Capa

Doce Inanição

Capítulo 3

  1. Home
  2. All Mangas
  3. Doce Inanição
  4. Capítulo 3 - Onde Moram as Fomes Antigas
Anterior
🟡 Em breve

O barulho suave das taças sendo manuseadas contrastava com o silêncio denso que Cael deixara no ar — como se tivesse escolhido não dizer algo que poderia alterar tudo. Ele girou lentamente a própria taça entre os dedos, os olhos fixos no ponto onde Nathan desaparecera. Um sorriso tênue surgiu no canto da boca, meio indulgente, meio… cansado.

Quando Nathan retornou, segurando uma taça limpa e visivelmente cauteloso, Cael já se acomodara no sofá novamente, uma das pernas dobrada sob o corpo, como um felino se preparando para uma longa vigília.

— Você não precisa agir como se eu estivesse tentando te seduzir o tempo inteiro — comentou com um tom leve, embora os olhos denunciassem algo mais profundo, algo que tentava entender as distâncias que Nathan insistia em manter. — Ainda que… você tenha esse jeitinho todo nervoso que deixa as coisas bem tentadoras.

— E você tem essa mania de achar que qualquer coisa que não seja pânico é uma investida — rebateu Nathan, mas o sorriso escapou antes que ele pudesse impedi-lo. Sentou-se ao lado de Cael, entregando-lhe a própria taça e evitando encarar diretamente aquele olhar sempre muito atento. — Eu só prefiro manter as coisas claras. Limites ajudam.

— E se os limites forem mais tentadores que o que está do outro lado? — Cael perguntou, apoiando o queixo no dorso da mão, os olhos fixos em Nathan de uma forma que fazia o ar parecer ligeiramente mais espesso. — Já pensou nisso?

Nathan deu um gole no vinho, desviando o olhar para a luz amarela suave que pendia sobre a sala. As sombras os cercavam como um casulo, o som da cidade do lado de fora se tornando algo distante, irrelevante. Naquela bolha tênue de calma, havia algo que doía devagar — não uma dor física, mas a espécie de inquietude que surge quando dois mundos colidem devagar demais para que se perceba o impacto imediato.

— Eu penso sobre muitas coisas ultimamente — disse ele, baixando a taça. — Você entre elas.

Cael não respondeu de imediato. O silêncio que se seguiu foi diferente dos anteriores — mais denso, como se a simples honestidade de Nathan tivesse alcançado algo nele que palavras não conseguiam mapear.

— Isso é perigoso — murmurou, sem o sarcasmo de antes. A voz saiu rouca, baixa, como um segredo que ele próprio ainda não aceitava. — Pensar demais em alguém como eu.

— Eu sei — Nathan respondeu, encarando-o agora com firmeza contida. — Mas você não parece alguém que aceita ficar na superfície. Nem em si mesmo, nem nos outros.

Cael riu, mas foi um som breve, quase triste.

— E você me olha como se esperasse encontrar um reflexo que faça sentido. Como se ainda acreditasse que, em algum nível, eu possa ser… consertado.

— Eu não acho que você esteja quebrado.

— Não? — Cael inclinou-se um pouco mais, o joelho roçando o de Nathan, olhos fixos nos dele, como se quisesse testá-lo, forçá-lo a recuar. — Mesmo depois de tudo? Mesmo sabendo que há partes minhas que foram moldadas para obedecer, para seduzir, para sugar o que os outros têm de mais vital?

— Mesmo assim — disse Nathan, sem se mover. — Porque eu também sei que você poderia ter feito isso comigo desde o primeiro instante. E não fez.

A tensão entre eles oscilou, uma linha esticada entre desejo e medo, entre a necessidade de aproximação e o receio de ceder demais.

Cael respirou fundo, como se algo dentro dele tivesse cedido, ainda que de forma mínima. Estendeu a mão devagar e tocou a taça de Nathan, girando-a entre os dedos antes de devolvê-la.

— Então… talvez só esta noite eu tente seguir as suas regras — murmurou, com aquele tom a meio caminho entre o afeto e a provocação. — Só por curiosidade. Só pra ver se o mundo continua existindo amanhã.

— Uma noite — Nathan repetiu, com um meio sorriso. — Isso é o máximo que posso esperar?

— Por agora — disse Cael, inclinando-se até que seus rostos quase se tocassem, o hálito quente contra os lábios de Nathan, sem o tocar de fato. — Mas quem sabe… você me convence a tentar duas?

Nathan prendeu a respiração por um segundo — e apenas um — antes de recuar o suficiente para beber mais um gole de vinho. O calor se espalhou pela garganta, mas não era só o álcool.

— Vai ter que merecer — disse, e os olhos de Cael brilharam em resposta.

O íncubo se inclinou ligeiramente; sua pele pálida brilhava sob a luz quente da sala. Sua beleza era quase de outro mundo, suas feições eram suaves, mas marcantes; seus olhos tinham uma profundidade que parecia atrair Nathan a cada olhar.

Cael colocou o copo sobre a mesa — o tilintar contra a madeira, de alguma forma, soou alto na sala silenciosa. Aproximou-se de Nathan, seu corpo movendo-se com uma graça quase predatória. O coração de Nathan começou a bater forte, seu corpo reagindo instintivamente àquela proximidade.

Ele podia sentir o cheiro dele — um perfume fraco e inebriante que fazia sua cabeça girar e seu corpo doer de desejo.

— Cael… — Nathan começou, e sua voz vacilou quando o íncubo colocou uma mão em sua coxa, o toque leve, mas eletrizante. — O que você está fazendo?

Cael inclinou a cabeça, os lábios curvando-se em um sorriso que era ao mesmo tempo brincalhão e perigoso.

— O que parece que estou fazendo? — sussurrou, inclinando-se ainda mais, a respiração quente contra a orelha de Nathan.

Nathan engoliu em seco, o corpo se retesando quando um arrepio percorreu sua espinha.

Cael se afastou um pouco, os olhos fixos nos de Nathan. Havia um lampejo de algo em seu olhar — algo vulnerável, quase incerto — mas que desapareceu tão rapidamente quanto surgira.

— Só pra deixar claro: suas reações daqui pra frente são culpa sua. Você não está bêbado, e eu não te enfeiticei. Você ainda pode recusar, se quiser.

Nathan hesitou por um momento, a mente acelerada. Ele conhecia o tipo de criatura que Cael era — conhecia o poder que ele detinha, a maneira como podia dobrar as pessoas à sua vontade com apenas um olhar. Mas isso… isso parecia diferente. Não era o resultado de algum feitiço ou encanto.

— Eu não estou recusando, eu quero. — Nathan finalmente disse, sua voz firme apesar da tempestade que assolava dentro dele. Ele estendeu a mão, seus dedos roçando a bochecha de Cael em um gesto que era terno, mas cheio de necessidade.

Seus olhos brilharam com um calor que fez o peito de Nathan se apertar, ele diminuiu a distância entre eles, seus lábios se pressionando contra os de Cael em um beijo lento, deliberado e totalmente consumidor.

As mãos de Nathan encontraram o caminho para a cintura de Cael, puxando-o para mais perto enquanto o beijo se aprofundava. Os dedos de Cael se enroscaram nos cabelos loiros de Nathan, e o toque enviou faíscas de eletricidade pelo seu corpo. A sala pareceu desaparecer, deixando apenas os dois – conectados, entrelaçados, perdidos um no outro.

Cael recuou um pouco, os olhos semicerrados, escuros de desejo, enquanto alcançava a bainha de sua própria camisa, puxando-a sobre sua cabeça em um movimento suave e jogando-a de lado. Nathan prendeu a respiração ao vê-lo nu — a pele clara, quase luminosa, a curva insinuante da cintura, os piercings captando a luz com um brilho frio. Anéis de prata adornavam seus mamilos.

Ele não estava usando nada por baixo, e a constatação acertou Nathan como um soco na virilha, um calor súbito se acumulando ali.

— Eu disse que não queria você andando assim pela casa. — Murmurou, a voz rouca entre censura e fascínio.

— Talvez você devesse ser mais específico sobre o que posso ou não tirar… perto de você — devolveu Cael, os lábios curvando-se num sorriso preguiçoso.

As mãos de Nathan se moveram por conta própria, ávidas por explorar a pele exposta de Cael. O íncubo estremeceu sob o toque, a respiração curta, entrecortada, enquanto os dedos de Nathan deslizavam ppr suas laterais.

Cael abriu o zíper da calça de Nathan, abaixando-a junto com a roupa íntima, liberando o membro já semiereto. A ponta roçou sua intimidade úmida, provocando um arrepio sincronizado nos dois. Cael soltou um gemido baixo, o som abafado contra o peito de Nathan, enquanto começava a se esfregar contra ele com movimentos lentos e deliciosamente calculados.

Nathan estremeceu ao sentir algo frio entre eles — um toque metálico, inesperado.

— Você tem um piercing aí também…? — perguntou, a voz embargada, surpresa misturada à excitação.

— Surpreso? — Sussurrou Cael, com um brilho travesso nos olhos. — Achei que você já sabia.

Nathan abriu a boca para responder, mas Cael se inclinou e o silenciou com um beijo quente, rouco de desejo. Suas mãos subiram pela camisa de Nathan, erguendo-a com alguma dificuldade, sem romper o beijo.

Ele só a puxou até os ombros, suficiente para expor o tronco firme. Os dedos de Cael exploraram a pele quente, deslizando sobre os músculos sob tensão. Quando finalmente se separaram, ambos estavam sem fôlego, com as testas encostadas uma na outra enquanto tentavam acalmar os corações acelerados.

Os lábios de Cael estavam inchados, suas bochechas coradas e seus olhos… famintos — um espelho da fome que queimava dentro de Nathan.

A boca de Cael desceu pelo queixo dele, pelo pescoço, demorando-se sobre o ponto onde o pulso batia mais forte. Mordeu ali, devagar, arrancando um gemido contido.

Nathan cravou os dedos nos quadris de Cael, tentando manter o controle. As mãos do íncubo percorreram seu peito, traçando cada linha, até encontrarem os mamilos. Primeiro, círculos leves, provocativos. Depois, um beliscão súbito e preciso.

— Você gosta disso? — Sussurrou Cael, enquanto provocava o outro mamilo com os dedos, sentindo-o endurecer sob seu toque.

Sem esperar resposta, abaixou-se e começou a lamber o que havia deixado de fora, alternando pressão e suavidade com uma precisão quase cruel.

Nathan arfava, o corpo todo em chamas. Cada terminação nervosa parecia acesa, cada toque enviava novas ondas de prazer. Nunca se sentira tão sensível.

Cael sorriu contra sua pele, malicioso, enquanto continuava o vaivém lento com os quadris. O atrito entre suas intimidades — sem penetração, mas carregado de tensão — arrancava suspiros curtos de Nathan.

O corpo dele ficou tenso, as costas arqueando-se quando a sensação atingiu o ápice.

— Eu vou… — Arfou, antes que um grito rouco escapasse de sua garganta. O orgasmo o atravessou com violência, o membro pulsando enquanto se derramava sobre o próprio abdômen. Cada músculo vibrava, rendido.

Mas Cael não parou. Continuou provocando, acariciando, lambendo — extraindo até a última centelha do prazer que ainda tremia no corpo de Nathan.

Quando ele finalmente desabou, exausto, Cael se inclinou e beijou seus lábios com uma doçura quase insolente.

— Você gozou só com isso… — Sussurrou, os olhos cintilando de provocação. — Isso é… fofo.

Nathan, ainda corado, só conseguiu gemer em resposta. Seus braços envolveram a cintura de Cael, puxando-o para mais perto enquanto lutava para recuperar o fôlego.

As mãos de Cael deslizaram pelo peito de Nathan, os dedos traçando as linhas bem marcadas dos abdominais, mergulhando nas pequenas cavidades onde o sêmen ainda brilhava sobre a pele quente. Os olhos de Cael ardiam — não apenas com fome demoníaca, mas com algo mais bruto, mais instintivo, quase reverente.

— Olha só essa bagunça. — Ronronou, a voz baixa, aveludada, enquanto a língua deslizava lenta pelo abdômen de Nathan, recolhendo o sêmen com um gosto que era inconfundivelmente dele: espesso, doce, íntimo. Cael gemeu baixo, o som vibrando contra a pele sensível, e Nathan estremeceu sob ele, o corpo se retesando com o toque.

— Cael… — A voz de Nathan soou rouca, carregando um aviso frágil, quebradiço, como se ele ainda tentasse se agarrar a algum tipo de controle. Cael o ignorou por completo. Sua língua continuou a descida preguiçosa, seguindo o rastro viscoso até onde o sêmen se agarrava à base do pênis ainda sensível.

A respiração de Nathan falhou no instante em que os lábios de Cael roçaram a carne já hipersensível. Mesmo depois do clímax, seu membro se contorceu, ansioso, pulsando com vida própria. Cael envolveu a ponta com os lábios, experimentando-a antes de acolhê-la por inteiro. Nathan gemeu alto, os quadris arqueando-se, procurando mais.

Cael o acolhia com precisão lasciva, a boca quente, molhada, desenhando movimentos lentos, intencionais. A língua circulava a glande, provocando a uretra antes de aprofundando-se, levando Nathan até o fundo da garganta. As mãos dele enredaram-se nos cabelos de Cael, sem conseguir decidir entre puxá-lo para si ou pedir misericórdia.

A boca de Cael era puro vício — quente, envolvente, ritmada com crueldade sensual. A cada movimento, ele limpava os últimos traços de sêmen da pele de Nathan, os lábios e a língua trabalhando em harmonia para reacendê-lo. Nathan se dissolvia sob ele, os gemidos preenchendo o espaço entre os dois — sons crus, sem disfarce, música para os ouvidos famintos do íncubo.

Cael se alimentava daquilo, não só do sabor, mas da entrega. Do modo como Nathan se despedaçava por dentro, exposto, vulnerável e ainda assim desejando mais. O modo como seu corpo reagia a cada toque, cada lambida, cada sucção — tudo alimentava a fome que queimava sob sua pele.

Quando estava prestes a se afastar, Cael sentiu mais uma quantidade pequena demais para ser um clímax completo, mas suficiente para provocar um arrepio delicioso. O gosto novo preencheu sua boca, e ele lambeu os lábios devagar antes de se erguer, os olhos fixos no pênis de Nathan — ainda rijo, ainda latejante, reluzindo com saliva.

Os olhos de Cael estavam sombrios, desiguais, cheios de desejo. Ele lambeu os lábios devagar, como quem saboreia a carne antes de morder — predador, mas também adorador.

Subiu novamente ao colo de Nathan, os movimentos fluidos como um felino. Suas mãos acariciaram o corpo firme abaixo de si, explorando cada linha, cada músculo tenso, enquanto seus dentes alcançavam a orelha de Nathan, mordendo-a com intenção. Nathan gemeu baixo e deslizou as mãos pelo corpo de Cael, uma delas mergulhando entre suas pernas.

Seus dedos encontraram a joia metálica que adornava o clitóris de Cael. Puxou com leveza, apenas o suficiente para sentir o estremecimento que percorreu o corpo do íncubo. Depois afastou com os dedos as dobras sensíveis, revelando o quanto ele já estava molhado, receptivo. Penetrou-o devagar, sentindo a pele quente e úmida o envolver, provocando um suspiro trêmulo de prazer em Cael.

— Não preciso de preparação. — Sussurrou contra seus lábios, a voz densa de desejo. — Estou pronto.

Nathan apertou seus quadris, sentindo a própria excitação pulsar contra o tecido apertado da calça.

— Tem certeza? — Perguntou, a voz rouca, carregada de necessidade.

Cael assentiu, os olhos fixos nos de Nathan com uma intensidade quase hipnótica.

— Absoluta.

Sem hesitar, posicionou-se sobre ele, as mãos firmes nos ombros de Nathan, Ele sentiu a ponta pressioná-lo — a expectativa quase mais cruel do que o próprio ato. Cael, então, começou a se abaixar — lenta, deliberadamente.

O calor que o envolveu era sufocante. A cabeça de Nathan tombou para trás contra o encosto do sofá, e um gemido grave escapou de sua garganta quando o penetrou por completo. Cael era apertado — absurdamente apertado — mas o recebeu com uma facilidade quase sobrenatural, como se seu corpo tivesse sido moldado para aquilo.

Nathan agarrou os quadris dele com força enquanto o íncubo se movia, lento, metódico, cada rebolado desenhando ondas de prazer que o deixavam à beira da rendição.

Cael arqueou o pescoço para trás, os olhos fechados, um gemido rouco escapando dos lábios. Suas mãos deslizaram até o peito de Nathan, os dedos bem abertos, pressionando as palmas contra a pele quente, como se precisasse de algo que o mantivesse ancorado na realidade.

— Nathan… — Sussurrou, a voz embargada de desejo.

As mãos de Nathan deslizaram até a cintura dele, guiando-o, incitando o ritmo. A cada investida, Cael soltava um som contido, carregado de urgência — e aquilo só alimentava o fogo dentro de Nathan. Ele podia sentir a tensão crescendo, como uma mola prestes a se romper.

— Cael. — Arfou, os quadris se erguendo em resposta ao movimento. — Eu não… vou aguentar muito.

Os olhos de Cael se abriram, fixando os de Nathan com um brilho cru de necessidade.

— Não se contenha. — Implorou, a voz embargada de emoção. — Goze dentro de mim.

Com um gemido que misturava êxtase e alívio, Nathan se deixou levar. O clímax o atingiu como uma onda avassaladora, e ele sentiu Cael se contrair ao seu redor, também atingido pelo orgasmo. Os corpos se colaram ainda mais, trêmulos, suados, sacudidos pelas ondas do prazer compartilhado.

O interior de Cael pulsava em torno do sêmen recém-libertado, ainda quente, espesso, envolto naquele calor úmido que parecia devorá-lo aos poucos.

Quando tudo cessou, ficaram ali — ainda conectados, respiração ofegante, corações disparados. A cabeça de Cael repousava sobre o peito de Nathan, os dedos traçando padrões preguiçosos sobre sua pele quente.

— Você é… incrível. — Murmurou Nathan, a voz ainda trêmula, os resquícios do prazer reverberando em cada palavra.

—–

Nathan olhou de soslaio, a mente ainda atolada nas revelações dos últimos dias.

— Então… existem outros como você?

Cael não respondeu de imediato. Esticou os braços acima da cabeça com um suspiro exageradamente lânguido, os olhos fechando por um instante. Depois, virou-se parcialmente, apoiando o cotovelo no encosto do sofá e encarando Nathan com uma expressão que mesclava tédio teatral e um brilho divertido.

— “Outros como eu” é uma definição generosa. Não há ninguém exatamente como eu.

Nathan bufou.

— Você sabe o que eu quis dizer.

— Sei. — Ele sorriu, os caninos aparecendo por um breve segundo. — E sim. Existem. Muitos. Demônios, succubus, incubus, espectros, vampiros, lobisomens, criaturas tão antigas que se esqueceram do próprio nome. A maioria vive escondida, é claro. Ou… adaptada.

Nathan o observou em silêncio. Ainda era estranho. Aquilo tudo. A revelação. O fato de que o sobrenatural, até então relegado ao folclore, aos cantos obscuros da internet e a fóruns de caçadores de lendas urbanas, era real — tátil, inclusive.

— E como ninguém sabe disso? Quero dizer, existem milhares de mitos, histórias. Mas nada concreto. Nem mesmo vídeos reais, provas definitivas… Tem gente que se diz “caçador de monstros”, mas, sei lá, sempre parece meio charlatão.

Cael deslizou lentamente, deitando-se de lado, depois virou-se de barriga para baixo e apoiou o queixo nos braços cruzados sobre o encosto.

— Humanos são bons em ignorar o que não compreendem. E nós somos bons em… camuflagem. Existe uma velha política de não interferência. O mundo humano é frágil. Cheio de certezas frágeis que seguram as pessoas no lugar. Se alguém provar que existem demônios, fadas ou o que for, o que acontece com a estrutura que vocês chamam de realidade? Ninguém quer uma nova Idade Média, com fogueiras e crucifixos improvisados.

Nathan franziu o cenho.

— A maioria das criaturas antigas já entendeu que se esconder é melhor do que combater. Nós nos adaptamos. A diferença é que alguns, como eu, interagem com vocês de forma mais… íntima.

Nathan corou levemente.

— Então é tudo real? Todas as lendas?

— Não como vocês pensam.

Cael moveu-se com uma lentidão deliberada, quase felina. Deitou-se de bruços sobre Nathan, os braços apoiados nas pernas dele, fazendo com que seu corpo se curvasse suavemente. Os cabelos desgrenhados deslizaram pelas coxas do humano, espalhando-se como um véu de sombra e luz que dançava ao menor sopro de ar.

Sua cauda balançava de um lado para o outro, preguiçosa. Era um gesto instintivo, como o de um animal que encontra conforto no calor do outro e simplesmente se deixa ficar.

— Existem linhagens, famílias, hierarquias. Algumas tão antigas quanto os próprios mitos. E muitas delas sabem como andar entre vocês sem levantar suspeitas. Às vezes, um pouco de charme basta. — Ele piscou para Nathan. — Alguns são caóticos, outros seguem regras bem mais rígidas do que qualquer igreja humana jamais conseguiu impor. Anjos, por exemplo — bufou, revirando os olhos — são insuportavelmente formais.

— Anjos? — Nathan arqueou a sobrancelha. — Você está me dizendo que anjos existem também?

— Claro que sim. E não são nada daquilo que vocês pintam. — Cael balançou os pés no ar, batendo-os de leve na lateral do sofá. — Alguns são mais impiedosos que qualquer demônio que conheço.

— Então você é um… demônio sexual?

Cael gargalhou, o som rouco e musical.

— Você tem um jeito encantador de arruinar a poesia das coisas. — Esticou-se mais uma vez, depois rolou sobre o sofá com uma graça desleixada até sua cabeça repousar no colo de Nathan. — Incubus. Caelus, se quiser usar meu nome completo, o que soa muito mais imponente, convenhamos.

Nathan olhou para ele, hesitante, os dedos parando no ar como se ponderasse onde colocar as mãos.

— Nasci, ou melhor, fui criado com essa natureza, com todos os seus caprichos e vícios. É como ter fome e sede ao mesmo tempo, mas só saciar com desejo. Um projeto de alguém com um senso de humor duvidoso e um gosto excessivo por controle. — Fez um gesto vago com a mão. — Mas vamos focar na parte interessante: estou aqui. E sou fascinante.

Nathan sorriu, apesar de si mesmo.

— Modesto também.

Cael ergueu uma sobrancelha.

— Eu posso ser modesto. Mas nunca vi utilidade nisso. — Seus dedos brincavam distraidamente com a bainha da camiseta que usava.

— E você… sempre foi assim? Quer dizer, você parece tão… humano, às vezes.

Cael olhou para ele de baixo, os olhos âmbar brilhando com um calor que não vinha só da luz do sol.

— Eu aprendi a ser. Adaptar-me ao gosto dos humanos faz parte da minha natureza — A voz tornou-se mais suave, quase melancólica. — A ideia era que eu me infiltrasse, que me misturasse, que seduzisse. Mas eu acabei… gostando demais das coisas humanas. Das músicas ruins. Dos cheiros. Do gosto do café queimado… Sinceramente, você é um humano muito curioso. Isso costuma ser perigoso.

— Só quero entender. — Finalmente pousou a mão no cabelo de Cael, deslizando devagar pelos fios sedosos. — A maioria das pessoas vive uma vida inteira sem saber dessas coisas.

— E a maioria deveria continuar assim. Mas você… — Cael sorriu, olhos fechando com o toque. — Você tem aquele defeito charmoso de não saber parar. Vai acabar querendo saber mais e mais, até mergulhar fundo demais. E aí não tem volta.

Nathan ergueu uma sobrancelha.

— Isso é um aviso?

— É um convite. — Cael abriu os olhos, um brilho provocativo dançando em seus olhos. — Ou talvez só a constatação de que você já está no fundo e ainda nem percebeu.

Nathan ficou em silêncio, os dedos ainda deslizando no cabelo de Cael, observando a expressão dele. Aquela beleza sobrenatural, a postura relaxada, a cauda balançando suavemente como se marcasse o ritmo de um feitiço constante. E mesmo assim havia algo… humano ali. Algo não dito. Algo que Cael, talvez, nem soubesse nomear.

Cael sorriu com doçura falsa, os lábios se curvando devagar.

— Se quiser, posso te mostrar outros tipos de criaturas. Uma volta pela noite com um guia turístico como eu. Só precisa dizer a palavra.

— E qual é o preço?

— Hmm… — fez um biquinho pensativo —, talvez só um beijo. Ou dois. Ou um fim de semana inteiro com você amarrado na cama, dependendo do meu humor.

Nathan riu, e Cael riu também, embora, por trás da piada, houvesse uma pontada de hesitação. Uma fagulha que ele ignorava com a destreza de quem passou a eternidade evitando qualquer coisa que parecesse verdadeira demais.

Mas ali, com os dedos de Nathan em seu cabelo e o som de uma respiração tranquila acima de si, Cael sentiu uma coisa estranha. Uma familiaridade… reconfortante.

Ele fingiu não perceber.

— Já estou morando com um experimento laboratorial de charme e sarcasmo. Não sei se aguento mais. — Cael deu uma risada baixa e fechou os olhos outra vez, aninhando-se mais no colo dele, como se fosse natural. Como se, apesar de tudo, quisesse ficar.

— Existem híbridos?

— Ah, esses são os mais perigosos. Não sabem onde pertencem. Como adolescentes eternos.

E, naquele instante, Nathan soube: ele não queria que Cael fosse embora.

Nem agora. Nem nunca.

Nathan passava os dedos pelo cabelo de Cael sem pressa, como quem faz carinho num gato — e o íncubo ronronava por dentro, embora jamais admitisse.

Foi então que o ar ao redor dele estremeceu — uma vibração sutil, mas inconfundível, que subia pela espinha feito um arrepio forçado. O coração de Cael apertou. Aquela energia… antiga, autoritária, fria como pedra molhada.

Seus olhos brilharam por um instante, ele suspirou, os ombros caindo com um peso que não vinha do corpo.

— Hm… — murmurou, erguendo-se lentamente, sem perder o charme no movimento. — Parece que o dever chama. Literalmente.

Esticou os braços com um suspiro teatral e se inclinou, o rosto perigosamente próximo ao de Nathan, os olhos cintilando com um brilho malicioso.

— Não foge, tá? Eu volto antes que consiga sentir saudade.

Cael piscou, provocador, e deslizou para fora do colo de Nathan com a graciosidade de um predador satisfeito, sumindo pelo corredor antes que o humano pudesse perguntar qualquer coisa. Só o som leve da cauda roçando o chão ficou para trás.

—–

Cael atravessou a sala em silêncio, os pés descalços amortecendo qualquer ruído sobre o chão de madeira fria. Ainda trazia o calor do toque humano no corpo — o peso leve da mão de Nathan nos cabelos, a maciez do colo que o acolhera como nenhum outro lugar antes. Mas tudo aquilo se desvanecia lentamente enquanto ele se aproximava do quarto de hóspedes, onde o ar parecia mais espesso, como se a própria atmosfera guardasse segredos que se recusavam a morrer.

A porta rangeu ao ser empurrada. O quarto era simples, neutro, decorado com o tipo de cuidado desinteressado que Nathan aplicava às coisas que não usava. No centro da mesa, no entanto, havia algo que não pertencia àquele mundo: a orbe de cristal. Translúcida, pulsando com uma luminosidade tênue, mas agora viva — demasiado viva. Um brilho interno rodopiava sob a superfície como um coração batendo com força, chamando-o. Exigindo.

Cael respirou fundo, o ar saindo trêmulo de seus pulmões. Aquilo não era um convite. Era uma convocação.

Ajoelhou-se diante da mesa com a reverência automática de quem fora moldado para obedecer. A familiaridade do gesto escondia o desconforto crescente que se avolumava em seu peito. Ele sabia o que aquilo significava. Sabia que estava do outro lado.

A orbe cintilou, e a névoa dentro dela começou a se afastar como cortinas abrindo-se num palco antigo. A silhueta de Arael surgiu devagar — indistinta no início, depois nítida, inconfundível: alto, esguio, de beleza austera e cruel, como uma estátua de mármore quebrada apenas nos lugares certos. Os olhos de Arael — fendas de um brilho incandescente, quase sagrado em sua impassividade — repousaram sobre Cael com um misto de frieza e interesse calculado.

— Caelus.

A voz soou como um sopro e um trovão ao mesmo tempo, reverberando na mente do íncubo antes mesmo de atingir seus ouvidos. Ele abaixou a cabeça.

— Mestre.

Houve uma pausa longa. O silêncio de Arael era sempre pior do que sua fala. Carregava um julgamento implícito, como se pesar cada segundo fosse parte de um experimento eterno do qual Cael era apenas mais uma peça.

— A orbe pulsou com uma frequência incomum. Você drenou mais energia do que nos últimos três ciclos combinados — a voz era neutra, sem reprovação explícita, mas Cael conhecia bem o que estava por trás daquela calma aparente.

— Achei que você gostaria, mestre.

— Não estou impressionado com o excesso, Caelus. Estou intrigado pela origem — a orbe pareceu pulsar com o tom grave de suas palavras. — Você se alimentou… demais para um único humano. Explique-se.

Cael engoliu em seco, ainda de olhos abaixados.

— Talvez ele seja só… generoso — o tom foi casual, mas havia algo quase defensivo no modo como evitou olhar diretamente para a imagem. — Ou talvez eu estivesse com fome demais.

— Não minta — a voz de Arael desceu um tom, mais baixa, mais funda. — Conheço os limites do seu corpo melhor do que ninguém. Sei o que você pode tomar. E sei o que nunca tomou antes.

Cael cerrou o maxilar. Seu olhar se ergueu, enfim, colidindo com o reflexo etéreo da figura que o moldou.

— Eu me alimentei de um humano, eu estava faminto. Foi diferente das outras vezes. Ele… me quis por vontade própria. E… depois disso, continuei despertando na casa dele. Involuntariamente.

Arael inclinou levemente o rosto para o lado, o brilho de seus olhos oscilando com mais intensidade. Não disse nada, mas Cael sentiu a pressão invisível aumentar, como se o ar se tornasse mais denso, apertando seu peito.

— E esse humano…? — Arael perguntou finalmente.

— É só um humano comum. Estudante, eu acho. Ele é gentil, mas… curioso demais.

— Gentil — Arael repetiu como se a palavra fosse uma ofensa.

Cael não ousou levantar os olhos.

— Foi só uma alimentação mais intensa.

Um longo silêncio se seguiu. Arael parecia ponderar.

— E você o seduziu completamente?

Cael hesitou.

— Sim… mas algo falhou. Ele não reagiu como os outros. Ele… viu a mim.

Arael se endireitou, o gesto quase imperceptível, mas que carregava uma tensão intrínseca. Seus olhos perderam o brilho por um segundo, ficando opacos como o céu antes de uma tempestade.

— Isso não deveria acontecer.

Cael finalmente ergueu o olhar, impulsivo. Havia algo estranho na expressão de Arael — uma sombra mínima, uma ruga invisível em sua máscara de perfeição.

— Mestre…? — indagou, com voz hesitante.

Mas Arael já havia recomposto a própria face. A voz voltou controlada, ainda que com um tom mais afiado:

— Não se afeiçoe ao humano.

A ordem caiu como um laço apertado ao redor do pescoço de Cael. Ele respirou fundo, tentando esconder o estremecer que atravessava sua espinha.

— Eu… não estou. Foi só…

— Um desvio de função — Arael o cortou. — Você está aí para alimentar-se, manter a linha de energia ativa e obedecer. Não se esqueça disso.

Cael assentiu, abaixando o rosto novamente. Por um instante, desejou não ter sentido aquele toque no cabelo, aquela presença leve no sofá, aquele calor. Queria esquecer.

— Mas… — Arael murmurou, e havia algo diferente agora. Um cálculo, uma semente de dúvida, ou talvez de curiosidade — …você realmente não sabe o que causou essa sobrecarga?

— Não, senhor. Eu juro.

Mais uma pausa. Arael o observou longamente, como se tentasse dissecar suas palavras. Mas, ao fim, inclinou levemente a cabeça.

— Continue observando-o. Relate qualquer mudança.

— Sim, mestre.

A conexão começou a se desfazer. A névoa retornava, envolvendo a figura de Arael como um véu.

Cael permaneceu ajoelhado mesmo após a orbe apagar. O quarto estava novamente escuro, o silêncio agora preenchido apenas por sua respiração irregular.

Ele odiava aquele medo. Aquela submissão entranhada como uma marca antiga. Mas era tudo o que conhecia. Tudo o que aprendera a usar para sobreviver.

Mesmo assim, ao se levantar, ao voltar ao corredor e ouvir a risada distante de Nathan na sala, havia algo que resistia. Um fio tênue de vontade. Algo que nem mesmo Arael parecia conseguir controlar.

E isso, Cael não sabia como explicar. Nem a si mesmo.

Comentários no capítulo "Capítulo 3"

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*

*

Capítulo 3
Fonts
Text size
AA
Background

Doce Inanição

1.2K Views 0 Subscribers

Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...

Chapters

  • Vol 1
      • Capa
        Capítulo 10 A Primeira Vez Que Você Foi Amado
      • Capa
        Capítulo 9 Manual Paranormal de Como Reagir a um Incubus
      • Capa
        Capítulo 8 Memórias que Não Dormem
      • Capa
        Capítulo 7 Entre o Pecado e a Paz
      • Capa
        Capítulo 6 Dias de Fome, Noites de Amor
      • Capa
        Capítulo 5 Como Seduzir e Motivar um Universitário em 3 Passos
      • Capa
        Capítulo 4 Uma Versão Peluda do Meu Criador
      • Capa
        Capítulo 3 Onde Moram as Fomes Antigas
      • Capa
        Capítulo 2 Um Incubus no Meu Sofá
      • Capa
        Capítulo 1 Me Deixe Provar um Pouco

Login

Perdeu sua senha?

← Voltar BL Novels

Assinar

Registre-Se Para Este Site.

De registo em | Perdeu sua senha?

← Voltar BL Novels

Perdeu sua senha?

Por favor, digite seu nome de usuário ou endereço de e-mail. Você receberá um link para criar uma nova senha via e-mail.

← VoltarBL Novels