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Doce Inanição

Capítulo 9

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  4. Capítulo 9 - Manual Paranormal de Como Reagir a um Incubus
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A respiração de Nathan ainda vinha entrecortada, o peito subindo e descendo com lentidão, como se o corpo tentasse acompanhar o compasso errático dos pensamentos. Cael estava inclinado sobre ele, o corpo se curvando com uma languidez calculada, como se cada centímetro da aproximação fosse parte de um ritual silencioso.

Ele usava apenas uma blusa longa, de tecido fino e escuro, que lhe caía até a metade das coxas. O decote era generoso e uma das mangas escorregava preguiçosamente por seu ombro, revelando parte da pele. Abaixo, ele vestia apenas uma roupa íntima ajustada, da mesma cor, visível conforme a blusa se erguia lentamente. A combinação entre a peça larga e sua postura despreocupada criava uma imagem entre o indecente e o elegante.

Nathan, apoiado contra o balcão, mantinha as mãos firmes na borda de mármore, como se aquele ponto de contato pudesse ancorá-lo no presente — ou talvez apenas no controle tênue que ainda lhe restava.

A distância entre os dois era medida em respirações contidas. O ar parecia mais denso, carregado de uma tensão que não era exatamente urgência, mas algo mais perigoso: expectativa. Os dedos de Cael percorriam distraidamente a lateral do corpo de Nathan, traçando círculos preguiçosos sobre a pele nua da costela, como quem explora um território já conhecido, mas sempre fascinante. Havia uma ternura sutil no gesto, quase pueril, como se ele procurasse aconchego ou quisesse se perder na textura do outro — mas o brilho malicioso em seus olhos não deixava dúvidas quanto à natureza ambígua de suas intenções.

E Nathan, apesar do corpo retesado pela surpresa da proximidade, não recuava. O peito subia e descia com uma lentidão irregular, como se seu próprio fôlego precisasse se adaptar ao ritmo ditado por Cael. Ele não dizia nada, mas seus olhos já haviam respondido — e estavam perigosamente próximos de se render por completo.

Cael inclinou-se levemente, o cabelo escorrendo em fios soltos pelas clavículas de Nathan, e sua boca pairou próxima demais.

— Acha mesmo que vai me aguentar a noite inteira? — sussurrou, a voz rouca deslizando como veludo queimado.

Era quase uma mordida, quase uma carícia, envolta em riso contido.

Nathan tentou responder, mas o olhar de Cael já o havia capturado de novo, puxando-o de volta para aquele feitiço — um feitiço que não era feito de magia, mas de pura e densa presença. O beijo que se formou entre eles não teve pressa, como a chama de uma vela encostando no pavio de outra, lenta, inevitável.

A mão de Nathan se ergueu, afundando nos cabelos de Cael, puxando-o para mais perto. Quando finalmente se tocaram, não houve urgência — apenas aquela pressão morna, firme, de dois corpos que já tinham se escolhido mesmo sem palavras.

Mas então…

Um clique. Um empurrão. O ranger sutil da madeira cedendo.

O tempo pareceu vacilar quando a porta da frente se abriu — não apenas pelo som do trinco ou pelo eco familiar da voz animada de Leah, mas por algo mais profundo, mais visceral, como o estremecer de uma linha tênue prestes a se partir.

Nathan mal teve tempo de reagir.

Cael ainda estava inclinado sobre ele, os corpos tão próximos que seus lábios quase se tocavam — um respiro a mais, e teriam cruzado aquela linha tênue entre o desejo contido e o ato consumado. O ar ao redor parecia suspenso, como se o tempo os observasse em silêncio, hesitando em seguir.

E ele não se escondia.

A forma demoníaca de Cael se revelava por completo, sem pudor ou disfarce. Os chifres finos e curvos emergiam com altivez entre os cabelos lavanda, moldando-se como ornamentos distorcidos de uma coroa esquecida. A cauda, sinuosa, balançava preguiçosamente, mas carregada de intenção. As unhas — agora garras lustrosas — tocavam de leve o tampo de mármore atrás de Nathan, produzindo um som sutil: um arranhar suave que mais sugeria do que ameaçava. Seus olhos de cores diferentes prendiam os de Nathan com uma intensidade silenciosa, feroz, mas estranhamente serena, como se nada mais existisse além daquele instante.

Leah surgiu no limiar da cozinha, os passos interrompidos no exato momento em que seus olhos captaram a cena.

— Mas que diabos é… isso? — A voz dela oscilou entre horror e incredulidade.

Nathan girou o corpo com um sobressalto, puxando a sua blusa das mãos de Cael — que estava prestes a retirá-la por completo — como se o gesto fosse capaz de restaurar algum senso de normalidade. O coração martelava no peito, descompassado.

Cael apenas esticou o corpo com preguiça deliberada, como alguém arrancado de um sonho, não de um ato constrangedor. Um sorriso lento curvou seus lábios enquanto ele observava Leah como quem encara uma figurante incômoda em uma peça cujo roteiro ele mesmo escrevera.

— Ora… você deixa qualquer um entrar na sua casa, mas eu não posso trazer ninguém para cá? Isso é injusto. — Cael murmurou com o tom levemente afetado, malicioso por natureza.

— Leah! — A voz de Nathan saiu num tom agudo e totalmente fora de controle. — Que parte de “manda mensagem antes de vir” você não entende?

— A parte onde eu achei que ia te encontrar sozinho, estudando feito um nerd desesperado! — Ela virou-se instintivamente para Cael. — Você… — Leah apontou, os olhos arregalados, dando um passo para trás sem, no entanto, abandonar o lugar. — Isso… não é cosplay, certo? Pelo amor de Deus, Nathan, isso não é algum tipo de fetiche bizarro?

Nathan passou a mão pelo rosto, tentando dar forma a pensamentos que se atropelavam em sua mente.

— Não, e não é cosplay. E definitivamente não é um fetiche. — Disse entre os dentes, contido. — Leah, por favor, você precisa sair agora.

— Sair? — Ela riu, nervosa. — Nate, você tá brincando? Você tá com uma criatura demoníaca seminua na sua cozinha e quer que eu simplesmente vá embora?

Cael esticou os braços com languidez, músculos deslizando sob a pele como seda viva, como se estivesse num teatro particular.

— Se ajuda, eu estava prestes a me comportar muito mal — disse, lançando a Nathan um olhar malicioso —, mas posso esperar… se você mandar a intrometida embora rapidinho.

Nathan o fitou como se ele tivesse perdido completamente o juízo.

— Você tá louco? Ela acabou de ver você… assim! Você acha mesmo que a gente vai simplesmente voltar a… isso?

Cael suspirou, teatral.

— Os humanos têm uma habilidade impressionante de arruinar o clima.

Com isso, Cael se afastou e foi em direção à bancada. Leah, porém, interceptou seu caminho, firme entre ele e a porta.

— Ninguém vai a lugar nenhum até alguém me explicar o que está acontecendo — disse, voltando-se para Nathan.

Nathan, rendido à insanidade daquela realidade, sentou-se pesadamente à mesa, os cotovelos nos joelhos, o rosto oculto entre as mãos.

Leah, agora menos horrorizada e mais alerta, cruzou os braços, a postura endurecida. Não havia mais apenas confusão — havia algo protetivo, quase feroz, uma urgência crua de irmã diante de um perigo que ela ainda não compreendia, mas já intuía como real.

— Nate… ele mexeu com a sua cabeça? Fez algum tipo de feitiço?

Nathan ergueu os olhos, sério, exausto.

— Não, Leah.

Leah os encarou, alternando o olhar entre os dois, como quem começa a perceber que o problema pode ser mais profundo do que parecia à primeira vista.

— Você gosta dele? — A pergunta veio crua, sem rodeios, cortando o ar da cozinha com sua franqueza.

Nathan hesitou.

E aquele único segundo bastou para que a pergunta deixasse de ser hipótese e se tornasse afirmação.

— Ah, Nate… você está dormindo com um demônio?

— Tecnicamente, eu sou um íncubo — corrigiu Cael, distraído. — A diferença é sutil, mas importante.

Leah soltou o ar, uma mão na cintura, a outra passando cansada pelos olhos.

O silêncio que se instalou após a tempestade inicial era denso, mas não hostil. Leah se sentou à mesa da cozinha, os olhos ainda arregalados — não mais por choque, e sim por fascínio. Nathan havia se resignado a fazer um café, e Cael estava apenas cruzando as pernas como um modelo entediado em uma sessão de fotos de uma revista erótica infernal.

Ela o observava com a atenção de quem analisa uma criatura mitológica recém-descoberta, como se estivesse diante de uma esfinge que, ao invés de propor enigmas, oferecesse… tentações.

— Ok. Então você é mesmo um incubus? um demônio do sexo?

— Você é mais perceptiva do que aparenta. — Cael se espreguiçou. A cauda batia de leve contra a parede onde estava encostado, num tique nervoso e quase felino. — Achei que pensaria que era algum delírio… Um fetiche extravagante. Humanos tendem a racionalizar o impossível.

Leah franziu o cenho, como quem tenta montar um quebra-cabeça cujas peças foram untadas com luxúria.

— Por um instante, eu quis muito acreditar que era isso — admitiu ela. — Meu irmão é muitas coisas. Idiota, inclusive. Mas não mentiroso. E você… você é palpável. Você tem uma cauda.

— É uma boa cauda — respondeu ele, virando-se levemente para mostrá-la de propósito, num gesto provocativo.

Leah revirou os olhos, mas um riso nervoso escapou por entre os lábios.

— Você tem… idade? Ou é só… um conceito?

— Conceito? — Cael riu, baixo e rouco. — Digamos que estou por aí desde que o desejo aprendeu a se nomear.

— Isso é tão… sexy e aterrorizante ao mesmo tempo — murmurou ela, claramente anotando mentalmente. — E você tem poderes? Pode voar?

— Posso. Mas prefiro andar, especialmente se houver olhos me acompanhando no trajeto.

Nathan, do outro lado da mesa, esfregava as têmporas com a exaustão de quem percebe que a realidade perdeu o freio.

Leah cruzou os braços, a postura mudando. Não havia mais horror — agora havia proteção, a urgência de uma irmã que acabara de ver seu irmão envolvido com algo que mal compreendia, mas já sentia ser perigoso.

— Por que você não parece surpresa com nada disso? — Nathan perguntou, mesmo que já soubesse a resposta.

— Nate, por favor. — Ela o fulminou com o olhar. — Fui gótica dos treze aos vinte. Você realmente acha que eu nunca sonhei em me apaixonar por um ser das trevas? Isso aqui é… o meu sonho adolescente, só que com você no papel principal, o que é ligeiramente desconcertante. — Voltou a encarar Cael. — Mas ainda assim… icônico.

Cael sorriu, claramente satisfeito com o reconhecimento. Contudo, sua expressão logo se turvou. Um brilho mais escuro cintilou em seus olhos, e ele inclinou a cabeça na direção de Leah, com aquele charme perigoso que parecia emanar dele sem esforço.

— Sabe, seria mais simples se você esquecesse tudo isso. Posso entrar na sua mente, virar os pensamentos de cabeça pra baixo até parecer um sonho estranho que você nem consegue explicar.

Ele já se aproximava, os dedos pairando a centímetros do cabelo dela.

Leah saltou de onde estava como se ele tivesse ameaçado raspar-lhe uma sobrancelha.

— Não! Nem pense nisso! Eu juro que não conto pra ninguém! Você não tem ideia de quantos anos esperei pra ver algo sobrenatural de verdade! Eu sobrevivi a convenções, li histórias até de demônio com fada, escutei relatos esotéricos de duas horas sobre fadas assassinas! VOCÊ NÃO VAI ME ROUBAR ISSO!

Cael piscou, genuinamente surpreso com a explosão. Nathan deixou escapar um riso abafado.

— Viu? Agora você conhece o tipo de louca que é a minha irmã. — Murmurou ele.

Leah, ainda ofegante, encarava Cael como se ele fosse um bilhete premiado de loteria com pernas.

— Me escuta, demônio de traseiro escultural. Eu já sei demais. Então, se for pra manter esse segredo… me deixa fazer parte dele. Prometo não atrapalhar. Prometo não tirar foto. E, acima de tudo… — ela o avaliou de cima a baixo — prometo não me apaixonar por você.

Cael arqueou uma sobrancelha, um canto da boca se erguendo num sorriso lento.

— Meu Deus… é sério? Você quer “fazer parte desse segredo” como se fosse um clube do livro? — Nathan questionou.

— Claro que sim — disse Leah, dando-lhe um tapinha no ombro. Em seguida, voltou-se para Cael, com o tom mais sério. — E agora que o choque passou… eu quero entender. Quero saber de onde você veio, o que você é de verdade. Não só porque é fascinante, mas porque… você está com meu irmão. E, mesmo que eu ainda ache tudo isso totalmente surreal, eu vi como você olhou para ele. Você se importa com ele, não é?

Cael desviou o olhar. A máscara de teatralidade cedeu por um instante.

— Eu não sei o que é isso. Mas… — seus olhos voltaram a encontrar os dela — só não me peça para ir embora.

A leveza cômica ainda pairava, mas sob ela havia algo mais denso, quase palpável. Leah mordeu o lábio, avaliando. Por fim, assentiu com um suspiro resignado.

— Tá bom. Mas se você quebrar o coração dele, eu juro que descubro como fazer um exorcismo em casa.

Cael riu, encantado.

— Eu adoraria ver você tentando.

— E eu adoraria ter um motivo. Mas espero que não me dê um.

Nathan finalmente se levantou, o gesto carregado de cansaço e uma ternura contida.

— Ok. Vamos todos sentar. Explicar tudo. Mas, primeiro… alguém, pelo amor de Deus, vista esse íncubo direito.

— Eu gosto de exibir meus encantos — disse Cael com uma piscadela insolente.

Leah já puxava o celular do bolso.

— Você tem sorte de eu ser civilizada. Qualquer outra irmã já teria feito um story.

E, no fim, os três riram — um riso estranho, improvisado, compartilhado entre humanos e demônios. Um som desalinhado, desajustado… e absolutamente real.

O apartamento estava mais silencioso agora, embora ainda pairasse no ar o resquício de algo inusitado — o tipo de atmosfera que só surge quando uma irmã encontra um íncubo praticamente nu na cozinha do irmão e, em vez de surtar, pede uma entrevista exclusiva.

Seus olhos ainda brilhavam com uma mistura de incredulidade e excitação. Nathan, de braços cruzados, encostava-se na geladeira, tentando compreender em que parte da vida dele as coisas haviam descarrilado dessa forma. Cael, por sua vez, deslizava os dedos por uma maçã na fruteira, como se ponderasse devorá-la ou apenas seduzi-la até que se oferecesse sozinha.

— Então, escuta — começou Leah, com a voz casual demais para ser inocente. — Eu estava pensando… a gente podia sair qualquer dia desses. Você, eu… — ela olhou para Nathan — e o sofredor aqui.

Nathan ergueu uma sobrancelha.

— Um encontro?

— Não, idiota — Leah revirou os olhos. — Só quero conversar mais com ele. Não é todo dia que a gente conhece um ser infernal que parece ter saído de uma propaganda de perfume proibido. E eu juro que ainda tenho mil perguntas. Você come comida? Você sangra? Você gosta de arte?

Cael sorriu com o canto dos lábios, divertido.

— Sangro, mas só quando vale a pena. Comida humana tem seus encantos, mas eu prefiro o que me alimenta de verdade. Quanto à arte… gosto do que é trágico. Tudo que é bonito e carregado de morte.

Leah riu.

— Ok, isso é tudo absurdamente fascinante. Você é tipo um crossover de Lúcifer com O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.

Cael estreitou os olhos.

— Não sei se devo me sentir insultado ou adorado.

Nathan interferiu, lançando à irmã um olhar desconfiado.

— Você quer sair com um demônio?

— Eu quero sair com um fenômeno sobrenatural que está, de algum modo, envolvido com o meu irmão. Quero entender como isso aconteceu e, quem sabe, prevenir o apocalipse pessoal de vocês dois.

Cael, então, virou-se para ela com um leve arqueamento de sobrancelha.

— Lisonjeado pelo convite, Leah. Mas… eu não saio com mulheres.

Leah soltou uma risada curta.

— Não é um encontro romântico, meu bem. Eu só quero sair com vocês, bater um papo, talvez beber alguma coisa. Se você estiver com fome, bom, aí é com vocês dois.

Nathan tossiu, claramente desconfortável.

— Leah.

— O quê? Eu só estou sendo prática. Vai dizer que não estão transando feito coelhos em combustão?

Cael riu com gosto, aquele som baixo, quase musical, que reverberava no peito como um murmúrio perigoso.

— Eu gosto dela, Nathan. Ela é insolente. Tem personalidade.

Leah ergueu o copo num brinde silencioso.

— É o mínimo pra lidar com você, pelo visto. Então, que tal? A gente sai. Amanhã? Ou fim de semana. Nada muito humano. Podemos ir a algum lugar com luz baixa, música estranha, drinques que brilham.

Cael refletiu por um momento. Era raro alguém querer sua companhia sem desejo, sem medo ou interesse oculto. Leah queria… saber. Conhecer. E, de forma curiosamente contraditória, isso o desarmava mais do que uma adaga.

— Tudo bem, pode ser divertido.

Leah abriu um sorriso largo.

— Fechado.

Nathan balançou a cabeça, um sorriso cansado ainda nos lábios. Como se soubesse, no fundo, que resistir era inútil.

— Mas você paga. — Cael rebateu.

— Óbvio. Eu pago para ver esse drama acontecer ao vivo.

E assim ficou combinado: um encontro improvável entre uma garota sarcástica, um estudante incrédulo e um íncubo indecifrável. Um trio que, de algum modo, formava uma constelação dissonante, mas intrigante demais para ser ignorada.

Porque, às vezes, até o sobrenatural precisa sair um pouco. E Leah, definitivamente, não deixaria essa oportunidade passar.

 

—–

 

A boate parecia ter sido arrancada de um sonho febril — ou de um pesadelo muito bem iluminado. Não era um lugar qualquer: Leah o escolhera com cuidado, como se buscasse uma estética que pudesse, ao menos por uma noite, fazer jus à presença de Cael. O nome, em neon curvado sobre a entrada de concreto grafitado, piscava em vermelho pulsante: Inferna.

— Muito sutil da sua parte — murmurou Nathan, ajeitando a gola da camisa enquanto observava a fila repleta de jovens com maquiagem pesada, saltos impossíveis e perfumes fortes o suficiente para ofuscar a lua.

Leah deu de ombros, rindo com os olhos.

— Achei apropriado. E convenhamos, você precisava sair. Está ficando com cara de viúvo da própria sanidade.

Leah desapareceu primeiro, puxada por um grupo de conhecidos que gritavam seu nome com entusiasmo.

Nathan e Cael ficaram lado a lado no balcão, onde um bartender, com os olhos pintados de preto, servia drinques que brilhavam em azul e roxo. Nathan desconhecia o nome da bebida que Cael pedira, mas esta vinha em um copo de cristal, com gelo em forma de estrelas.

— Isso é real? — perguntou, encarando o copo.

— Real o suficiente — respondeu Cael, girando o líquido como se fosse um vinho fino. — Humanos gostam de ilusões encantadas. Às vezes, sentem-se mais vivos com elas do que com a verdade.

Nathan pegou sua própria bebida — um whisky com gelo, seguro, familiar, previsível — e tomou um gole.

— E você? Qual prefere?

Cael sorriu sem mostrar os dentes.

— Prefiro o que me queima devagar.

O olhar que acompanhou aquela frase pousou sobre Nathan como brasa molhada — caloroso, mas carregado de algo não dito. Não era sedução pura. Era o incômodo do que insiste em existir sem nome.

Nathan desviou o olhar, tenso, como se percebesse tarde demais o quanto estava preso naquele jogo que nunca começara oficialmente, mas jamais cessara.

— Ainda acho tudo isso uma péssima ideia.

— E, ainda assim, está aqui. Comigo.

Nathan não respondeu. O silêncio entre eles era espesso, porém não pesado. Era o tipo de silêncio que precede o momento em que alguém cede.

— Nate! — Leah reapareceu, vibrando, segurando três pulseiras brilhantes. — Vamos dançar. A pista está perfeita, e eu quero ver o demônio rebolar.

Cael aceitou a pulseira, colocou-a no pulso e ergueu uma sobrancelha inquisitiva para Nathan.

— Vai me deixar dançar sozinho?

Nathan hesitou. Olhou ao redor. Aquilo tudo — a música, as luzes, a insanidade pulsante — não era o tipo de lugar onde se sentia seguro. Mas, entre o caos, Cael estava ali, brilhando de um jeito estranho, como se a boate fosse o único habitat possível para algo como ele.

E Leah, tão fora de controle quanto previsível, já dançava com os braços erguidos, sorrindo como quem sabe o segredo do universo — e ri dele.

Nathan suspirou. De novo.

— Só por meia hora.

Cael estendeu a mão, e Nathan a segurou.

Meia hora virou uma hora. E mais. Eles dançaram. Leah gritava os refrões de músicas que Nathan nunca ouvira; Cael dançava como se o corpo não tivesse ossos, apenas desejo condensado em forma humana.

E, por um momento — breve, rouco, quase fora do tempo — Nathan se viu sorrindo. De verdade. No meio do caos, com a camisa grudada nas costas, o coração batendo no ritmo da batida e a mão de um demônio entrelaçada à sua.

Por mais errado que tudo aquilo parecesse, havia algo indiscutivelmente vivo naquela noite. E, mesmo que fosse uma ilusão, Nathan não podia negar: não queria sair dali.

Ainda não.

A música mudou. O ritmo desacelerou, mas o tom ficou mais denso — uma batida envolvente, quase hipnótica, feita para que os corpos se perdessem uns nos outros sem perceberem o momento em que os limites se diluíam. As luzes também mudaram: tons de âmbar e vinho derramaram-se sobre a pista como seda líquida.

Foi então que aconteceu.

Nathan viu quando o homem se aproximou de Cael — alto, com a camisa aberta até a metade e um sorriso calculado no rosto. A aproximação não fora hesitante. Ele chegara como quem sabe exatamente o que quer, e Cael, para desgosto visceral de Nathan, não pareceu se importar.

O toque começou leve. Uma mão escorregando pela cintura de Cael, dedos roçando por baixo da barra da camisa preta. Depois vieram os quadris, que se alinharam, movendo-se em sincronia. A dança não era dança — era cortejo, era provocação. O homem dizia algo ao ouvido de Cael, e Cael ria. Um riso solto, bonito, que Nathan conhecia. Mas, naquele momento, soou como um corte. Um golpe sem lâmina.

Nathan apertou o copo entre os dedos, o gelo derretendo rápido demais. Virou o restante da bebida de uma só vez e fez sinal para o bartender por mais uma.

— Alguém ficou sóbrio demais para isso? — disse Leah, aparecendo ao lado dele, ofegante da dança, com os olhos brilhando de adrenalina e álcool.

Nathan não respondeu de imediato. Os olhos continuavam presos à silhueta de Cael, que agora tinha as mãos do desconhecido nas costas, dedos subindo perigosamente sob o tecido.

— Quem é aquele com o Cael? — Leah perguntou, quase animada. — Parece que ele atrai os mais bonitos. Também, com aquele rosto… você acredita que ele nem é humano? De perto, dá para sentir um arrepio.

Nathan engoliu em seco e riu. Um som amargo, seco.

— É. Acredite. Dá para sentir.

— Nossa — disse ela, sem notar o tom. — Nunca vi você tão calado. Aposto que está se sentindo um pouco deslocado, né? Eu também ficaria. Tipo… se meu amigo sexy e sobrenatural começasse a ser assediado por modelos aleatórios.

Ele virou mais um copo.

— Talvez você devesse dançar mais e falar menos.

Leah franziu a testa, mas não respondeu. Nathan raramente era ríspido com ela. Mas alguma coisa ali — a luz, o som, o calor e aquele maldito sorriso de Cael do outro lado da pista — estava arrancando pedaços que ele nem sabia que ainda doíam.

Ele se obrigou a olhar para outro lado, mas os olhos insistiam em voltar. Como se ver doesse menos do que imaginar. Cael ainda estava ali, envolto por braços que não eram os de Nathan, respondendo a toques que, até então, pareciam reservados para os momentos em que estavam sozinhos, deitados, e o mundo inteiro parecia caber entre dois corpos e um silêncio cúmplice.

Mas talvez tudo aquilo — os toques, os olhares, até mesmo o jeito como Cael segurava sua mão quando tinha pesadelos — fosse só hábito. Parte da encenação.

Nathan tomou mais um gole.

O sabor queimou.

Era isso ou quebrar o copo.

— Está tudo bem com você mesmo? — Leah insistiu, agora olhando-o com mais atenção. — Você está… sei lá, meio estranho.

— Estou ótimo. Ótimo.

Leah mordeu o lábio inferior, inquieta. Olhou para Cael, depois para o copo de Nathan.

— Você não está com ciúmes, está?

Nathan riu, mas a gargalhada veio áspera, como se tivesse espinhos.

— Claro que não. Por que eu estaria? Não tenho nenhum tipo de… direito sobre ele. Ele é um íncubo, lembra? A porra de um demônio do sexo. É o que ele faz. É o que ele é.

Leah estreitou os olhos.

— Mas você se importa.

— Não importa o que eu sinto. Ele nem sabe o que é amar.

As palavras saíram antes que Nathan pudesse filtrá-las. E doeram mais quando ecoaram de volta, como se o próprio peito tivesse se fechado ao som.

Leah mordeu o canto da boca, encarando-o em silêncio por alguns segundos.

— Você está apaixonado por ele?

A pergunta pairou no ar como um tiro suspenso no tempo.

Nathan não respondeu. Apenas virou outro copo.

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Capítulo 9
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Doce Inanição

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Nathan jamais esperou encontrar o amor na forma de um íncubo. Muito menos descobrir que ele tinha um lado doce, um senso de humor duvidoso e uma tendência incorrigível a usar lingerie como forma...

Chapters

  • Vol 1
      • Capa
        Capítulo 9 Manual Paranormal de Como Reagir a um Incubus
      • Capa
        Capítulo 8 Memórias que Não Dormem
      • Capa
        Capítulo 7 Entre o Pecado e a Paz
      • Capa
        Capítulo 6 Dias de Fome, Noites de Amor
      • Capa
        Capítulo 5 Como Seduzir e Motivar um Universitário em 3 Passos
      • Capa
        Capítulo 4 Uma Versão Peluda do Meu Criador
      • Capa
        Capítulo 3 Onde Moram as Fomes Antigas
      • Capa
        Capítulo 2 Um Incubus no Meu Sofá
      • Capa
        Capítulo 1 Me Deixe Provar um Pouco

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