da sala com uma delicadeza cruel, tingindo o espaço com um tom pálido, quase cinzento. As formas ao redor eram familiares — o contorno das prateleiras, as sombras projetadas no chão, a manta caída do encosto do sofá. O estofado afundava sob o peso de dois corpos entrelaçados, e o ar parecia espesso, saturado do cheiro de suor, esperma e álcool.
Nathan ainda dormia sobre ele.
Seu corpo cobria o de Cael com um calor opressivo, porém estranho e — contra toda lógica — reconfortante. Os braços envolviam-no de forma frouxa, um deles escorregado sob seu pescoço, o outro ainda enlaçando sua cintura, como se recusasse a deixá-lo escapar mesmo em sonhos. A respiração de Nathan era lenta e quente contra sua clavícula, com pequenos roncos abafados surgindo de tempos em tempos.
Cael tentou se mover.
Foi um gesto ínfimo, quase involuntário — uma tentativa de ajeitar as pernas dormentes, de buscar ar fresco sob aquele calor adormecido. Mas bastou. Uma sensação se acendeu em seu corpo com uma clareza incômoda: a tensão tênue de músculos forçados, a pressão interna persistente… e, então, o escorrer morno entre suas coxas, viscoso, lento, íntimo demais.
Nathan ainda estava dentro dele.
O corpo de Cael reagiu com uma rigidez involuntária, uma contração sutil que arrancou um leve suspiro de seus próprios lábios. A carne ao redor do ponto de contato estava sensível, como se tivesse sido usada até o limite — mas não havia dor, apenas um desconforto surdo, pulsante, como uma lembrança cravada em sua pele.
E aquilo o devastou mais do que qualquer punição.
O silêncio da sala parecia zombar dele. Não havia gritos, nem súplicas, nem os comandos frios de Arael. Apenas o som do outro respirando, sereno, vulnerável. E o peso. O maldito peso daquele corpo bom demais, gentil demais, inteiro demais para estar deitado sobre algo tão… errado.
Ele poderia contar, em silêncio, as vezes em que tentara ir embora. E as vezes em que não tentara de verdade.
Nathan não o deixou partir — mas Cael também não se moveu para fazê-lo. Havia dito que precisava ir, que não era uma boa ideia, que o corpo precisava descansar. Mas as palavras eram frágeis, inconsistentes. Carregavam um peso superficial, quase como uma desculpa automática. E, cada vez que Nathan o puxava de volta, murmurando palavras doces, dizendo que queria fazê-lo sentir-se amado, querido… Cael cedia.
Era fácil culpar o outro. Muito mais difícil reconhecer o quanto aquela entrega — aquela absurda, insensata ternura — o afetava.
Porque não fora apenas sexo.
Cael fechou os olhos. Por um instante, quis que aquele instante desaparecesse. Mas também quis preservá-lo — mantê-lo suspenso no tempo, antes que a consciência o obrigasse a romper com tudo.
Nathan não o odiava. Estava ali, ainda unido a ele da forma mais íntima possível, como se seu corpo tivesse se recusado a soltar mesmo durante o sono. Como se quisesse dizer, de forma muda: não te deixo ir, mesmo quando você tenta.
E isso… isso foi novo.
Cael não deveria estar ali. A união entre seus corpos não era só física — era uma falha estrutural em tudo que ele acreditava ser. Ele não era feito para isso. Não para a lentidão do afeto, para o depois do prazer.
Não para a permanência.
Ele já havia sido desejado de mil maneiras. Já fora tomado por humanos com a urgência egoísta de quem queria consumir um delírio. Já conhecera as mãos de Arael, frias e cruéis mesmo no prazer. Já vira o reflexo de sua forma se dissolver em olhos vazios, ofuscados pela luxúria que ele próprio invocava.
Mas aquilo? A forma como Nathan o segurou, como se ele pudesse escorregar e se partir em mil fragmentos se fosse deixado sozinho por mais um segundo?
Aquilo foi um erro. Um erro que o corroía de dentro para fora.
Ele era uma fenda. Um experimento. Um fragmento de fome revestido de carne bonita. E, no entanto, ali estava ele, com o corpo ainda marcado, ainda aberto, ainda tomado. O coração em disparada, a garganta apertada.
Ele sentia.
Sentia demais.
A inclinação absurda de querer que Nathan acordasse e não o soltasse. De querer ouvir outra vez aquela voz rouca, entorpecida, dizendo que ele era querido. Que era importante. Que era… dele.
E essa urgência — esse desejo insano de permanecer — era mais assustadora do que qualquer comando que Arael tivesse imposto.
Nathan murmurou algo inaudível contra sua pele, e se moveu levemente, o que arrancou outro escoar lento entre as pernas de Cael. Ele fechou os olhos com força. Quis fugir. Quis gritar. Quis — por um instante cruel — acreditar que poderia ficar.
Mas não podia.
Porque, se ficasse, se admitisse aquilo, teria de aceitar que era mais do que fome e função. Que era capaz de sentir. De amar. De ser amado.
E isso… isso era o verdadeiro abismo.
—–
A escuridão do escritório de Arael era espessa como óleo antigo — não ausência de luz, mas sua corrupção deliberada. As velas negras, alinhadas em castiçais de ferro enferrujado, queimavam com chamas imóveis, que não tremulavam com vento algum, pois ali o ar se recusava a mover-se sem permissão. O tempo também não ousava atravessar aquele espaço. Tudo era suspensão. Controle. Expectativa.
As paredes, de pedra escura, estavam cobertas por tapeçarias com símbolos arcanos e estantes densas, repletas de pergaminhos enfeitiçados, grimórios encadernados em couro de origem incerta e frascos que ainda pulsavam com vestígios de almas domadas. Um enorme mapa etéreo se mantinha projetado no teto, revelando os fluxos instáveis do mundo dos vivos — veias de luz e sombra serpenteando sobre continentes como artérias do caos.
No centro da sala, sobre um pedestal de obsidiana cuidadosamente entalhado com runas do esquecimento, repousava a esfera cristalina — translúcida, vítrea, perfeita. No entanto, o que havia dentro dela era tudo menos pureza: imagens distorcidas, emoções turvas e memórias que se agitavam como água fervente. Um artefato antigo, conectado aos vínculos dos pactos selados sob sangue e dor. E agora, em convulsão.
Arael permanecia imóvel diante dela, os olhos dourados reduzidos a fendas estreitas, como se atravessassem camadas de realidade com um único olhar. Não observava apenas imagens. Ele sentia.
Sentia a energia de Cael fluindo, escorrendo lentamente em direção a outro ser — não por dever, mas por escolha. Sentia o calor do toque, o prazer da entrega, mas também algo mais denso. Algo… perigoso.
Afeto.
O lábio inferior de Arael crispou-se, como se o gosto daquela palavra lhe queimasse a boca.
Dentro da esfera, uma cena tomou forma com nitidez desconcertante: o corpo de Cael encolhido contra o humano, Nathan, os dois entrelaçados como se formassem um único organismo. A respiração sincronizada. Os corpos serenos.
A aura de Cael estava… cálida. Sem fome. Sem cálculo.
Apenas paz.
Um ruído metálico ecoou na sala quando Arael apertou o pedestal com força contida — um trinco cortou a superfície da pedra, ainda que ele mal tivesse se movido.
Cael estava se apaixonando. Ou pior — já estava.
Sem saber. Sem entender. Como uma criatura que nunca foi ensinada a nomear os próprios sentimentos, ele se lançava no abismo do afeto, guiado apenas pelo instinto de proximidade.
E Arael sabia. Sentia. Cada variação na frequência do desejo de Cael.
O laço entre eles ainda existia, embora enfraquecido. Era ele quem recebia os resíduos daquela energia — mas ela já não trazia o sabor habitual.
Agora, era espessa. Doce.
Quase… devotada.
O problema não era Nathan.
O problema era o que Cael estava se tornando ao lado dele.
— Tolo… — murmurou Arael, a voz dissolvendo-se nas sombras como fumaça rarefeita.
A esfera mostrou mais: Nathan falando com ternura, tocando a cauda de Cael como quem acaricia algo sagrado. E Cael… rindo.
Não aquela risada dissonante que escapava entre dor e prazer.
Era uma risada limpa. Inofensiva. Humana.
E isso o incomodava.
Cael fora moldado para desejar, sim — mas também para corromper. Para subjugar. Ele não nascera do amor, e sim da intenção.
Era a extensão do próprio Arael. Um projeto refinado, um fragmento da vontade soberana que regia o submundo.
E agora ele se dissolvia em sentimentos que não lhe pertenciam.
Num mundo que não era seu.
Arael ergueu a mão sobre a esfera. As visões estremeceram. Um simples comando e o vínculo poderia ser rompido. Cael esqueceria. O humano se tornaria um estranho. O amor — um eco sem nome.
Mas Arael hesitou.
Não por piedade. Mas por um desejo mais antigo:
Observar.
Queria ver o que aconteceria quando Cael compreendesse, quando o nome daquele sentimento tomasse forma clara em sua mente.
Queria saber o que faria.
E o que aconteceria com o humano.
Arael virou a cabeça lentamente, observando seu próprio reflexo distorcido na esfera. Um meio-sorriso curvou-lhe os lábios. Um gesto sem alegria.
Apenas expectativa.
— Então descubra, meu doce erro — sussurrou. — Descubra o que é isso que pulsa em seu peito. E depois venha rastejar até mim, pedindo para esquecê-lo.
A chama da vela mais próxima vacilou — não por vento, mas por respeito.
Arael retirou a mão da esfera, recostando-se em sua poltrona de couro escurecido, encimada por espinhos de osso.
E deixou Cael continuar amando.
Só um pouco mais.
Só até doer o suficiente.
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Doce Inanição
Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...