Capítulo 11
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Nathan despertou no sofá, os músculos tensos e a boca seca, como se tivesse dormido mal ou não tivesse dormido o suficiente. A luz da manhã atravessava as frestas da cortina como lâminas douradas, recortando o cômodo em tiras de claridade. Havia algo de opressor naquele silêncio: a ausência de passos, de vozes, de qualquer sinal de que Cael ainda estivesse ali.
Passou a mão pelo rosto, afundando os dedos nos olhos, tentando dissipar a névoa do sono. Só então se deu conta de que o celular não estava por perto.
Levantou-se com um resmungo e começou a procurar — as calças jogadas no chão ao lado do sofá lhe deram uma pista. Abaixou-se, tateou o bolso da frente e retirou o aparelho. A tela acendeu no mesmo instante, revelando uma nova notificação.
Cael: “Assunto imprevisto. Volto em breve.”
Três palavras frias demais para o calor que ainda dançava sob sua pele.
Nathan ficou ali, de pé no meio da sala, lendo e relendo aquela mensagem com o cenho franzido. Frases curtas demais para o que tinham sido na noite anterior. Nenhuma explicação, nenhum contexto — apenas um vácuo elegante.
Sentou-se outra vez, o celular entre as mãos. A sala parecia mais ampla do que lembrava, como se a ausência de Cael tivesse alargado os cantos do espaço. O copo ainda sobre a mesa de centro trazia a marca de um gole pela metade, talvez deixado às pressas, talvez esquecido de propósito.
Ele abriu o histórico de mensagens. As duas que havia mandado mais cedo ainda estavam ali. Não lidas.
08h27.
09h52.
10h13.
Nathan odiava esse tipo de apego. Odiava sentir como se estivesse de novo naquela posição ridícula — de quem se importa mais do que deveria. Tentou se distrair lavando a louça, preparando café, respondendo e-mails. Tentou repetir para si mesmo que Cael não era seu namorado. Não era seu e nunca fora. Que aquela coisa entre eles era física, no máximo um conforto mútuo com prazo de validade.
Mas não era verdade.
Não depois daquela noite.
Havia algo em como Cael havia se entregue. Não só com o corpo, mas com o silêncio, com o jeito como segurou sua mão, como permitiu que ele permanecesse. Algo no modo como seus olhos se fecharam quando Nathan o beijou — não com desejo, mas com cuidado.
Nathan passou a mão pelo rosto, sentindo os dedos trêmulos. Não era apenas preocupação. Era medo.
Porque, mesmo que não admitisse, uma parte dele sabia que Cael podia sumir a qualquer momento. Que ele era feito disso — ausência, sombra, deslocamento. E agora essa parte sussurrava em sua cabeça, perguntando “Será que ele vai voltar?”
Ele abriu a última mensagem enviada.
“Tá tudo bem?”
Simples. Neutra. Cuidadosamente despretensiosa.
Apagou. Reescreveu.
“Me avisa quando puder.”
Apagou de novo.
Afinal, para que enviar mais uma mensagem ignorada?
Sentou-se no sofá, afundando entre as almofadas com o peso acumulado da espera. A sala parecia maior sem Cael — ou talvez apenas mais vazia. Um copo esquecido sobre a mesa ainda tinha a marca dos lábios dele. Nathan o encarou por um tempo absurdo, como se pudesse extrair respostas da curva esmaecida de batom invisível.
Na televisão, uma propaganda qualquer murmurava ruídos, preenchendo o espaço sem sentido.
“Você está ficando ridículo.”
A voz em sua cabeça soou como uma repreensão. Mas ele já sabia disso. Ridículo por estar esperando. Por estar tão disponível. Por ter amado alguém que sequer sabia o que era amor.
Ou será que sabia?
Nathan se lembrou da forma como Cael recuava quando algo era gentil demais. Como desviava os olhos quando era tocado com ternura. Como parecia surpreendido cada vez que ouvia seu nome ser dito com delicadeza. Não como um comando — mas como um chamado.
Ele não queria pensar no que aquilo significava. No porquê de Cael ter desaparecido. No que havia do outro lado desse “assunto imprevisto”.
Mas a verdade o atravessava com uma nitidez desconfortável:
Ele estava com saudade.
Não da presença física. Não do corpo — embora aquilo também doesse. Mas da companhia. Do silêncio compartilhado. Do modo como Cael o fazia se sentir menos sozinho no mundo — ainda que jamais dissesse isso em voz alta.
E então, pela primeira vez em dias, Nathan não fez nada. Não respondeu e-mails. Não se levantou para lavar o copo. Apenas ficou ali, sentado, com os olhos fixos na porta de entrada.
Esperando.
Talvez por uma explicação.
Talvez por Cael.
Talvez — contra todo bom senso — por algo que nem sabia mais como nomear.
—–
O salão era amplo, imerso em penumbra, perfumado com especiarias quentes e a doçura narcótica da fumaça suspensa no ar. As luzes pendiam do teto como frutos proibidos — âmbar, carmim, dourado —, lançando reflexos aveludados sobre o mármore negro polido, onde os passos desapareciam sem deixar eco. Era um espaço criado não apenas para o desejo, mas para o silêncio. Para o domínio.
Cael avançava devagar. As sandálias de salto, com tiras que se enroscavam até as panturrilhas, marcavam levemente seus tornozelos a cada passo contido. Seu traje era mais insinuação do que vestimenta: um arnês negro de couro fino, entremeado por delicados recortes de tecido floral que realçavam a pele pálida. O peito à mostra exibia com orgulho os piercings metálicos nos mamilos, que reluziam sob a luz tênue. A parte inferior deixava pouco à imaginação — um fio escuro revelava a presença do vibrador interno, cujo controle estava preso ao próprio arnês. Entre as nádegas empinadas, o plug anal em forma de joia reluzia como um pequeno troféu. No centro da intimidade, o piercing no clitóris cintilava com cada movimento.
Arael o aguardava no centro do salão, reclinado com naturalidade predatória sobre uma poltrona de entalhe refinado em marfim escurecido, rodeado por poucos — mas atentos — observadores. Seus olhos brancos seguiam Cael com a mesma calma de quem observa a aproximação de uma maré inevitável.
— Aproxime-se. — A voz soou baixa, sem pressa. Mas não havia como recusá-la.
Ele estendeu uma mão, e Cael, obediente, avançou. O peito subia e descia com mais intensidade do que a situação exigia — ansiedade, ou desejo à beira da fricção.
Ao chegar diante do mestre, Cael subiu sobre seu colo, ajoelhando-se no estofado firme com as mãos apoiadas nos ombros de Arael. O toque que veio em seguida foi lento, calculado: os dedos frios deslizaram pelo quadril e seguiram até a parte posterior da coxa, onde repousaram com propriedade. Arael o examinava como se conferisse uma peça rara prestes a ser leiloada — ou um brinquedo cujo valor só poderia ser medido no uso.
Cael se manteve imóvel, a bunda sutilmente empinada. O movimento provocou uma leve pressão no plug, e seus músculos se contraíram em reflexo involuntário. De onde estavam, todos podiam ver o que ele carregava dentro de si — sem disfarces, sem vergonha. Apenas a entrega.
— Você se lembra da sensação, não lembra? — murmurou Arael, com a mão ainda em sua coxa. — Quando a fome se confunde com o prazer.
Os olhos de Cael hesitaram, vacilando por um instante. Ele lembrava. O gosto seco da privação, o torpor que se arrastava sob a pele até virar êxtase… e o medo. O medo de ceder demais e se perder.
— Aqui estão as regras. Você será desejado. Tocado com os olhos. Provocado. Mas não vai comer. — Seu dedo riscou um traço sobre o abdômen de Cael, onde a marca do íncubo pulsava suavemente, viva sob a pele. — Não vai beijar. Não vai transar. — Fez uma pausa, saboreando a rigidez das palavras. — Quebre uma regra… e voltamos às correntes. Mas, se obedecer… — o sorriso foi discreto, quase afetuoso —, vai se alimentar como um rei. Entendeu?
Cael arfou. Os olhos lilases tremiam entre o desafio e a súplica.
— Sim, Mestre. — murmurou, a voz trêmula, mas firme.
— Bom garoto. — sussurrou Arael, e com um gesto imperceptível, ativou o vibrador.
Cael estremeceu no mesmo instante.
O zumbido baixo reverberou dentro de seu corpo, espalhando ondas mornas de prazer. O plug pulsava como um lembrete cruel do controle absoluto que o dominava. Ele se remexeu sutilmente, tentando manter a compostura, mas a excitação latejava em cada músculo exposto.
— Vá. — disse Arael, sem tirar os olhos dele. — Mostre-se.
Cael obedeceu. Com um último olhar ao mestre, desceu do colo, o corpo ainda vibrando em silêncio. Caminhou pelo salão com a graça de um felino enjaulado, cada passo desenhado para provocar. Sabia que os olhos estavam sobre ele. Sabia o que viam.
A ideia de estar rodeado por corpos prontos, de sentir o calor dos olhares, o cheiro de desejo e luxúria misturados no ar… era insuportável de tão doce. Uma tortura que se disfarçava de adoração.
Mas a ordem de Arael era clara. E absoluta.
Ele obedeceria. Mesmo que isso o deixasse à beira do colapso.
O salão vibrava em decadência. O aroma de bebidas caras e pele aquecida se enroscava no ar como um feitiço. Cael atravessava a multidão com passos lentos, ondulantes. Uma presença afiada como navalha. A cada olhar que cruzava o dele, a fome dentro de si ardia um pouco mais — não apenas por energia, mas por permissão.
Mas esta noite… não era dele.
—–
Dias depois
Não havia janelas no lugar onde Cael despertou. Na verdade, ele não dormia havia dias — não por escolha, mas por exaustão. O corpo havia cedido. Agora, apenas acordava.
O tempo ali não existia. Só uma escuridão morna, úmida, espessa como o suor envelhecido que colava à pele. Seus músculos tremiam, não mais por prazer, mas pela sobrecarga. A vibração constante dos brinquedos se tornara parte do fundo do corpo — um zumbido abafado que não dava prazer, apenas espasmos, dor e náusea.
Estava esgotado. E faminto.
Não a fome libidinosa que aprendera a cultivar — mas uma fome primitiva, que corroía de dentro para fora, tornando a respiração pesada, os membros inertes, os pensamentos embaralhados numa névoa de desespero. Seus olhos, fixos no nada, não buscavam mais nada. Não havia orgulho. Só o vazio reverberando.
Ele estava deitado de lado sobre o colchão. As mãos presas por algemas de couro presas a correntes firmemente conectadas à estrutura da cama. Uma mordaça amortecia qualquer som. Dentro dele, as bolinhas anais se moviam com os espasmos involuntários. Um dildo mantinha um pequeno vibrador cada vez mais fundo — uma provocação constante, íntima, esmagadora.
Quando a orbe de Arael surgiu, flutuando devagar com a mesma majestade fria de sempre, Cael soube. Antes que a luz espectral se adensasse. Antes da silhueta se formar. Sabia.
Mas não era só a orbe. Arael vinha em carne e osso.
Os pés descalços tocaram o chão com a leveza silenciosa de um predador. As vestes, feitas de seda espessa, sussurravam com cada movimento.
Ele não sorriu. Não precisava.
Sua presença bastava para tomar o quarto — fria, total. Os olhos dourados desciam sobre o corpo de Cael com aquela precisão de um escultor diante da própria obra rachada. A contemplação era estética. Mas também era posse.
— Está fraco — disse, com uma suavidade que cortava como lâmina envolta em veludo. — Como antes. Quando eu te deixava assim. Você lembra?
Cael permaneceu em silêncio. Talvez não conseguisse responder. Talvez não quisesse dar a ele esse gosto.
Arael se aproximou. Ajoelhou-se diante dele e o virou com um gesto seco, fazendo-o deitar de barriga para cima. Depois, puxou delicadamente a corrente conectada aos dois piercings nos mamilos de Cael. A reação veio rápida — um arquejo, um tremor contido.
— Eu costumava me perguntar quanto tempo levaria até você implorar — continuou, como quem recorda um jogo antigo. — Mas agora… você tem Nathaniel, não tem?
Arael inclinou a cabeça. Os lábios quase sorrindo, sem leveza alguma.
— Ele te alimenta com afeto. Uma fonte pobre… mas morna. E humana.
Cael rangeu os dentes.
Queria falar. Queria morder, cuspir, gritar. Mas o corpo não respondia. As palavras estavam pesadas demais.
Arael, então, pegou o dildo e o empurrou com mais firmeza para dentro. Com a outra mão, pressionou a barriga de Cael, bem sobre o ponto onde o vibrador se agitava. A pressão aumentou, como uma maré empurrando por dentro. O corpo de Cael arqueou instintivamente.
— Estava considerando te dar um banquete — disse com leveza. — Um evento. Velhos aliados, rostos influentes… corpos bonitos, cheios de energia. Você escolheria.
Fez uma pausa. Virou-se um pouco, como quem pondera.
— Ou prefere um leilão? Seus encantos renderiam cifras impressionantes.
Cael estremeceu. Pequeno. Mas Arael viu.
— Ainda não? — A suavidade da voz se quebrou, deixando pontas cortantes. — Talvez eu precise esperar mais. — Os olhos cintilaram com algo antigo. — Ou você pode pedir.
Era sempre assim. O jogo eterno. Ele nunca oferecia. Esperava que Cael cedesse. Que se rendesse. Que confessasse sua fraqueza — e, com ela, o lugar a que pertencia.
Arael empurrou o dildo mais fundo, esmagando o vibrador contra um ponto sensível, feito faca girando em carne exposta.
Cael queria resistir. Queria.
Mas tudo doía. A carne, o orgulho, a memória.
Nathan. Ele tentou se ancorar ali. No calor dele. Mas era distante. Irreal.
Sentia-se sujo. Frágil. Não por estar faminto, mas por ainda — mesmo agora — precisar de Arael.
Arael retirou a mordaça. Queria ouvir.
A voz saiu trêmula. Raspada.
Um sussurro.
— Me… alimente… mestre.
O sorriso de Arael foi lento. Profundo. Triunfante.
Tocou o queixo de Cael, erguendo-o com delicadeza cruel. Como quem enfim admira uma joia forjada sob dor.
— Assim é melhor — murmurou, acariciando-lhe a face com um afeto pervertido. — Eu providenciarei.
Então, com calma, retirou os brinquedos. Um a um. As bolinhas, o dildo, o vibrador escondido. Depois, soltou as algemas.
E desapareceu. Dissolveu-se com a orbe, como névoa que o sol dissipa sem esforço.
Cael ficou sozinho no escuro.
Ainda vibrando.
Ainda faminto.
Mas agora, faminto… e derrotado.
As lágrimas escorriam sem que ele pudesse conter. Não era dor. Era mais fundo.
Era a humilhação de ter cedido de novo.
De ter pedido.
De saber que, por mais que algo nele tivesse mudado, Arael ainda sabia onde apertar.
E Cael… ainda sangrava nesses lugares.
Mas mesmo enquanto se desfazia em si, algo se movia. Lento. Silencioso. Como uma semente rachando em terra seca.
Não era submissão.
Era raiva.
E ela não iria embora.
—–
Nathan já havia relido a mensagem de Cael pelo menos três vezes, como se pudesse, num segundo olhar, extrair algum subtexto escondido, uma justificativa velada. Mas o conteúdo era direto, quase impessoal:
Cael: “Pode vir me buscar?”
Nada além disso.
Nenhuma explicação. Nenhum me desculpa. Nem mesmo um senti sua falta. Apenas aquelas palavras. E, mesmo assim, ele foi.
O endereço o levou a uma área discreta da cidade, onde o luxo se escondia atrás de fachadas discretas — portas pesadas, seguranças silenciosos, corredores acarpetados que engoliam o som dos passos. Um clube privado.
Nathan hesitou por um momento diante da entrada sóbria, antes de atravessar o saguão e se aproximar da recepção.
— Estou aqui pra buscar alguém. Quarto nove. — disse, com a voz contida.
O atendente apenas assentiu, sem questionamentos, e indicou com um gesto o elevador mais ao fundo.
O trajeto até o quarto foi solitário e tenso. O elevador parecia lento demais, o ar saturado de um perfume sofisticado, mas enjoativo — como se servisse para mascarar outros odores: suor, álcool, desejo gasto. Nathan conhecia bem esse tipo de ambiente. Já estivera em muitos, embora nunca com aquela sensação de algo engasgado na garganta. Era diferente quando se vinha buscar alguém.
Parou diante da porta indicada. Bateu, esperou. Quando ninguém respondeu, girou a maçaneta. Estava destrancada.
A cena o atingiu sem som, como um golpe abafado.
Cael estava de costas, no centro do quarto mal iluminado, vestindo-se às pressas. O corpo nu, parcialmente coberto, exibia marcas visíveis — vermelhidões recentes, chupões, hematomas. Seus ombros estavam tensos, como se esperasse um julgamento. Ao notar Nathan, encolheu-se instintivamente, apertando contra o peito as roupas que já segurava, como se quisesse desaparecer dentro delas.
Atrás dele, dois homens dormiam profundamente na cama desfeita. Um terceiro se remexia, murmurando, alheio à presença que invadia o quarto. O ambiente era carregado: cheiro denso de sexo e perfume barato, taças abandonadas, preservativos usados — tudo envolto na penumbra âmbar que tornava a cena quase teatral em sua decadência.
Nathan não disse nada.
Não perguntou.
Não expressou raiva.
Apenas entrou, parou diante de Cael — perto o suficiente para que o ar entre eles se tornasse incômodo. Seus olhos se cruzaram por um segundo. E naquele instante breve, feito de silêncio e tensão, algo invisível se partiu entre os dois.
Cael foi o primeiro a desviar o olhar. Vestiu-se por completo, sem uma palavra. Quando terminou, murmurou baixo, quase sem voz:
— Vamos… quero sair daqui.
No carro, o silêncio era mais espesso do que o ar.
O motor vibrava em marcha constante, a estrada escorria pelas janelas como um borrão indistinto — e, entre os dois, apenas o som pontual das setas piscando no painel. Nathan dirigia com o maxilar cerrado, as mãos firmes no volante, como se fugisse de algo que não sabia nomear… ou simplesmente não queria.
— Eu… não achei que você viria.
Nathan não olhou para ele. Apenas sorriu de canto, um sorriso curto, quase uma careta.
— Você sumiu. Eu tentei falar com você várias vezes.
— Eu estava… ocupado. Não consegui responder.
A resposta caiu pesada no ar. Nathan soltou uma risada seca, breve, como se estivesse rindo de si mesmo, ou da obviedade da desculpa.
— Claro. Ocupado.
Seu tom era casual demais — como quem tenta manter uma conversa neutra depois de levar um soco no estômago. Mas a tensão estava ali, pulsando em cada sílaba: no modo como ele segurava o volante, nos olhos fixos demais na estrada, no maxilar contraído.
Cael o olhou por um instante, como se tentasse decifrar o que havia por trás daquele silêncio. Mas não disse nada.
Nathan também não. Ele não perguntou por que Cael estava naquele quarto. Não perguntou quem eram os homens. Não perguntou o que tinha acontecido. Mas tudo isso estava lá, na ausência das perguntas.
Era um silêncio carregado de tudo o que não se podia dizer.
E embora Cael não entendesse completamente o que se passava dentro de si — nem dentro de Nathan — ele sentia. Como se uma parte sua soubesse que havia cruzado uma linha invisível. Não porque transara com outros homens. Mas porque, pela primeira vez, Nathan não parecia mais disposto a perguntar.
Ele apenas estava… distante.
Como se tivesse começado a soltar os laços que os uniam. Como se, pela primeira vez, considerasse a possibilidade de ir embora.
E isso doía.
Não a dor conhecida, física, manipulável. Mas uma dor mais profunda, mais fina — a de perceber que estava perdendo algo que ainda nem compreendia completamente.
No banco do passageiro, Cael fechou os olhos. Tentou se proteger da sensação. Mas já era tarde.
Nathan seguia dirigindo, em silêncio.
E, desta vez, não parecia que viraria o rosto para perguntar se Cael estava bem.
O apartamento estava quieto quando chegaram. Nathan não disse nada ao atravessar a porta; apenas jogou as chaves na bancada da cozinha e foi direto ao sofá, onde se sentou com as mãos entrelaçadas, os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça baixa.
Cael permaneceu de pé próximo à entrada, hesitante. Observava Nathan como quem observa algo trincado — sem saber se devia tocar ou apenas deixar que quebrasse por si.
Por um momento, só o som distante da cidade preencheu o silêncio entre eles.
— Você não vai me dizer por que sumiu? — perguntou Nathan, enfim, com a voz baixa. Ele não levantou os olhos.
Cael respirou fundo, desviando o olhar. Sabia que aquela conversa viria — e mesmo assim, não estava preparado. As palavras estavam presas em sua garganta, enroladas em culpa, em uma espécie de vergonha que ainda não sabia nomear.
Ele tentou sorrir — um daqueles sorrisos provocadores que tantas vezes usara para desviar conversas, dissipar tensões, virar o jogo a seu favor. Seus olhos ganharam aquele brilho calculado; as mãos escorregaram pela lateral do corpo enquanto se aproximava de Nathan com passos lentos, sugerindo desejo.
— Achei que sentiria minha falta — murmurou, com a voz levemente rouca, insinuante. — Mas estou aqui agora. Quer que eu te compense?
Nathan ergueu o rosto. Os olhos estavam diferentes. Havia uma frieza ali que Cael não conhecia — algo cortante, vulnerável demais para ser protegido por qualquer camada de charme.
— Eu estava preocupado, Cael.
A frase ficou suspensa entre eles como uma lâmina. Não dita com raiva, mas com um cansaço profundo — como se cada palavra carregasse o peso de noites mal dormidas, mensagens não respondidas, imagens não desejadas que teimavam em surgir na mente.
Cael hesitou. Seu sorriso vacilou por um segundo, mas logo retomou o controle — ou fingiu que retomava.
— Preocupado? Você sabe o que eu sou, Nathan. Sabe com o que trabalha. Não é como se eu pudesse me afastar disso tão fácil. Eu estive ocupado, só isso.
Deu de ombros, como se fosse algo trivial. Mas o tom leve demais só tornava tudo mais denso.
Nathan o encarava em silêncio. Nenhuma acusação. Nenhuma cobrança. Mas também, nenhuma cumplicidade.
— Você não estava só ocupado — disse ele, finalmente. — Você desapareceu. Ignorou todas as mensagens. E agora aparece e finge que nada aconteceu?
Cael cruzou os braços, os ombros rígidos.
— Eu… não queria falar sobre isso.
— Ótimo — Nathan se levantou devagar, com aquele mesmo silêncio controlado que vinha carregando desde o clube. — Então não fala.
Passou por ele sem tocá-lo. Foi até o quarto. Por um segundo, Cael pensou em ir atrás. Mas não foi.
Permaneceu ali, no meio da sala, com os dedos tremendo levemente e o coração em um ritmo irregular. Algo o corroía por dentro, mas ele não sabia se era raiva de si mesmo, medo de perder Nathan ou a estranha dor de ver, pela primeira vez, que seu jogo não funcionava mais.
Que Nathan não queria o íncubo provocante, desejável. Ele queria Cael.
E Cael… talvez nem soubesse o que isso significava.
Foi para o quarto mais tarde, quando a casa já estava mergulhada na penumbra. Nathan dormia de lado, de costas para ele. Ou fingia dormir.
Cael se deitou com cuidado ao seu lado, mas não o tocou. Ficou ali, imóvel, ouvindo a própria respiração inquieta.
Ele estava ferido. E eu o feri.
A constatação veio como um sussurro dentro de si, sem artifícios. Nathan estava ferido — e não por ciúmes, não por possessividade, mas por confiança. Por ter acreditado em algo que Cael não soubera sustentar.
Cael apertou os olhos, tentando conter a onda de algo quente que ameaçava escapar deles.
Seu peito doía. Como se houvesse algo mais ali. Algo que ia além da fome.
Ele nunca quis machucá-lo.
Mas já havia machucado.
E não sabia como consertar isso — não com palavras, não com desejo.
Talvez, no fundo, nunca tenha aprendido a consertar nada.
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Doce Inanição
Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...