Capítulo 4
As risadas abafadas do homem ao seu lado ecoavam de forma dissonante no corredor estreito, ricocheteando nas paredes com um entusiasmo que não era compartilhado por Cael. Os passos deles ritmavam sobre o carpete gasto do prédio — passos ansiosos de um lado, passos contidos do outro. O outro homem — jovem, bonito, atraente de um jeito genérico e funcional — mantinha a mão apoiada na cintura de Cael, como se já fosse íntimo. E, de certa forma, era. Pelo menos o suficiente para não fazer perguntas.
Era esse o tipo de humano com quem Cael estava acostumado: olhos fáceis, desejos prontos, nenhuma resistência.
Seu plano era simples. Levar o homem até o apartamento, conduzir o jogo até o ponto de extração e sair dali saciado o suficiente para apagar qualquer lembrança residual do cérebro do rapaz. Sem traumas, sem rastros.
Era assim que fazia. Era assim que funcionava. Mas hoje… algo estava fora de lugar.
O cheiro do humano era doce demais, quase artificial. Perfume em excesso. Desejo em excesso. Mãos que tocavam como se soubessem — e isso o incomodava mais do que deveria. Cada vez que os dedos deslizavam por sua cintura ou nuca, Cael sentia como se passassem por um tecido que já não lhe pertencia. Como se a pele sob o toque não fosse mais dele. Como se aquele corpo — que sempre fora sua arma, seu artifício — tivesse adquirido um novo propósito. Um que ele ainda não compreendia.
O apartamento estava a poucos metros. A porta de madeira, simples e despretensiosa, iluminada pela luz amarelada do teto, parecia agora um símbolo. Uma fronteira. A linha tênue entre o que ele era e o que fingia continuar sendo.
O homem riu de novo, aproximando-se, os lábios buscando sua pele.
— Você sempre é assim… quieto? — murmurou, puxando Cael pela camisa. — Achei que fosse mais… intenso.
Cael não respondeu. Não precisava. Curvou-se em direção ao homem, oferecendo o toque certo, o olhar certo, os feromônios precisos para fazê-lo esquecer que não era ele quem conduzia a situação.
— Vai me deixar entrar… ou prefere continuar no corredor? — provocou o homem, os dedos alcançando o botão da calça de Cael.
Cael sorriu. Um gesto automático, ensaiado. Mas seus olhos não acompanharam o brilho do sorriso.
— Só um segundo. — A voz saiu baixa, mas firme o suficiente para fazer o outro hesitar.
Ele tocou o peito do homem com dois dedos apenas. A energia correu leve, como uma brisa — não invasiva, apenas o bastante para induzir um torpor tênue.
O humano vacilou, os olhos enevoados, os ombros relaxando sob o toque encantado. Cael já ia alcançar a chave no bolso quando a porta metálica do elevador se abriu no fim do corredor.
Nathan surgiu ali. Carregava uma sacola com um saco de café pendendo de lado, o paletó jogado no ombro. Seus olhos foram direto para Cael. Depois, para o homem ao lado.
O silêncio que se instalou foi curto. Mas cortante.
O humano, ainda sob o efeito suave do encanto, olhou para Nathan com uma expressão vaga, sem reconhecer nada além de um obstáculo inesperado. Cael, porém, sentiu o impacto como um soco seco no peito — não pela presença, mas pelo modo como Nathan o olhava. Não havia grito. Nem raiva. Apenas… decepção.
Nathan se aproximou. O silêncio dos passos contrastava com a tensão que se adensava entre os três.
— Algum problema aqui?
— Não, claro que não. — Cael sorriu, forçando leveza, embora a cauda enroscada no tornozelo o denunciasse. — Só fazendo caridade. Alimentando um perdido.
Nathan lançou um olhar breve ao rapaz, depois voltou para ele.
— Na porta da minha casa?
Cael hesitou. A familiaridade da frase o cortou como gelo. Minha casa. Não nossa. Não depois daquilo.
— Eu… não achei que você fosse voltar tão cedo — murmurou, abaixando os olhos antes de encará-lo de novo, com um biquinho quase teatral. — Podia ter mandado mensagem. Eu estava no meio de uma coisa importante. Alimentação é autocuidado, sabia?
Nathan largou as chaves no aparador e apontou para dentro.
— Vai entrando. E leva sua “coisa importante” pra casa dele.
O homem piscou, confuso, como se só agora percebesse a tensão real no ar. Cael suspirou, virou-se para o rapaz e sussurrou uma última sugestão, encerrando o encanto com um gesto sutil.
— Pode ir.
O humano desapareceu no corredor. Nathan esperou até que o som dos passos sumisse por completo antes de abrir a porta com um clique seco.
— Você não devia ter interrompido — murmurou Cael, largando-se no sofá com uma dramaticidade irritadiça. — Eu estava tão perto…
Nathan encostou-se à parede da sala, cruzando os braços. O olhar firme. Nenhum traço de humor.
— Sem mais visitas sexuais aqui. Essa é a nova regra.
Cael o encarou por um momento, boquiaberto. Depois riu, quase ofendido.
— Você não pode estar falando sério.
— Eu estou — disse Nathan, aproximando-se. Apoiou as mãos no encosto do sofá e o encarou de cima. — Você quer sair, se alimentar, fazer o que tiver que fazer, tudo bem. Mas não traga pra cá. Essa é a nossa casa agora, Cael. Eu divido esse espaço com você. O mínimo que espero é que ele seja respeitado.
Havia algo no tom de Nathan que era mais grave do que qualquer ciúme. Não era posse — era um limite. Claro. Nítido. Algo que ninguém jamais ousara impor a Cael antes, exceto seu mestre, claro. E, por um segundo, ele não soube como reagir.
Então piscou, fazendo o biquinho crescer em desafio.
— Nossa casa, hein? Que declaração mais… fofa. — Ele deslizou os dedos sobre o encosto do sofá, deixando a ponta da unha arranhar levemente. — Você está com ciúmes?
Nathan riu, mas o som foi curto, frio.
— Isso não tem nada a ver com ciúmes. Tem a ver com respeito. — Ele se afastou, andando em direção à cozinha.
Cael o observou se afastar, os ombros tensos, os passos decididos. A sombra da rejeição cintilou por trás de seus olhos, tão familiar quanto a própria fome. Levantou-se lentamente, os saltos altos tocando o chão com um ritmo suave e ritmado. Cada movimento era estudado — um retorno à persona que conhecia melhor do que a si mesmo.
— Você está mesmo bravo? — A voz de Cael deslizou pelo ar como seda, carregada de doçura venenosa.
Nathan abriu o armário e pegou um copo, sem se virar.
— Estou impondo um limite.
— Que palavra feia. — Cael deu mais um passo, e então outro, o som sutil dos saltos se misturando ao tique-taque do relógio na parede. — E você sabe o que acontece com quem tenta limitar um íncubo?
Nathan finalmente se virou, o copo ainda na mão — mas a expressão não era a que Cael esperava. Nada de fascínio imediato, nada de desejo rendido. Apenas atenção. Como se observasse um animal que podia morder.
Cael, no entanto, não recuou. Em vez disso, os dedos encontraram o fecho do robe que usava. Um gesto lento, preguiçoso, quase distraído — e então o tecido escorregou por seus ombros, revelando a pele quente, marcada com sombras sutis e o brilho de um óleo discreto, que acentuava cada linha do corpo.
O que se via ali, por um instante, era apenas seu corpo envolto por uma peça de lingerie escura — tecido translúcido, tiras justas e provocantes, claramente escolhida para uma noite que não terminara como ele previra. Cada centímetro seu exalava intenção. Era um quadro erótico, desenhado para provocar.
Mas então algo mudou.
O cabelo escuro dissolveu-se no ar, assumindo o tom de lavanda profunda, crescendo até ultrapassar os ombros com a leveza de uma seda etérea. A pele tornou-se mais pálida, quase translúcida, refletindo a luz com um brilho sobrenatural, como mármore sob a lua. E os olhos — ainda heterocromáticos — cintilaram ao se revelarem em novas cores: um dourado intenso, como âmbar líquido, e o outro, um roxo profundo, quase hipnótico.
As orelhas afinaram-se, alongando-se em pontas elegantes, enquanto os olhos se tornavam verticais, lembrando os de uma serpente. Quando abriu levemente os lábios, as presas se revelaram com discrição, brancas e letais. A língua bifurcada passou pelos dentes, lenta, como um lembrete venenoso de sua natureza. Garras substituíram as unhas, longas e curvas, com um brilho lustroso. A cauda surgiu por trás, sinuosa, equilibrando o movimento do corpo com um toque felino, uma ameaça sutil que se arrastava sobre o chão com o peso de séculos.
Cael estava ali — mas não como antes.
Era mais que humano, mais que sensual: era um lembrete antigo, esculpido na carne e desejo, de que o belo nem sempre era seguro. Havia algo hipnótico naquela transfiguração, como a dança de um incêndio que devora sem pressa.
E ainda assim, mesmo em sua forma verdadeira, cada gesto seguia envolto pela mesma languidez calculada. Como se o inferno usasse perfume e se vestisse para impressionar.
Por baixo das roupas, ele usava uma peça de lingerie escura — tecido translúcido, tiras justas e provocantes — claramente escolhida para a noite que não terminara como ele previra. Cada centímetro dele gritava intenção. Era um quadro erótico, desenhado para provocar.
Nathan virou apenas o rosto — e foi o suficiente.
Seu queixo caiu meio centímetro.
— O quê… — pigarreou, desviando os olhos —, o que é isso?
— Um presente visual. — Cael sorriu, caminhando até o balcão. Apoiou um cotovelo na pedra, arqueando a coluna para acentuar o contorno do corpo. — Eu estava vestindo isso pra outro homem. — Parou na soleira da cozinha, inclinando-se contra a parede. A voz suavizou, ganhando aquele tom mais baixo, carregado de promessas não ditas. — Mas, já que você está bravo, acho que merece uma distração.
— Isso é… — Nathan esfregou os olhos com a mão. — Isso é completamente inapropriado.
Nathan colocou o copo na pia com um leve estalo. Cael inclinou a cabeça para o lado, os olhos faiscando.
— Vamos, diga… Só um pouquinho. Estou lindo, vai. Você não precisa mentir.
— Você é lindo. E insuportável.
— Aceito.
Cael deu a volta no balcão, seus saltos fazendo um som suave no piso de madeira. Parou atrás de Nathan, a distância entre eles preenchida por uma eletricidade tênue.
— Quer saber o que fiz com o homem com quem saí hoje?
Nathan manteve a postura, mas a tensão na mandíbula era evidente. Cael inclinou a cabeça, os cabelos caindo para o lado.
— Quer saber para onde fomos? — Suas mãos escorregaram até a lateral do corpo, prendendo-se às tiras da lingerie. — O que ele tocou… ou o que não pôde.
— Cael. — A voz de Nathan cortou o ar, baixa, tensa.
— Você pode dizer “não”. — Cael se aproximou mais, os lábios quase tocando o pescoço de Nathan. — Mas então vai passar a noite se perguntando se deveria ter dito “sim”.
O silêncio entre eles se esticou como um fio de prata prestes a romper.
Nathan, com as orelhas em chamas, abriu a boca para retrucar — mas Cael deu um passo à frente e tocou de leve sua camisa. Apenas os dedos, como se testasse os limites do que podia ser dito sem palavras.
— Você é tão… fofo.
— Isso foi um elogio?
— Foi o melhor elogio que um íncubo pode dar a um humano estando com tesão, depois de ser proibido de transar.
Nathan bufou uma risada curta. E então, numa atitude impulsiva, estendeu a mão e puxou Cael pela cintura — não para beijá-lo, mas para envolvê-lo num abraço desajeitado e quente, o rosto escondido no ombro do outro.
— Só… se lembre do que eu disse, tá? Sem mais parceiros sexuais aqui — murmurou.
Cael repousou o queixo no ombro dele e, pela primeira vez naquela noite, não havia nenhum jogo em sua voz.
— Tudo bem. Só… não me peça pra não te querer.
Nathan apertou os braços em torno dele, mas não respondeu.
A campainha interrompeu o momento. Nathan se levantou com um suspiro contido e pediu que Cael se vestisse enquanto ia atender. Demorou mais do que o esperado. Do sofá, Cael conseguiu ouvir a conversa abafada com uma garota — havia familiaridade na voz de ambos, uma intimidade que incomodava.
Quando Nathan retornou, carregava uma caixa de transporte.
Um som abafado veio do interior da caixa, já repousada no chão, e só então Cael percebeu sua presença.
— Isso é um gato? — A pergunta veio arrastada, carregada de um incômodo que contrastava com a suavidade habitual de seu tom.
Nathan levantou o olhar.
— Sim. É o meu gato. O nome dele é Vincent.
— Seu gato?
— Estava na casa da minha irmã. Agora voltou pra casa.
Cael se encolheu sob o cobertor, sentando-se de pernas cruzadas sobre o sofá, como se a simples presença do animal tivesse acionado algum alarme ancestral. Ergueu o queixo em desafio — embora a expressão lembrasse mais uma criança prestes a recusar legumes do que um ser com séculos de existência.
— Você devia ter me avisado — disse, num tom entre o ferido e o ultrajado. — Isso é demais pra mim, Nathan. Demais.
Nathan arqueou uma sobrancelha.
— Demais, Cael? É um gato. Não um exorcista.
— Gatos sabem, Nathan. Eles sempre sabem. — Cael apontou com firmeza, como se a criatura fosse uma ameaça cósmica. — Eles olham dentro de você. Julgam. E depois tentam te matar enquanto você dorme.
Nathan soltou uma risada curta.
— Isso é ridículo. Vincent é tranquilo. Dorme mais do que eu e só se importa com comida e colo.
— E é justamente por isso que são perigosos — insistiu Cael, levantando-se no sofá com o cobertor ainda enrolado na cintura. — Ele já está me avaliando. Decidindo se vai me arranhar ou invocar algum deus felino ancestral pra me punir por existir.
Vincent, impassível, lambeu a pata e se acomodou na almofada mais próxima, completamente alheio ao drama existencial que se desenrolava diante dele.
Nathan revirou os olhos.
— Você já enfrentou caçadores, um arcanjo vingativo e Arael. Mas um gato? Isso é o seu limite?
Cael cruzou os braços por dentro do cobertor, assumindo uma pose de ofensa calculada.
— Gatos são o cúmulo do desrespeito silencioso. Você olha pra eles e já está condenado. Eles te ignoram. Te desprezam. São como… como versões peludas do meu criador.
Nathan riu de novo, mas dessa vez o som foi mais suave. Havia algo genuinamente vulnerável em Cael — algo que ia além da graça do momento. Talvez não fosse medo, exatamente. Mas um desconforto sincero, raro nele. E isso mexeu com Nathan, de um jeito que ele não esperava — uma ternura quieta que se insinuava no peito.
— Você vai sobreviver, Cael — disse, tentando manter o tom leve, mas com um calor sincero. — Prometo que ele não vai te esfaquear pelas costas enquanto você dorme.
Cael o encarou por um instante, traços tensos, como se realmente estivesse considerando suas chances contra o “inimigo felino”. Então, com a solenidade de quem se rende a uma guerra jamais travada, soltou um resmungo e virou de costas.
— Vou para o meu quarto — anunciou com dignidade afetada. — Quando esta casa for segura para seres não felinos, me avise. Até lá… estarei recolhido. Pela minha integridade emocional.
E sem mais palavras, saiu da sala com passos curtos e indignados, envolto no cobertor como se fosse uma toga dramática. A cauda — visivelmente contrariada — se arrastava atrás dele com um balançar preguiçoso. A porta se fechou com um clique suave: a última palavra de sua birra teatral.
Nathan ficou por alguns segundos parado, braços cruzados, o olhar fixo na porta.
Depois olhou para Vincent, que ronronava satisfeito na almofada.
— Você nem fez nada — murmurou. — Mas parabéns. Acho que encontrou o calcanhar de Aquiles de um íncubo.
O gato apenas se espreguiçou, indiferente, como se dissesse que já sabia disso o tempo todo.
Nathan sorriu, balançando a cabeça. Pela primeira vez em muito tempo, o peso dos dias pareceu um pouco mais leve.
—–
O quarto de Nathan estava mergulhado em uma penumbra amena, cortada apenas pela luz morna do abajur sobre a escrivaninha. Livros abertos se empilhavam como pequenas fortalezas de papel, e o som seco do lápis riscando uma folha preenchia o silêncio disciplinado que ele cultivava sempre que precisava se concentrar. O mundo, naquele instante, parecia reduzido ao foco estreito das palavras impressas — até que um movimento sutil sob a mesa capturou sua atenção.
Nathan franziu o cenho, inclinando-se para o lado. A princípio pensou que fosse Vincent, mas então reconheceu a forma esguia de Cael, encolhido com os joelhos abraçados contra o peito, envolto apenas em uma camiseta comprida e meias. Seus olhos dourados, normalmente brilhantes com ironia ou desejo, agora brilhavam com algo muito mais mundano: puro desconforto.
— Cael? — Nathan ajeitou os óculos no rosto, a voz baixa, quase incrédula. — O que você está fazendo aí?
— Nathan… — murmurou Cael, como se a resposta fosse tão óbvia que sequer merecia ser dita. — Você trouxe um gato pra casa.
Nathan piscou, tentando manter a seriedade. Havia algo absurdamente cômico em ver um íncubo que enfrentara criaturas que ele sequer ousava nomear, agora comprimido debaixo de uma mesa como uma criança amedrontada com trovões.
— E não podia se esconder no seu quarto?
— E por que eu faria isso, se posso ter companhia aqui? — Cael ergueu o queixo com uma dignidade precária, como se tentar justificar a própria covardia fosse um exercício de charme.
Nathan suspirou, voltando os olhos para a folha à sua frente, mas era difícil manter o foco com o peso suave do olhar de Cael fixo em sua perna. Por um instante, imaginou o que passava pela cabeça dele — não o jogo constante de provocações e insinuações, mas aquele lado estranho, quase ingênuo, que aparecia raramente, escondido sob camadas de sedução ensaiada.
— Você não pode ficar aqui, Cael. Eu preciso estudar.
— Eu prometo que vou ficar quieto — disse, já acomodando melhor a cabeça sobre os braços, como se se preparasse para um longo exílio.
Nathan balançou a cabeça, ainda sem olhar diretamente para ele, mas o canto de sua boca denunciava o esforço para conter o sorriso. Era ridículo — e ainda assim, inesperadamente adorável.
— É só um gato, Cael. Ele não vai te comer.
— Não é isso… exatamente. — A voz abafada de Cael veio com uma hesitação breve, como se lutasse para encontrar uma explicação mais aceitável. — Gatos veem coisas. Sentem coisas. Não confio neles.
Nathan não respondeu. Em vez disso, voltou a escrever, deixando que o silêncio entre eles se estendesse, confortável e denso. Ele podia sentir a respiração regular de Cael debaixo da mesa, o calor quase imperceptível do corpo dele tão próximo ao seu. Por mais estranho que fosse, não era intrusivo — era como uma presença que ele, de alguma forma, havia começado a aceitar.
A caneta deslizou mais algumas linhas até Nathan fazer uma pausa, apoiando a testa na mão.
— Você está mesmo com medo do Vincent?
Cael não respondeu de imediato. Apenas puxou o tecido da camiseta sobre os joelhos e enterrou o rosto contra os braços.
— Ele me olha como se soubesse de tudo. Não gosto disso.
Nathan mordeu o lábio inferior, controlando o riso que ameaçava escapar. Ainda assim, sua voz soou neutra quando respondeu:
— E eu achando que você era a criatura sobrenatural aqui.
— Eu sou. — Cael resmungou, sem se mover. — Mas isso não significa que eu seja imune ao julgamento de uma bola de pelos que claramente me despreza.
Nathan não disse mais nada. Voltou ao que fazia, deixando que o som do grafite ocupasse novamente o ambiente. De vez em quando, sentia o leve roçar do cabelo de Cael contra sua perna, como se ele se remexesse inquieto para se acomodar melhor.
E, por mais que dissesse a si mesmo que precisava manter o foco, Nathan sabia que aquele momento — aquela estranha vulnerabilidade compartilhada sob a mesa de estudos — estava gravando-se em algum canto de sua memória com mais nitidez do que qualquer fórmula que ele estivesse tentando memorizar.
O tempo escoava devagar, como se a presença de Cael sob seu pequeno esconderijo improvisado, alterasse o ritmo natural das horas.
Nathan tentava manter o foco no texto à sua frente, mas sua concentração era constantemente arrastada para os toques sutis — a respiração quente contra sua coxa, o ocasional roçar dos cabelos escuros no tecido da calça, a forma como Cael parecia se acomodar cada vez mais próximo, como se buscasse o ponto exato onde sua presença se tornaria impossível de ignorar.
Nathan, vencido por uma distração que beirava o afeto, cedeu à vontade involuntária e levou a mão aos fios sedosos que se espalhavam pelo seu colo. Seus dedos deslizaram lentamente pelo couro cabeludo de Cael, e ele sentiu a forma como o íncubo reagia — o corpo antes tenso, agora quase derretendo sob o toque, como um animal satisfeito com sua morada temporária.
Era irônico, pensou Nathan. Para alguém que alegava temer um gato, Cael estava agindo exatamente como um.
— Você percebe que está se comportando como um filhote de gato, certo? — murmurou, sem tirar os olhos da página, embora um leve sorriso puxasse os cantos de sua boca.
— Isso é injusto — veio a voz abafada sob a mesa, embargada por uma preguiça deliberada. — Os gatos são indiferentes e traiçoeiros. Eu sou… afetuoso e honesto com meus desejos.
— Ah, claro. Com certeza. E absolutamente despretensioso também.
A resposta veio em forma de um leve riso, que fez o corpo de Cael vibrar contra sua perna.
— Ei, me dá um petisco?
As sobrancelhas de Nathan se ergueram.
— Depende, de que tipo de petisco estamos falando?
O sorriso de Cael se aprofundou, seus olhos brilhando de malícia.
— Um beijo ou dois.
— Não. — Nathan respondeu, virando a página lentamente.
— Porque não?
— Você quebrou as regras.
Cael levantou o rosto, apoiando o queixo na coxa dele, os olhos dourados fixos nos de Nathan como brasas quietas.
— Regras?
— Você não pode invadir meu quarto assim. Esse foi o acordo. E a presença de Vincent não muda isso.
Cael suspirou de forma exagerada, rolando os olhos como um adolescente frustrado.
— Eu só queria um abrigo neutro. — Ele afundou o rosto de novo contra a perna de Nathan, como se isso encerrasse o assunto. — E, para sua informação, não estou nem com tanta fome assim.
— Então pode voltar para seu quarto — retrucou Nathan, divertido.
— Não seja cruel. — A voz dele agora saía em um tom mais macio, quase manhoso. — Eu só queria um petisco.
Nathan soltou uma risada baixa, finalmente largando o lápis e cruzando os braços.
— E depois disso você vai ficar quieto?
— Sim, eu prometo. — Cael ergueu a mão como se estivesse fazendo um juramento solene.
Nathan observou o rosto dele por alguns segundos. A expressão era brincalhona, mas havia algo naquele pedido — algo genuinamente simples. Não era a fome insaciável de um íncubo caçando energia, mas o desejo quase humano por proximidade, por atenção. Era, de certo modo, adorável. E estranho. Mas Nathan já havia aceitado que, com Cael, tudo seria assim: estranho, encantador e indefinidamente desafiador.
— Tá bem — disse por fim —, só um.
Antes que completasse a frase, Cael já se movia, deslizando para fora do esconderijo e se colocando suavemente no colo de Nathan, as pernas dobradas de lado como se aquele lugar lhe pertencesse por direito. As mãos quentes tocaram seu rosto com uma reverência inesperada, embora tremessem levemente; como se ainda não acreditasse que podia tocar Nathan daquele jeito.
Sua respiração se acelerou quando os lábios de Nathan ficaram a centímetros dos seus, e por um instante, ele hesitou — não por medo, mas pela estranheza de ser desejado.
“Isso é loucura… Eu não deveria gostar tanto disso…”
Seus lábios se encontraram em um beijo lento e deliberado, a boca de Cael se movendo contra a de Nathan com uma curiosidade faminta.
O calor úmido do beijo o deixou tonto, e por um segundo, ele esqueceu até como respirar.
As mãos de Nathan encontraram o caminho até a cintura de Cael, puxando-o para mais perto. O íncubo não resistiu ao impulso de sugar o lábio inferior de Nathan, como se quisesse provar cada suspiro que escapava dali. Sua língua bifurcada deslizou para fora, tímida a princípio, mas logo se enroscou na de Nathan com uma precisão instintiva, puxando-a para dentro de sua boca com um movimento lento.
“Eu nunca entendi por que os humanos se beijam tanto. Até agora… Agora eu entendo… Cada toque dos seus lábios queima mais do que qualquer energia que eu já absorvi. Isso é perigoso.”
O gosto de quente, doce e intoxicante o fez gemer baixinho, as unhas cravando-se nas costas do outro sem querer.
Nathan deixou-se afundar naquele toque, permitindo que o tempo suspendesse seu curso uma vez mais. Havia algo nos beijos de Cael que desarmava — uma mistura de habilidade sobrenatural e uma sinceridade improvável, como se, naquele momento exato, tudo o que ele desejasse estivesse ali, entre os lábios de Nathan.
“Isso é ruim… muito ruim. Minha mente está em branco, só consigo sentir a boca dele. Se ele parar agora, eu vou implorar. Não, não posso implorar por um beijo… seria patético”
Quando se afastaram, Cael ainda mantinha os olhos fechados, como se guardasse o gosto do instante com devoção silenciosa. Os lábios, levemente inchados, tremiam numa confissão involuntária. Ele os tocou com a ponta dos dedos — um gesto rápido, quase clandestino, como se precisasse confirmar que aquele beijo tinha sido real.
Mas a verdade explodira fundo demais para ser disfarçada.
Cael se ajeitou de novo no colo dele, aninhando-se como uma criatura satisfeita com seu ninho recém-descoberto. Escondeu o rosto no ombro dele, abafando o brilho aberto da própria satisfação. Era uma tentativa falha de dissimular o quanto seu corpo implorava por mais, o quanto aquele beijo o deixara faminto de um jeito dolorosamente humano.
Nathan permaneceu em silêncio, tentando recuperar o equilíbrio que o beijo arrancara de sua alma.
Pegou o lápis de volta, um gesto automático, quase disciplinado, e retomou a leitura — ou fingiu que retomava. O peso quente sobre suas pernas, o cheiro de pele e desejo no ar, tudo dificultava o ato de respirar com normalidade.
— Você está mesmo planejando ficar aí? — murmurou, sem encará-lo.
“Ele está tentando ignorar… mas eu sinto o coração dele acelerado. Se eu mexer um pouco os quadris, ele vai ceder… eu quero sentir ele”
— Estou cumprindo minha promessa — disse Cael, a voz sonolenta. — Quieto como uma sombra.
— Você não está jogando limpo — Nathan respirou fundo, a frustração e a excitação misturando-se em sua voz.
O sorriso irônico voltou aos lábios de Cael enquanto seus dedos deslizavam pelo peito de Nathan.
— Nunca disse que jogaria limpo.
O aperto de Nathan em sua cintura se intensificou, os olhos semicerrados.
— Você prometeu que me deixaria focar.
— Prometi ficar quieto — corrigiu Cael, com leveza maliciosa. — Nunca disse que ia facilitar sua concentração. — Ele se inclinou mais uma vez, os lábios roçando a orelha de Nathan num sussurro quente: — Você está duro. É minha culpa?
As bochechas de Nathan arderam, o corpo traído por um arrepio que percorreu sua espinha.
— Claro que é culpa sua — murmurou, rouco.
Cael riu, baixo e melodioso.
— Então deixe que eu ajude. Você não vai conseguir estudar desse jeito.
A determinação de Nathan vacilou. Seus dedos apertaram os quadris de Cael.
— Você é impossível.
— Mas você gosta de mim — ronronou Cael, seus lábios deslizando pelo maxilar de Nathan. — Admita.
A respiração de Nathan tropeçou, o corpo se inclinando ao toque como se fosse inevitável.
— Eu gosto.
O sorriso que se formou nos lábios de Cael era quase vitorioso. Suas mãos traçaram o caminho pelo peito de Nathan até alcançarem sua evidente excitação.
“Não aguento mais só beijos… Quero sentir ele na minha boca. Quero que ele perca o controle…”
— Então me deixe cuidar de você. Só um pouquinho.
Os olhos de Nathan se fecharam, e qualquer resistência se dissolveu.
— Tudo bem — sussurrou, quase inaudível.
O sorriso de Cael se alargou, satisfeito, e suas mãos já se moviam com precisão para desfazer o cinto de Nathan.
A respiração de Nathan travou, o corpo tremendo em antecipação. Não sabia exatamente como se deixara cair naquilo de novo — mas, enquanto os dedos de Cael tocavam sua pele, percebeu que não importava. Tudo o que fazia sentido agora era o momento — e o íncubo no seu colo, que parecia conhecê-lo melhor do que ele mesmo.
A cabeça de Nathan tombou para trás, seu corpo arqueando sob o toque de Cael. Era impossível resistir. Ele estava à deriva, perdido no torvelinho de sensações que o íncubo provocava. E, quando os lábios de Cael começaram a descer, Nathan soube que não havia mais volta.
Corando, as mãos de Nathan agarraram a beirada da mesa, tentando manter algum controle. Mas era inútil. Cael já estava ajoelhado à sua frente, as mãos repousando com suavidade provocadora sobre suas coxas.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa — não que pretendesse impedir —, Cael deslizou os dedos por sua calça, desabotoando e baixando o zíper com habilidade. O pênis de Nathan saltou, rígido e úmido, e Cael prendeu a respiração ao vê-lo.
— Tão bonito… — murmurou, a voz pesada de admiração, como se fosse um segredo revelado só a ele.
Seus lábios roçaram a ponta, Nathan soltou um gemido rouco e baixo, incapaz de conter a resposta.
— Cael. — Suspirou, apoiando-se na mesa, os dedos crispando na madeira firme até embranquecerem os nós.
Cael não hesitou. Envolveu-o com a boca, a língua girando sobre a glande com maestria antes de tomá-lo mais fundo. As costas de Nathan se arquearam, sua respiração se tornando ofegante, errática, enquanto era explorado com uma habilidade que o fazia tremer.
Era demais. A pele de Nathan formigava a cada movimento, a cada sucção ritmada. Ele jogou a cabeça para trás, os olhos se fechando enquanto um gemido sôfrego escapava de seus lábios.
— Isso… Cael… — murmurou, a voz trêmula, embriagada de prazer.
O íncubo se afastou por um breve instante, ainda com os lábios envolvendo seu pênis, os olhos fixos nos de Nathan — havia neles uma mistura de brincadeira e ternura.
— Perfeito — murmurou, o hálito quente contra a pele sensível.
Sem esperar resposta, voltou a mergulhar, levando-o mais fundo. Sua garganta relaxou ao redor de Nathan, e os quadris deste se contraíram por reflexo. Os dedos se enroscaram nos cabelos de Cael, como se tentassem se ancorar.
As mãos do íncubo seguravam firmes seus quadris, impondo um ritmo que tirava o fôlego. Cada movimento, cada carícia com a língua, cada sugada calculada levava Nathan mais perto do limite. Seu corpo tremia, os sentidos inundados.
“Só um pouco… se eu me tocar só um pouco”
A mão livre de Cael deslizou por seu próprio abdômen, o toque quase reverente ao seguir o contorno dos músculos tensos. Quando alcançou a roupa íntima, moveu-a só o suficiente para alcançar o piercing. Tocou-o de leve, depois puxou, e o pequeno som que escapou de sua garganta — abafado e doce — pareceu incendiar o ar ao redor.
Os dedos encontraram sua própria umidade com facilidade. Ele estava encharcado, quente, o corpo reagindo como se o prazer que dava e o que recebia fossem a mesma coisa. Abriu-se com cuidado, a respiração falhando quando a carne pulsante se mostrou. Os quadris dele começaram a se mover, buscando um atrito que não chegava, um alívio que ainda não era permitido.
“Não consigo controlar… meus quadris não param. Só de sentir ele na minha boca, já estou tão molhado. Isso é patético… mas não consigo parar. Preciso de mais…”
— Cael. — Arfou, num fio de voz entre a urgência e o desespero.
Cael ergueu os olhos e o soltou com um estalo úmido, sua expressão carregava um sorriso enviesado.
— Quer que eu pare? — Perguntou, a voz rouca, carregada de desejo.
Nathan balançou a cabeça, frenético. Seus dedos apertaram ainda mais os fios de Cael.
— Não… não pare, Cael…
O sorriso se ampliou. Sem dizer mais nada, Cael o engoliu de novo, mais fundo. A garganta se fechando ao redor da cabeça sensível, coletando o líquido pré-ejaculatório que se acumulava. Os movimentos tão precisos que tiravam qualquer pensamento coeso.
Os dedos do íncubo deslizaram para dentro de si num gesto lento, cuidadoso. O som úmido foi abafado por sua própria boca ocupada, mas o tremor que percorreu seu corpo entregou o impacto da sensação. Estava apertado, quente, faminto. A pressão interna o fazia gemer contra a carne de Nathan, e o som vibrava direto no membro dele, intensificando tudo.
A língua dele se tornou mais ousada, traçando um caminho que arrancou de Nathan uma rajada de ar, quase um lamento.
“O gosto dele… é intoxicante. Minha mente está em branco, só consigo pensar em como é bom tê-lo aqui. Se eu sugar mais fundo, ele vai gemer de novo. Quero ouvir isso… Quero que ele goze na minha garganta.”
Cael acelerou o toque no clitóris, os gemidos ficando mais altos, mais desordenados, enquanto curvava os dedos dentro de si até encontrar aquele ponto que o fazia perder o fôlego.
A garganta de Cael se apertou ao redor de Nathan, como se o prazer próprio o fizesse perder o controle por um instante. Um tremor percorreu seu corpo, e a sucção em Nathan se tornou mais intensa, quase desesperada, como se ele quisesse arrastá-lo consigo para aquele abismo.
O orgasmo chegou de forma súbita, selvagem. Não veio — rompeu. Uma onda quente escorreu por sua mão, pelas roupas, enquanto seu corpo se arqueava num tremor profundo e involuntário. O aperto em sua garganta intensificou-se, como se próprio prazer o fizesse devorar Nathan por instinto, arrastando-o para junto de sua queda.
“Eu gozei… só por ele estar na minha boca. Isso é tão bom… mas não é suficiente. Quero mais. Quero que ele me preencha, que me estique até não aguentar mais.”
Cael engoliu Nathan com mais profundidade, como se quisesse sugar cada gota de prazer dele também. Um gemido abafado vibrou em sua garganta, transmitindo-se pela pele de Nathan, que estremeceu em resposta, quase incapaz de distinguir onde terminava o prazer de um e começava o do outro.
Nathan sentiu seu limite ruir de uma vez.
— Cael, eu vou…
A frase se dissolveu num gemido rouco e contido, quando o clímax o atingiu em cheio. Seu corpo estremeceu com a intensidade da liberação, que escorreu pela garganta de Cael. O íncubo engoliu cada gota, ainda gentilmente o provocando enquanto o deixava passar por tudo, um gemido baixo e contínuo de satisfação vibrando contra a pele hipersensível de Nathan.
Quando a onda finalmente recuou, Nathan estava exausto, os pulmões buscando ar entre suspiros descompassados. Cael se afastou com lentidão, os lábios vermelhos e úmidos, os olhos brilhando com algo mais do que simples satisfação.
Nathan o encarou, os dedos ainda entrelaçados em seus cabelos, o coração trovejando no peito.
Cael sorriu, suave, os olhos levemente lacrimejantes e tensos. Seus dedos deslizavam pelas coxas de Nathan, como se buscassem reconforto naqueles músculos ainda trêmulos.
Sua cabeça permaneceu apoiada na coxa de Nathan, a língua estendida para capturar as últimas gotas que escorriam de sua ereção. O sabor doce e quente o fez fechar os olhos por um instante, saboreando não apenas o líquido, mas a essência do desejo que ainda pulsava no ar.
“Ele já está acabado… não vai aguentar mais. Vou precisar do meu vibrador extra grande hoje… E da próxima vez, vou trabalhar na resistência desse humano”
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Capítulo 4
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Doce Inanição
Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...