Capítulo 5
- Home
- All Mangas
- Doce Inanição
- Capítulo 5 - Como Seduzir e Motivar um Universitário em 3 Passos
A porta se abriu com o rangido habitual, discreto, porém carregado do cansaço de um dia longo. Nathan soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos ao atravessar o limiar do apartamento. Ainda assimilava a estranha normalidade que se instaurara desde que Cael se alojara ali — uma presença que oscilava entre o absurdo e o fascinante, entre o incômodo e o inevitável. Havia dias em que esquecia que dividia o espaço com um ser que não era humano. E havia dias como aquele.
O corredor estava silencioso — até que um leve som de tecido sendo arrastado, um farfalhar quase sensual vindo da sala, chamou sua atenção. Nathan franziu o cenho e seguiu o som com passos lentos, já antecipando alguma nova provocação.
Ao dobrar a esquina, foi recebido por uma cena que o fez parar no ato.
Cael estava no centro da sala, de costas para ele, trajando nada além de uma lingerie preta, rendada e absurdamente provocativa, como se tivesse saído de um catálogo erótico de luxo. A peça moldava-se ao corpo com uma naturalidade indecente, e o contraste entre a pele pálida e o tecido escuro fixava-se na mente como uma pintura lasciva.
No chão, um verdadeiro desfile de peças íntimas rejeitadas — cintas-ligas, bodies, meias, rendas vermelhas e douradas — uma profusão de texturas e intenções dispersas ao redor, como se a sala fosse um altar de sedução em ruínas.
Cael virou-se com naturalidade, como se a própria nudez fosse parte da sua respiração.
— Ah, você chegou — disse, o sorriso fácil e lânguido, como se apenas provasse a reação de Nathan.
Nathan piscou, a mão ainda presa à alça da mochila, que não se dignara a soltar.
— Você… por que está nu de novo?
Cael arqueou a sobrancelha, como quem esperava uma pergunta mais interessante.
— Não estou nu. — Replicou com a leveza de quem comenta sobre o tempo. — Estou experimentando. Preciso escolher algo para hoje à noite. Vou sair com alguém. Quero me divertir, já que alguém expulsou o último homem.
— Eu não expulsei ninguém. Só não vou permitir que estranhos fiquem gemendo nos cômodos da minha casa.
Nathan, finalmente soltando a mochila no chão, lançou um olhar à cena, ainda tentando processar a realidade. Encontrar alguém. Claro. De todas as respostas possíveis, aquela parecia estranhamente mundana, o que a tornava ainda mais perturbadora.
— Você tem um quarto — disse ele, tentando manter a compostura —, com espelho e porta. Por que fazer isso aqui?
Cael virou-se completamente e caminhou até um conjunto de lingeries jogado perto do sofá. O andar era preguiçoso, deliberado, como se cada passo fizesse parte de um ritual. Ele se abaixou com elegância e apanhou uma peça vermelha rendada, girando-a entre os dedos.
— A sala é maior. A luz natural é melhor para ver como fica o caimento. E eu gosto do espaço — afirmou, como se fosse óbvio. — Além disso, você não estava aqui.
Nathan cruzou os braços, o maxilar tenso.
— Isso não te impede de ter um mínimo de decência.
— Decência? — Cael olhou-o por cima do ombro, os olhos âmbar brilhando com uma malícia mansa. — Eu sou um incubo. Sabe o que significa esse nome, não é? Decência nunca fez parte do meu vocabulário.
Nathan bufou, desviando o olhar, mas o calor na nuca já era um traidor. Aproximou-se com leveza, não por escolha, mas por uma espécie de magnetismo silencioso. A audácia de Cael era exasperante. Havia, porém, algo mais — uma qualidade estranha e instável naquela liberdade com que o incubo se exibia.
Uma forma de provocação que não era apenas sexual. Era quase… existencial. Como se Cael dançasse sobre a própria condição, zombando de qualquer ideia de culpa ou pudor. Ainda assim, algo em seus olhos desafiava Nathan a olhar além da superfície.
— Isso é… o que você veste para alguém com quem quer dormir? — perguntou, sem conseguir impedir o tom seco de escárnio contido.
Cael ergueu os olhos, sério por um momento. Depois assentiu lentamente.
— Sim, ele gosta de lingerie, quem não gosta?
— Como sabe disso?
— Já nos encontramos antes. Descobrir o desejo de outros seres é o que um incubo faz, sabe? Se eu não estou sendo desejado… então sou apenas um erro de laboratório com fome.
Nathan respirou fundo. Estava ficando cansado de ver Cael se esconder atrás da sedução, mas ainda mais cansado de se sentir tocado por ele, apesar disso.
— Você não é um erro — as palavras saíram baixas, tensas —, mas talvez precise parar de medir seu valor pelo quanto alguém o deseja.
Cael não respondeu. Apenas o observou, quieto, e por um segundo o apartamento inteiro pareceu suspenso naquele silêncio denso. Depois, com lentidão, levantou-se, aproximou-se de Nathan e parou a centímetros dele.
— E você? — murmurou, com a voz mais baixa. — Me quer?
A pergunta pairou no ar, sem pressa, e Nathan não respondeu. Não precisava. O calor em seu rosto, a rigidez no maxilar, o silêncio prolongado — tudo dizia mais do que qualquer palavra. Cael sorriu, mas não com escárnio. Um sorriso suave, quase triste, antes de se afastar e voltar a escolher outra lingerie.
— Você sabe que sim — disse, por fim.
Nathan sentou-se no sofá, um braço jogado sobre o encosto, a mão crispada discretamente enquanto observava. Tentava parecer indiferente, mas a neutralidade era um campo de batalha. Os olhos, por mais que ele tentasse mantê-los firmes, deslizavam com relutância sobre cada curva revelada, cada detalhe delicado das roupas escolhidas. E, estranhamente, com o passar dos minutos, não era mais a nudez que o incomodava. Era o motivo.
— E esse? — perguntou Cael, vestindo uma peça em roxo claro, o tecido quase translúcido colando-se ao corpo como névoa úmida. Seus quadris moviam-se com preguiça felina, um desfile informal com destino certeiro.
Nathan pigarreou.
— É… bonito.
— Só bonito? — Cael aproximou-se, o sorriso já se desenhando no canto da boca —, não sexy?
Nathan desviou o olhar para a janela, tentando se ancorar no horizonte urbano.
— Também.
Cael riu, e sua risada tinha aquele tom aveludado que parecia acariciar os tímpanos e desestabilizar certezas.
— É como se eu estivesse lhe mostrando roupas para ir ao mercado.
Nathan franziu os lábios, mas não disse nada. Aquela dinâmica começava a parecer… íntima. Familiar. Como se ele estivesse ali para opinar sobre o que “ficava melhor” — como se fosse seu papel avaliar o que favorecia mais as pernas de alguém que, em teoria, não lhe devia explicações.
Era um pensamento desconfortável. Uma parte de si começou a se perguntar se aquilo era algo que casais faziam. E o mais incômodo: ele não se sentia fora do papel.
Estava começando a parecer… um namorado.
Mas sem o direito aos ciúmes. Sem os privilégios da posse.
Apenas um espectador que fingia não se importar com o fato de que Cael estava se preparando para outro homem.
— Você se incomoda? — A pergunta veio de repente, com um brilho sutil nos olhos dourados de Cael. Ele não perguntava com inocência; perguntava com precisão. Como quem estuda reações, não respostas.
— Com o quê?
Cael se aproximou mais um passo. A luz banhava seu rosto, os traços perfeitos — uma escultura viva. Ele se inclinou levemente, deixando que o decote se abrisse um pouco mais. O laço no centro oscilava com sua respiração calma.
— Com o fato de eu estar me vestindo assim… para outro homem.
Nathan mordeu a parte interna da bochecha. O desconforto ferveu sob a pele, mas ele manteve a expressão firme, sustentando o olhar de Cael com um estoicismo que beirava o desafio.
— Por que eu me incomodaria?
Cael sorriu. Lentamente. Com um ar quase afetuoso, como quem sabia exatamente o que via — mesmo que o outro fingisse não mostrar.
— Talvez porque, em algum nível, você queira que seja pra você.
A frase pairou no ar como perfume caro — doce, envolvente, impossível de ignorar.
Nathan não respondeu. Não confiava no que sairia se abrisse a boca naquele momento. E Cael, sempre atento, soube reconhecer a tensão. Com um movimento suave, sem pedir permissão, subiu em seu colo. O corpo quente e macio se encaixou sobre as coxas dele. As mãos pousaram nos ombros, e o perfume — especiarias, algo terroso e ao mesmo tempo doce — invadiu o espaço entre os dois.
— Isso te incomoda? — murmurou, com o rosto tão próximo que Nathan podia ver as nuances nos olhos dele, pequenas fissuras douradas como fogo líquido.
Nathan apertou o braço do sofá com mais força.
— Você nunca perde a chance, né?
Cael inclinou a cabeça, fingindo pensar.
— Claro que não. Mas… você sempre pode me empurrar, Nathan.
Nathan não o empurrou.
Por um instante longo demais, ficaram ali. A respiração de Cael roçava a pele de Nathan. A rendinha da lingerie arranhava de leve o algodão da camisa. Era quase nada — e, ainda assim, era tudo. O tipo de quase-contato que, para Nathan, doía mais que o toque. Porque não era apenas físico. Havia camadas naquele silêncio: curiosidade, desejo contido, raiva mal resolvida, uma intimidade que crescia pelos cantos como mofo — silenciosa, inevitável.
— Esse roxo… — disse Nathan, por fim, sem entender por que a voz saía mais baixa do que o normal. — É o melhor até agora. Combina com seu cabelo, mas é claro demais pra sua pele. Por isso acho que um preto cairia melhor.
Cael piscou devagar, e um sorriso lento curvou seus lábios.
— É mesmo?
— Sim…
Cael não zombou. Não usou aquilo contra ele. Apenas assentiu, com um brilho sutil nos olhos, e então se acomodou no colo de Nathan como se aquele fosse, de fato, o lugar mais natural para estar.
E por um instante, naquele silêncio saturado, Nathan pensou que talvez ele quisesse mesmo que fosse.
—–
O ar no campus parecia carregado demais para uma tarde comum — um peso que não vinha do calor nem do acúmulo de preocupações acadêmicas, mas de algo mais sutil: um desvio na harmonia do lugar. Nathan sentia as palavras dos livros de anatomia escapando como poeira entre os dedos, sua mente insistindo em repetir nomes e processos que, de tão decorados, já não significavam nada. Estava sentado na encosta gramada que dava vista ao pátio principal, onde grupos se reuniam em torno de anotações rabiscadas e cafés mornos, tentando domar o caos do semestre.
E então, o ar parou.
Foi imperceptível, como o silêncio súbito entre dois compassos de uma música — o tipo de pausa que anuncia algo — ou alguém — que não pertence ali. Nathan sentiu antes de ver: uma eletricidade tênue percorreu sua espinha, como se o mundo tivesse prendido a respiração. Quando ergueu os olhos, seus pensamentos foram arrancados da lógica dos músculos e tecidos e lançados para uma realidade muito mais imediata.
Cael.
Andava com uma calma que desafiava a pressa do ambiente. O corpo envolto numa camisa escura de tecido fino, os botões abertos até um ponto estrategicamente ambíguo, revelando o princípio de uma clavícula acentuada e a sugestão de pele. A calça — justa, mas elegante — desenhava suas pernas longas com um equilíbrio indecente entre requinte e provocação.
O cabelo caía em ondas perfeitamente indisciplinadas e, mesmo sem qualquer glamour visível, ele irradiava uma presença que transformava a realidade ao redor — como se o mundo inteiro estivesse escrito em letra cursiva, e ele fosse o único em negrito.
Nathan se levantou num movimento automático, seus colegas erguendo sobrancelhas e trocando olhares sutis. Ignorou os sussurros e foi ao encontro dele, com passos rápidos e a expressão dura.
— O que está fazendo aqui? Você não tinha um encontro? — perguntou assim que se aproximou, conduzindo Cael com um gesto para uma trilha lateral, onde as árvores protegiam do burburinho.
Cael sorriu com uma tranquilidade quase insolente, os olhos dourados vagando preguiçosamente pelas construções ao redor, como se o campus fosse uma vitrine curiosa de comportamentos humanos.
— Tenho, sim — respondeu, sem pressa. — Mas ainda faltava um tempo… então resolvi passar aqui. Pensei em te fazer uma visita surpresa. Gentil da minha parte, não acha?
Nathan cruzou os braços, o olhar oscilando entre o rosto dele e a abertura provocante da camisa.
— Você resolveu vir até minha faculdade, no meio da tarde, vestido assim?
— Assim como?
— Você sabe exatamente como — Nathan rebateu, pressionando os lábios. — A última vez que te vi, você estava me pedindo opinião sobre lingeries. Não achei que esse visual fosse só para vir me ver.
Cael sorriu, felino, e deu mais um passo, deixando a sombra das folhas brincar sobre o rosto e o peito semi-exposto.
— Mas você aprovou, não aprovou? — murmurou. — Na sala. Disse que aquele roxo ficava bonito em mim. Achei que devia continuar na linha do que te agrada.
Nathan sentiu o calor subir pelas orelhas, mas manteve-se firme.
— Eu disse que era bonito, não que você devia usá-lo para vir aqui se exibir.
— Não estou me exibindo — respondeu, embora cada centímetro de sua postura sugerisse exatamente o contrário. Ele ergueu as mãos em falsa rendição. — Só queria saber se você acha que eu estou… lindo.
Havia algo no modo como ele disse a palavra. Não era vaidade, exatamente. Nem insegurança. Era provocação com um quê de necessidade disfarçada — como se a beleza, para Cael, fosse uma arma tão familiar quanto uma armadura. E como se, por um momento breve, ele realmente quisesse ouvir aquilo da boca de Nathan.
Nathan inspirou fundo, os olhos fixos nos dele.
— Está.
— Estou?
— Você está… — a palavra ficou presa por um instante, relutante, mas depois emergiu como quem se rende — lindo.
Cael piscou lentamente, o sorriso mais contido dessa vez, quase contemplativo. Como se não esperasse uma resposta tão direta — ou como se estivesse testando os limites entre brincadeira e verdade.
— Que romântico — disse, num tom leve, mas havia algo nos olhos que o contradizia. Algo silencioso e tênue, que Nathan não soube interpretar.
O silêncio que se seguiu foi curto, mas denso. Os ruídos do campus pareciam distantes agora, como se o mundo tivesse encolhido até caber naquela trilha entre árvores, naquele espaço entre os dois. Nathan desviou o olhar, buscando refúgio no chão de pedras e folhas.
— Você não devia se atrasar para seu encontro?
— Posso me atrasar. Ele não tem nada de especial — disse Cael com desdém disfarçado. — É só… um corpo bonito. Nada que valha a pressa.
— Então por que se vestiu assim?
Cael arqueou uma sobrancelha.
— O mesmo motivo que você se arruma para uma apresentação. Eu não minto sobre o que ofereço.
Nathan bufou uma risada seca, sacudindo a cabeça.
— Você é impossível.
— E ainda assim, aqui estou. Te ouvindo repetir isso toda semana.
— Porque toda semana você faz questão de provar meu ponto.
Cael apenas sorriu, satisfeito com a própria teimosia. Depois, inclinou-se levemente, o rosto mais perto do de Nathan, a voz um murmúrio sedoso.
— Mas admite… é bom me ver aqui, não é?
Nathan hesitou. Por um momento, quase disse que não. Mas seus olhos demoraram um segundo a mais do que deveriam na curva da boca de Cael, na sombra projetada pela gola aberta sobre a clavícula. E isso disse mais do que qualquer resposta.
Enquanto falavam, caminharam sem perceber, Cael acompanhando o passo de Nathan com curiosidade genuína. Pararam diante da escadaria do prédio principal.
— Então é aqui que você passa horas torturando o cérebro — comentou Cael, inclinando-se sobre o corrimão. — Quantas almas desesperadas será que esse prédio já engoliu?
— Todas que fazem bioestatística no primeiro semestre — respondeu Nathan, secando a testa com as costas da mão. — Agora, se me der licença, tenho uma prova para encarar.
Cael se virou, ainda sorrindo, e então fez um gesto teatral com a mão.
— Espere. Antes que vá enfrentar o dragão, precisa de um amuleto. Um beijo da sorte.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
— Você não está falando sério.
— Estou falando seríssimo. É uma tradição antiga. Muito respeitada. Em algumas culturas, inclusive, é ilegal não beijar seu incubo antes de uma prova difícil.
Nathan riu, os ombros relaxando apesar da tensão.
— Um beijo. Só um. Se você tentar enfiar a língua, eu vou fingir que não te conheço pelos próximos três dias.
— Já estou lisonjeado por me conhecerem — murmurou Cael, inclinando-se com um sorriso que era quase… doce.
Nathan, com um suspiro resignado, segurou o rosto de Cael com uma das mãos e o beijou de leve, apenas os lábios encostando, rápido, quase casto. Quando se afastou, Cael tinha os olhos entreabertos e um ar deliciosamente satisfeito.
— Hm… isso definitivamente vai te dar sorte.
Nathan riu, corado, e começou a se afastar.
— Boa sorte para mim, então.
— Nathan — chamou Cael, e o tom tinha algo diferente, mais brincalhão ainda, mas com um fundo de expectativa.
Nathan virou-se, já descendo os degraus.
— Se você tirar uma nota alta — disse Cael, com um meio sorriso — vai me dever um encontro.
Nathan parou por um segundo, encarou-o de longe, e então ergueu as sobrancelhas.
— Um encontro?
— Nada comprometedor. Só… uma caminhada noturna. Conversa fiada. Talvez um jantar.
Nathan riu e sacudiu a cabeça, continuando a descer.
— Só se eu tirar nota alta.
— Eu aposto que vai ser a melhor da sua vida — respondeu Cael, já se afastando pelo campus, sem lançar feitiço algum. Apenas ele mesmo.
Nathan entrou no prédio com o coração batendo mais rápido do que antes — não pela prova, mas pela ideia absurda e perigosamente tentadora de que um incubo o esperaria do lado de fora, querendo — pela primeira vez — apenas estar ali.
—–
Nathan chegou em casa tarde naquela noite, os ombros ainda pesados pela tensão da prova que fizera horas antes. A luz amena da sala parecia mais distante do que de costume, como se o cansaço distorcesse o espaço ao seu redor.
Jogou as chaves sobre a mesinha de entrada, chutou os sapatos para longe e, sem pensar, sacou o celular do bolso — um gesto automático, inconsciente. A tela piscou com notificações acumuladas, entre elas o nome de Cael brilhando em destaque.
Nathan franziu a testa. Não havia sinal de Cael em casa; talvez ele tivesse saído pouco antes da sua chegada. Com um suspiro arrastado, deslizou o dedo pela tela, abrindo as mensagens.
E congelou.
Ali estava — um link acompanhado por palavras breves, insolentes, como se fizessem parte de uma brincadeira íntima que ele não se lembrava de ter aceitado participar.
Cael: “Para quando você precisar de um alívio, Nathaniel.”
Seguido de um emoji malicioso, descaradamente provocante.
Nathan hesitou. Algo dentro dele — um senso de autopreservação, talvez — lhe dizia para ignorar, deixar para lá. Mas a curiosidade, atiçada pela exaustão e por aquele estranho fio de desejo não resolvido que sempre surgia quando o assunto era Cael, venceu.
Tocou o link.
Uma página se abriu.
O perfil era privado, protegido por camadas de permissões que só reforçavam o caráter ilícito daquilo.
No topo, uma foto de Cael: rosto apenas parcialmente visível, um sorriso nos lábios, os olhos semicerrados num convite tácito.
Abaixo, vinhetas curtas, prévias de vídeos onde ele surgia em poses sensuais — ora na penumbra, ora sob luzes coloridas, explorando sua própria imagem como quem domina a arte do fascínio.
Nathan sentiu o calor subir-lhe pelas orelhas, num rubor indignado.
“Que merda, Cael… e se eu tivesse aberto isso na faculdade?!”
A voz ecoou baixa e furiosa na sala vazia.
O celular vibrou de novo, quase como se zombasse dele.
Outro anexo. Um vídeo. Aproximadamente vinte minutos.
Sem título convencional, apenas uma mensagem curta:
Cael: “Um mimo para você. Aproveite.”
Nathan olhou ao redor, como se esperasse encontrar alguém espreitando, pronto para acusá-lo. O coração batia depressa — não de medo, mas de algo mais primitivo, mais incômodo.
O dedo pairou sobre o arquivo antes de, finalmente, ceder.
O vídeo começou com uma música baixa, algo atmosférico e pulsante.
A imagem tremeluziu e revelou Cael.
Ele estava de joelhos sobre uma cama ampla de lençóis escuros, iluminado apenas por uma lâmpada suave no canto, que tingia sua pele de dourado e sombra.
Vestia apenas uma peça de lingerie negra, feita de tiras e transparências, que pouco escondia e muito sugeria.
O olhar de Cael, direto para a câmera, era um golpe — não de violência, mas um convite tácito e irreversível.
Lento, como se dançasse para um único espectador, Cael deslizava as mãos sobre o próprio corpo com uma sensualidade sem esforço.
Seus movimentos eram precisos, mas havia algo de orgânico neles, como se estivesse sendo levado por uma corrente invisível de prazer contido.
Nathan assistia, paralisado, a boca seca.
Era diferente de qualquer pornografia comum; era íntimo, pessoal.
Era como se Cael soubesse que ele estava assistindo, como se cada olhar, cada gesto, fosse desenhado para tocar precisamente onde Nathan era mais vulnerável.
O vídeo progredia em camadas: primeiro a dança sutil, depois carícias mais ousadas, o tecido da lingerie sendo puxado, deslizando da pele como se recusasse a abandoná-lo completamente.
A câmera capturava cada suspiro, cada arquejo, sem pressa.
Cael gemia baixo — um som abafado, controlado, como se soubesse que, mais do que o volume, era a sugestão que incendiava.
Nathan desviou o olhar por um instante, os nós de sua garganta apertando-se.
Sentiu-se sujo, invadido e, ainda assim… incapaz de desligar.
Cada segundo parecia projetado para atiçar, para arrastar o espectador para dentro daquele universo privado onde Cael reinava absoluto.
Quando o vídeo se aproximava do final, Cael olhou para a câmera novamente, os lábios entreabertos, e murmurou algo que fez o estômago de Nathan revirar.
Cael: “Espero que aproveite direitinho.”
O sorriso que acompanhava aquelas palavras era devastador: uma mistura de ternura fingida e malícia crua, como veneno dissolvido em mel.
O vídeo se apagou, retornando à tela escura, e Nathan soltou uma respiração trêmula que nem percebera estar prendendo.
A sala estava mergulhada no silêncio, exceto pelo som descompassado de seu próprio peito.
Ele passou a mão pelos cabelos, irritado, envergonhado, excitado. Mas o nome de Cael, vibrando sob sua pele, não desaparecia.
E, no fundo, Nathan sabia: não era apenas raiva que fervilhava em suas veias.
Era desejo.
Desejo por algo que ele ainda não tinha nomeado — e que, em Cael, parecia se tornar inevitável.
—–
A notícia chegou com a impessoalidade crua de um e-mail universitário, mas ainda assim, Nathan sentiu o impacto como se fosse algo mais físico. Um número, frio e objetivo, brilhou no topo da tela do celular — 9,4. Alto. Quase perfeito. Quase improvável. Ele ficou parado no meio do corredor, entre uma fileira de armários e o reflexo opaco da janela, sentindo o zumbido do campus continuar ao redor como um mundo paralelo do qual ele, por um instante, se afastava.
Fechou o e-mail com um gesto automático, mas a informação ficava ali, reverberando. Pensou na véspera da prova, na conversa com Cael, no beijo — e na promessa feita em tom brincalhão.
“Se tirar uma nota alta, me deve um encontro.”
Ele riu sozinho, o som abafado e breve, e se dirigiu para o prédio onde sabia que encontraria o incubo.
A sala onde Cael esperava — uma das de uso menos frequente no prédio de estudos avançados — sempre parecia tomada por um silêncio quase ritual. Nathan abriu a porta com a cautela de quem não tinha certeza do que encontraria, e, de fato, o que viu o fez parar por um momento.
Cael estava ali, recostado na mesa ao centro, envolto por uma túnica longa de tecido escuro e fino, que deixava as pernas nuas à mostra sempre que ele se movia. O pano parecia quase líquido, escorrendo pelos ombros até tocar o chão, e havia algo deliberadamente antigo naquele visual — como se ele tivesse sido tirado de uma pintura devocional em que o santo, por alguma razão, era perigoso demais para ser canonizado.
Nathan fechou a porta atrás de si com um estalo seco.
— Eu tirei uma nota alta — anunciou, com um meio sorriso. — Muito alta, na verdade. Devo isso a um certo beijo de boa sorte?
Cael ergueu os olhos devagar, um brilho morno passeando pelas pupilas.
— Ah. Então funcionou. — Ele sorriu, mas não se moveu. — Talvez eu devesse cobrar mais beijos, então.
Nathan atravessou a sala com calma, os passos ecoando entre as paredes antigas. Havia algo diferente no ar, não mágico, mas íntimo. Quase doméstico. Cael parecia menos uma criatura mitológica e mais… uma presença. Algo real e humano demais para ser ignorado.
— Você não… — Nathan parou ao lado dele, estreitando os olhos. — Você não fez nada, fez?
— Eu juro que não. Seria um insulto à sua inteligência. — Cael sorriu de lado, como quem brinca com a ideia.
— Um insulto que você provavelmente faria se quisesse sair comigo. — Nathan sentou-se na mesa oposta, cruzando os braços. — Foi só… curiosidade? Aquela história do encontro?
Cael hesitou, e a pausa disse mais do que as palavras que se seguiram.
— Eu não estava falando sério. Você não precisa fazer isso — disse, por fim, o tom mais neutro do que de costume. — Era só… provocação.
Nathan inclinou o corpo para frente, estudando-o.
— Por quê?
— Porque é desnecessário. — Cael passou os dedos por uma mecha de cabelo, como quem tenta se ocupar com algo banal. — Encontros são coisas humanas. Românticas. Cheias de intenções e significados. Eu… não sou assim. Nunca fui. Nunca precisei ser. As pessoas com quem fico não querem jantar à luz de velas ou me perguntar sobre a minha infância.
— E se quisessem? — Nathan perguntou, baixando a voz. — Se soubessem o que você é… e ainda assim quisessem?
— Ainda seria sexo — disse Cael, simples. — Algumas sabiam. Algumas não se importavam. Mas nenhuma quis… me conhecer. E eu também nunca quis.
Houve um silêncio. Um daqueles que se estende, não por falta de palavras, mas porque ambas as partes compreendem que há algo maior sob a superfície, algo que ainda não se nomeia.
Nathan apoiou os cotovelos nos joelhos, os olhos fixos em Cael.
— Você não quer?
Cael o encarou, e ali havia algo nu. Um cansaço antigo, talvez. Ou uma solidão que se disfarçava tão bem em sarcasmo que às vezes até ele esquecia que estava lá.
— Eu não sei como querer — disse. A voz era baixa, mas clara.
Nathan se levantou devagar e foi até ele, ficando de pé a menos de um palmo de distância. O cheiro de Cael era doce e denso, algo entre incenso e terra molhada, como se o mundo espiritual se condensasse ao redor de sua pele. E, ainda assim, havia uma vulnerabilidade estranha ali, um convite mal disfarçado na maneira como seus ombros estavam menos retos que o habitual.
— Eu não estou te oferecendo um jantar à luz de velas, Cael. — A voz de Nathan soava firme, mas gentil. — Só estou dizendo que… se quiser sair comigo, de verdade, sem precisar me encantar ou me seduzir… pode.
Os olhos de Cael se estreitaram levemente, confusos.
— E se eu não souber o que fazer?
— A gente aprende. — Respondeu Nathan, com um sorriso tênue. — Eu também não sou especialista. Meu último encontro terminou com a garota me dizendo que eu parecia estar mentalmente revisando uma lista de compras durante a conversa.
Cael soltou uma risada, dessa vez genuína, e algo dentro dele pareceu se soltar. Um músculo invisível que há muito permanecia tenso.
— Você é estranho, Nathan.
— E você anda por aí de blusa sem nada por baixo. Quem é o estranho aqui?
— Toque de charme — disse Cael, inclinando-se para perto, com os olhos faiscando. — Funciona bem, você tem que admitir.
Nathan não recuou, mas também não avançou. Apenas o olhou por um momento longo, permitindo que o silêncio respirasse entre os dois.
— Então? — perguntou, por fim. — Quer sair comigo?
Cael sustentou o olhar, e havia ali um peso silencioso, como se algo estivesse sendo decidido dentro dele — algo que talvez ele mesmo ainda não compreendesse completamente.
— Sim. — A palavra saiu sem adornos, crua, mas firme. — Mas não me culpe se eu agir… estranho.
— Estranheza é o que me atrai em você, Cael.
E antes que o outro pudesse retrucar, Nathan se inclinou e encostou os lábios no canto de sua boca, suave, sem a provocação de antes. Um gesto pequeno, mas carregado de algo novo. Algo que Cael não soube nomear, mas que ficou com ele mesmo depois que Nathan saiu da sala.
Ficou ali, como uma promessa de algo mais profundo do que desejo — algo que, talvez, ele estivesse finalmente pronto para querer.
Comentários no capítulo "Capítulo 5"
COMENTÁRIOS
Capítulo 5
Fonts
Text size
Background
Doce Inanição
Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...